O pesadelo americano
- Malcom X
O polêmico discurso pela resistência afro americana nos Estados Unidos, proferido por Malcom X, ministro do Templo do Islã, conhecido como número 2 no Movimento Nacional dos Muçulmanos Negros, que marca a abertura do filme de Spike Lee sobre o líder.
Seria mais simples e até natural apresentá-lo assim. Mas – se ainda estivesse vivo – ele esclareceria:
“Nós muçulmanos, que seguimos o honorável Elijah Mohammed, não aceitamos o termo ‘negro’. (…) E não sou o número 2 no Movimento Muçulmano, porque não pensamos em nós mesmos dessa forma. Nós temos um deus, que se chama Alá. Somos um povo e temos uma meta“.
Figura exponencial durante a luta pelos direitos civis da população afro americana – esta a expressão preferida por ele – nos EUA nos anos 1960, Malcom X lutou ativamente por liberdade, no confronto. Ele queria um país só para nós dentro da América do Norte, separado da população branca.
“Estou aqui para vos dizer que acuso o homem branco.
Acuso-o de ser o maior assassino da Terra.
Acuso-o de ser o maior raptor da Terra.
Não há lugar na Terra onde o homem possa ir e dizer que ele criou paz e harmonia.
Onde quer que ele tenha ido, criou a desordem.
Onde quer que tenha ido criou a destruição.
Por isso o acuso de ser o maior raptor da Terra.
Acuso-o de ser o maior assassino da Terra!
Acuso-o de ser o maior ladrão e escravizador da Terra! …
Ele não pode negar as acusações…
Somos delas a prova viva!
Vós e eu somos a prova.
Não sois americanos, sois vítimas da América!
Vocês não escolheram vir.
Ele não vos disse… “Homem e mulher pretos, vinde ajudar-me a construir a América.”
Ele disse: “Preto, entra no barco. Vou levar-te para lá, para me ajudares a construir a América.”
Terem nascido aqui não vos torna americanos.
Tu e eu não somos americanos.
Tu és um dos 22 milhões de pretos vítimas da América.
Tu e eu nunca vimos a democracia.
Não vimos democracia nos campos de algodão da Geórgia.
Lá não há democracia.
Não vimos democracia em Harlem, Brooklyn, Detroit, Chicago.
Lá não há democracia. Não, nunca vimos a democracia.
Não vimos mais do que hipocrisia.
Não vimos qualquer ‘sonho americano’.
Só experimentámos o pesadelo americano.“
A história do líder X
Ele nasceu em Omaha, Nebraska, quando os Estados Unidos passavam por um momento de transição, de saída de uma grande crise: a economia nacional e o sonho americano eram contagiantes e triunfavam pelo mundo. Mas não para pessoas não brancas.
A cor da pele sacramentava o futuro de boa parte dos negros do país.
Seu pai, Earl Little, era ministro batista, ativista bastante atuante no movimento em defesa dos direitos dos afro-americanos, pregava nas igrejas o nacionalismo negro, o pan-africanismo de Marcus Garvey, a ideia de uma voz uníssona dos africanos em diáspora, lutava por liberdade e justiça social.
Por isso mesmo a casa da família Little foi incendiada e seu pai perseguido pela Klu Klux Klan, não importava quantas vezes mudasse de casa. Malcom era ainda um garoto quando se viu só com sua mãe Louise Little, uma mulher branca, de Granada, e mais cinco irmãos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ele tinha apenas seis anos de idade – nasceu em 19 de maio de 1925 – quando seu pai foi assassinado por membros de grupos racistas – espancado e colocado
na linha de um trem. A seguradora se recusou a pagar o seguro de vida, alegando que Earl havia se suicidado.
Não existia lei que coibisse o linchamento de negros, que viviam totalmente marginalizados, subjugados, sem direitos.
Sem pai nem mãe
O livro Autobiography of Malcolm X, lançado em 1965, após a sua morte, assinado por Alex Haley, descreve o pai de Malcolm como uma pessoa violenta, que batia nos filhos e na esposa. Ele, Malcolm, era o que menos apanhava, talvez por ser “mais claro”– o “senso comum” da época pregava que quanto mais branco melhor, mais evoluído e civilizado.
Mas sem pai nem mãe – Louise nunca se recuperou do choque da morte do marido e foi encaminhada para uma clínica psiquiátrica, onde permaneceu por 26 anos -, todos foram encaminhados para adoção.
