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Megg Rayara: primeira travesti negra Doutora em Educação no Brasil

Racismo e homofobia na educação, a tese da primeira doutora travesti do país.

Pela primeira vez no Brasil, uma travesti negra recebe o título de Doutora. A conquista deste pioneirismo é de Megg Rayara Gomes de Oliveira, agora, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E ela não deixou por menos: sua tese de Doutorado teve por tema racismo e homofobia na Educação.

Durante quatro anos, Megg Rayara estudou a resistência de quatro professores negros homossexuais para superar situações de opressão no ambiente escolar, no caso, em escolas da rede pública estadual do Paraná e do Rio de Janeiro, dos ensinos fundamental e médio.

No vestido vermelho que preparou para usar na defesa de sua tese de Doutorado – intitulada “O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação” -, Megg Rayara bordou os nomes de dez travestis recentemente assassinadas.

“É fundamental que eu tenha uma postura política. Acadêmica, mas também política. É fundamental que, como pesquisadora, eu leve para debate questões que falem do meu universo, das minhas questões, do grupo de onde eu vim, onde estou inserida, para motivar outras pessoas a acessar o espaço acadêmico.”

Ato político

A pesquisadora considera natural fazer dos trabalhos acadêmicos que desenvolve um ato político. “Primeiro porque o corpo de uma travesti, o corpo de uma pessoa negra, de uma bicha preta, não é só uma constituição biológica, é um discurso”, que gera outros discursos. “Sei que a minha conquista vai marcar a vida de outras meninas. É uma porta que estou abrindo”.

Megg nasceu no interior do Paraná, em Cianorte, há mais de 40 anos – “a idade exata é segredo de Estado!”. Seus pais eram da roça, de Minas Gerais, e tiveram, contando com ela, sete filhos.

Todos, desde sempre, respeitaram suas escolhas em casa: cabelos compridos, coque na cabeça com toalha imitando a mãe, bijuterias, bonecas…

Mas… na escola…

Fila dos meninos, banheiro dos meninos, assédio moral, ameaça de violência…

Assim, Kim – como era chamada pelos irmãos – começou a se retrair e a ter o desenho como companhia.     Mudança de ares Aos 20 anos, Megg decidiu ir para a capital paranaense, Curitiba, mas tinha “vida dupla”: feminilidade natural em casa, performance masculina no ambiente profissional, trabalhando com criação em uma agência de publicidade. Isso porque ela não queria a prostituição para a sua vida.    

“O lugar de existência das travestis, para a sociedade, é na rua e na prostituição. Se eu parar dois minutos para esperar um ônibus, já acham que eu estou marcando ponto. E eu não queria isso para mim.”

Aposta na Academia

Megg percebeu que a formação acadêmica poderia ser um caminho de vida para ela – na iniciativa privada predomina o preconceito. E, de fato, sua identidade de gênero naturalizou-se à medida que avançava nos estudos.

No seu currículo, graduação em Desenho pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná; duas especializações, em História da Arte e História e Cultura Africana; Mestrado em Educação pela UFPR e, agora, também o Doutorado em Educação.

Mas nada foi simples, tranquilo…

O Mestrado, por exemplo, ela tentou quatro vezes. Passava na prova escrita, o projeto era bem avaliado, mas não conseguia orientador, até que o professor Paulo Vinicius Baptista da Silva disse “sim”. A partir daí, sua carreira deslanchou, a ponto de ela emendar o Mestrado ao Doutorado, o último  sob orientação da pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFPR, professora Maria Rita de Assis Cesar.

Megg é professora substituta de Didática em cursos de licenciatura da UFPR e dá aula de Desenho e Pintura em tela em cursos da Fundação Cultural de Curitiba.

“Eu tinha certeza que quanto mais conhecimento eu tivesse, mais chance de inserção no mercado de trabalho eu teria e mais condição de expressar minha identidade de gênero.”

O Doutorado de Megg – é ela quem diz –  é uma conquista coletiva, do movimento negro e principalmente de travestis e transexuais. É uma possibilidade real de mudar a postura dentro das escolas e tornar a existência de LGBTs menos sofrida. A educação possibilita essa mudança.

Hoje, ela entende que assumir publicamente a identidade de gênero e se apropriar de maneira positiva de termos pejorativos traz poder à pessoa, muda sua maneira de estar na vida. Um poder que, no seu caso, foi reforçado em 2016 com a conquista da mudança oficial em sua certidão de nascimento.

Em 2017, Megg transformou sua tese em livro. E sua história está registrada no curta-metragem “Megg: a margem que migra para o centro“.

Leia também a história da deputada e artista plástica Érica Malunguinho e o vídeo da vereadora Érika Hilton, na coluna Sem Mordaça, mulheres trans que também colocam seus corpos a serviço da luta coletiva por existir e atuar para além das esquinas, cárceres, manicômios e outros lugares de desumanização.

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