Malcom conheceu sua nova família aos 13 anos. E, neste período, destaca-se nos estudos, até que um professor, mesmo elogiando seu ótimo desempenho, disse a ele que
deveria ser realista e escolher a carreira de carpinteiro em vez de almejar ser um advogado.
Aos 15 anos, Malcom já flerta com o boxe – os esportes e o show business, em grau menor, eram os únicos campos abertos à evolução dos negros e o ringue era o único lugar em que um negro podia bater num branco sem ser linchado.
Mas quando conhece Ella Little-Collins, sua meia-irmã, seus planos mudam. Ele fica impressionado com a sua aparência, a considera “a primeira mulher negra orgulhosa” que conhece. E Ella o convida para conhecer Boston.
Não demora, o garoto do interior dos EUA, nascido em Nebraska, muda completamente – da cabeça aos pés, incluindo valores.
Rato de rua
Na capital de Massachussets, ele começa a trabalhar como engraxate em uma casa noturna frequentada por personalidades da soul music e é apresentado à boêmia por Shorty, que se tornaria um grande amigo.
Sua vida social e rede de contatos se amplia e inclui cafetões, traficantes, prostitutas, viciados e também novas experiências – do uísque à cocaína, venda e consumo.
Esquece completamente os estudos, a família, aprende a dançar e se adapta à vida marginal, tendo como par constante Sophia, que acaba incluída na sua vida como marca registrada.
Aos 16 anos, Malcom não era mais conhecido somente pela maneira extravagante de se vestir, com seus ternos “amigo-da-onça”, e, sim, por andar com uma bela loura em um Cadillac. E ele adorava exibi-la: um branca que não era prostituta.
A universidade Harlem
Depois, para fugir da guerra, Malcom procura um emprego – vende doces e salgados no trem – e chega a Nova York, a maior cidade do país. Era o ano de 1941.
“Levaram-me para o Harlem de táxi. A Nova York branca passou por mim como um cenário de filme. Depois, abruptamente, quando deixamos o Central Park, na Rua 110, a pele das pessoas começou a mudar”, conta na sua autobiografia.
E o Harlem tornou-se sinônimo de paraíso para Malcolm e também a sua escola de nível superior. Era a época do jazz, gênero musical que consagrou nomes como Louis Armstrong, Duke Ellington, Ella Fitzgerald e Billie Holliday. E, na política, a voz de pensadores negros – com Marcus Garvey, W. E. B. Du Bois e Booker T. Washington, responsáveis por uma nova consciência racial – ecoavam.
Malcom se integra na boemia, ganha o apelido de Harlem Red – uma referência aos seus cabelos grossos, sedosos, vermelhos e muito alisados – e dá continuidade à sua vida à margem da lei, no submundo, com o vício nos jogos de azar.
Ele tinha um emprego, como bartender, que era a pós-graduação na criminalidade –
vendia todo tipo de produtos ilícitos, agenciava mulheres, negociava com policiais, consumia e vendia drogas a domicílio. Atrevido e destemido, vivia para o tudo ou nada.
A caminho da cadeia
Meses antes de ser encarcerado, se desentende com seus parceiros de crime e tem de fugir do Harlem para não morrer. De volta a Boston, totalmente entregue ao vício, volta para a loura Sophia, que lhe dava dinheiro e prazer.
Monta uma quadrilha para roubar casas, envolvendo seu amigo Shorty, e as duas mulheres brancas, suas parceiras. Todos foram presos. Elas tiveram fiança reduzida. A deles, foi fixada em 10 mil dólares cada.
Ereceber visitas constantes de seu irmão, Reginald Little. Seu irmão apresentou-lhe o Nação do Islã, uma organização que defendia os direitos afro-americanos e a formação de uma comunidade de negros separada dos brancos. Esse grupo era liderado por Elijah Muhammad.
É na cadeia que ele é apresentado à Nação do Islã, uma organização que defendia os direitos afro-americanos e a formação de uma comunidade de negros separada dos brancos. Esse grupo era liderado por Elijah Muhammad, que escreve cartas para ele.
Malcom X
Livre, em 1953, como membro da Nação do Islã, grupo de origem religiosa, recebe um novo batismo e seu sobrenome Little é substituído pelo “X”.
Malcolm afirma que isso aconteceu porque seu sobrenome havia sido dado à sua família durante o período da escravidão e, por isso, deveria ser abandonado.
Em carreira meteórica, o ex-detento passa rapidamente a respeitado Ministro, de um templo do grupo no Harlem, reconhecido pelo seu poder de persuasão nas falas públicas.
Além disso, Malcolm X torna-se jornalista e passou a escrever constantemente artigos que defendiam a emancipação da sociedade afro-americana, principalmente no jornal que era veiculado pelo Nação do Islã.
Traz energia nova ao movimento, dá entrevistas, participa de talk-shows e palestras pelo país, divulga os propósitos do movimento.
Notoriedade
A partir de 1959, a figura de Malcolm X ganha notoriedade em todo os Estados Unidos, a partir de um documentário sobre movimentos de nacionalismo negro. Suas visões tornam-se conhecidas. Ele defendia a resistência dos negros por “qualquer meio necessário”, inclusive a violência em caso de autodefesa.
Seu discurso ácido – como o do Sem Mordaça – gerou incômodo nos Estados Unidos. Os brancos temiam que as declarações de Malcolm X incentivassem revoltas em massa, principalmente, porque Malcolm X argumentava que, se fosse necessária, a violência deveria ser utilizada para alcançar melhorias na vida dos negros.
Perguntaram a ele, certa vez:
– Sr. Malcolm X, por que prega a supremacia negra e o ódio?
E ele respondeu:
– (…) O homem branco culpado, de duas caras, não consegue determinar o que ele quer. Nossos antepassados escravos teriam sido executados se defendessem a suposta ‘integração’ com o homem branco. Agora, quando o Sr. Muhammad prega a ‘separação’, o homem branco nos chama de ‘pregadores do ódio’ e ‘fascistas’… O homem branco perguntar ao homem preto se ele o odeia é a mesma coisa que o estuprador perguntar ao estuprado ou o lobo perguntar ao cordeiro: ‘Você me odeia?’
O homem branco não tem moral para acusar ninguém de ódio.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Este era o tom de Malcom X. E ele carregava a oratória inflamada e disparava a metralhadora em direção a toda comunidade branca cristã, sem exceção.
Negros x Negros
A defesa da utilização da violência gerava críticas dentro do próprio movimento, sobretudo daqueles que defendiam a utilização de métodos não violentos, como Martin Luther King.
Malcom X, por sua vez, mantém uma posição crítica em relação à Marcha sobre Washington, do reverendo negro, que reuniu centenas de milhares de pessoas na capital do país- brancos e, principalmente, negros -, por direitos aos negros e, acima de tudo, pela paz social.
Ele classificou a marcha como “circo” e King como “vendido”, causando um cisma no movimento negro.
Registre-se que a marcha de 2 de julho de 1964 ter culminado na assinatura da Lei dos Direitos Civis pelo presidente Lyndon Johnson.
El-Hajj Malik El-Shabazz
A partir da década de 1960, Malcolm X entra em choque com a Nação do Islã. Sua liderança não era sinônimo de retidão e caráter – quem estava no poder, em alguma medida, refletia muito da vida bandida do jovem Malcom Little.
Ele abandona o grupo em 1964, funda uma própria organização religiosa própria, Muslim Mosque Inc (Associação da Mesquita Muçulmana) e atrai muitos dos membros que haviam se filiado ao Nação do Islã.
No mesmo ano, inicia uma jornada religiosa na qual peregrinou para a cidade sagrada do Islã, Meca, na Arábia Saudita. Durante essa viagem, Malcolm X adota um novo nome: El-Hajj Malik El-Shabazz.
Depois, viaja pela África e funda uma organização pan-africana não religiosa de defesa dos direitos humanos para todos os descendentes de africanos.
Quando retorna aos Estados Unidos, ele é outra pessoa. Passa a defender posturas menos radicais e contra a violência para obtenção dos direitos sociais para os afro-americanos. Mas esta fase dura pouco.
Durante uma palestra no Harlem, Nova York, no dia 21 de fevereiro de 1965, Malcolm X é alvejado por mais de dez tiros. Os assassinos? Supostamente membros do Nação do Islã.
E, assim, encerrava-se a trajetória de um dos maiores nomes da luta dos afro-americanos pelos direitos civis nos EUA.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Fontes:
HALLEY, A. Autobiografia de Malcolm X – A. Halley
Malcom X, o Islamismo na América – Cultura Vozes
Brasil Escola – Uol
Compartilhe com a sua rede:
Pingback: Marcus Garvey, o pan-africanista
Pingback: “Eu sou antirracista.”
Pingback: Marsha P. Stonewall, defensora pioneira dos direitos LGBT
Pingback: O Cinema Negro nasce nos EUA
Pingback: Movimento Negro, movimentos antirracistas
Pingback: Ilê Aiyê, o mundo negro resiste