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ELEIÇÕES NEGRAS 2022

Questão de raça,
a desigualdade
nas eleições

por Primeiros Negros

Plenário da Câmara dos deputados em 2022 (Imagem: Marcos Souza / Nascimento Souza Press | Veja)

Uma fotografia do Congresso Nacional – Câmara e Senado -, com plenário cheio, escancara a estratégia da branquitude – os negros ocupam 25% das cadeiras – e confirma um Índice de Equilíbrio Racial (IER) completamente desproporcional.

No Senado, apenas três dos 54 eleitos em 2018 – para mandatos de oito anos –  se autodeclaram negros. Na Câmara Federal, dos 3.117 negros que disputaram uma vaga, apenas 124 se elegeram – uma  taxa de sucesso de 3,98%, em constraste com a taxa de 8,72% dos candidatos brancos.

Os dados são do estudo “Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras”,  conduzido pelos economistas Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella e Rafael Tavares, pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa.

Conquistar uma vaga no Congresso Nacional é sempre desafiador. Campanhas eleitorais são caras e a quantidade de dinheiro que cada candidato usa depende de variáveis como o cargo em disputa, estrutura do partido e influência dentro da legenda. Mas outros dois fatores, em tese sem relação com isso, surgem como barreiras quase intransponíveis: raça e gênero.

Privilégio branco

Um olhar recente para a história das eleições para deputado federal registra que, em 2014, candidatos brancos que declararam recursos para a disputa  conseguiram, em média, R$ 399 mil para financiar suas campanhas – os candidatos negros tiveram um terço desse valor, R$ 138 mil.

Em 2018, após mudanças nas regras, como a que barrou o financiamento por empresas, essas cifras médias ficaram menores, mas a disparidade permaneceu elevada: R$ 251 mil para os brancos e R$ 110 mil para os negros.

Desigualdade de arrecadação para campanhas (Imagem: Primeiros Negros)
Desigualdade de arrecadação para campanhas (Imagem: Primeiros Negros)

Quando se acrescenta o gênero na equação, a desigualdade na distribuição de recursos aumenta ainda mais. Em 2014, mulheres negras que concorreram a uma cadeira na Câmara dos Deputados declararam, em média, R$ 45 mil e, em  2018, R$ 85 mil.

Entre os candidatos e candidatas a deputado estadual, o padrão se repete. As verbas se concentram nas mãos dos homens brancos.

Pode piorar

E a disparidade no acesso a recursos financeiros pode ser ainda maior. Não só pela existência de candidatos laranja, mas também por o estudo levar em conta os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baseados em autodeclaração. 

Para os pesquisadores, a autodeclaração representa uma dificuldade para qualquer pesquisa racial no Brasil, por ser sujeita a fraudes – cada pessoa pode declarar a cor que quiser -, da miscigenação presente na sociedade, do mito da democracia racial, da discriminação e do racismo baseado nas características físicas dos individíduos.

Quantidade de candidatos negros que haviam se declarado brancos em 2016 (Imagem: Primeiros Negros)
Quantidade de candidatos negros que haviam se declarado brancos em 2016 (Imagem: Primeiros Negros)

Para citar o “menor” dos problemas, pessoas de pele parda – também chamadas de “pretos de pele clara” por uns e de “brancos”, por outros – geram  autodeclaração dual, questionável… Levantamento feito pelo Brasil de Fato mostra que 23 dos 107 concorrentes às prefeituras das 26 capitais brasileiras que se declararam pardo ou negro em 2020, afirmavam ser brancos em 2016!

Dinheiro e Poder

De qualquer modo, de  acordo com os pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, há forte relação entre financiamento de campanha e voto, pois a diferença no acesso aos recursos compromete a performance entre os candidatos.

A deputada federal Talíria Petrone (PSol -RJ), uma da 13 mulheres negras eleitas em 2018 para a Câmara Federal, que tem 513 membros, confirma:

“Os partidos apostam menos em figuras negras, em especial mulheres negras, e financiam menos essas candidaturas. É parte do racismo estrutural, que está também nas instituições. Como se a política institucional não fosse um lugar para o corpo negro.”

Volta por cima

É a história negra de sempre. Resistimos, re-existimos e, só assim, somos reconhecidos. A história da própria Talíria Petrone é prova disso. Ela elegeu-se vereadora em Niterói (RJ) com poucos recursos. 

Todos sabemos, entretanto, que para deputado estadual, federal, senador é preciso muito mais dinheiro. Quanto maior a envergadura do cargo, maior a estrutura de campanha, maior a necessidade de profissionais qualificados, de material de divulgação… 

E o eleitor só pode votar em quem ele sabe que é candidato.

Quem tem mais recursos, tem mais vantagens na corrida. Candidatos pouco influentes têm a alternativa das doações individuais ou do autofinanciamento. E candidatos negros, a maioria, vêm de um networking social com baixo capital financeiro.

Corrupção in natura

E “a favor” da branquitude tem, ainda, o “jeitinho brasileiro” – sinônimo confesso da corrupção nossa de cada dia e de manutenção do privilégio branco.

O  acesso igualitário ao financiamento de campanha, por exemplo, em tese, foi “solucionado” nas Eleições de 2020 para prefeitos e vereadores. O TSE obrigou os partidos políticos a dividirem as verbas de campanha de maneira proporcional entre brancos e negros.

Mas a medida simplesmente não foi cumprida pelos partidos, que foram anistiados pelos deputados e senadores brancos que dominam o Congresso Nacional. 

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Quer dizer, a determinação do TSE de que o não cumprimento da medida impediria os partidos de receberem dinheiro do Fundo Eleitoral nas próximas eleições, no caso a atual, tornou-se em efeito.

Com a anistia, os partidos se livraram das punições e receberam, este ano, só de Fundo Eleitoral, exatos R$ 5,7 bilhões!

Diversidade, uma riqueza

Será que mais mulheres de baixa renda com poder político não produziriam uma política educacional melhor que a atual? Será que com mulheres no poder não seria maior o acesso ao saneamento básico? A violência nas periferias não seria menor?…

Um homem branco de alta renda terá grande dificuldade de pensar políticas públicas para mulheres, contemplando questões como assédio sexual, mercado de trabalho…

Melhorar a diversidade, possivelmente, vai gerar desenhos mais efetivos de políticas públicas, com recorte racial e que realmente impactem a vida das pessoas.

A cor roubada

Ingenuidade, entretanto,  acreditar que partidos políticos se ocupem de eleger políticos que, de fato, representem a sociedade. Se assim fosse, haveria uma maioria de mulheres e negros concorrendo às eleições, sem qualquer necessidade de cotas.

No recorte de gênero, as mulheres negras são as que recebem menos recursos de campanha dos partidos. Homens negros e mulheres brancas recebem valores equivalentes. E este desequilíbrio racial e de gênero é alto em vários estados brasileiros. 

Em todos os processos de discussão de representatividade, é possível ainda que as mulheres brancas, pelo fato de estarem inseridas no espectro das mais favorecidas, consigam ganhar mais espaço do que as mulheres e homens negros.

O Mulheres Negras Decidem promove a agenda liderada por mulheres negras na política institucional (Foto: Wendy Andrade)
O Mulheres Negras Decidem promove a agenda liderada por mulheres negras na política institucional (Foto: Wendy Andrade)

Parafraseando a filósofa Sueli Carneiro, que tão bem sintetiza a nossa situação  dentro da política partidária: entre a direita e a esquerda, continuamos pretos, pretas, pretes… 

Nos partidos de esquerda há, sim, mais candidatos negros. Mas a diferença desaparece quando se olha para os negros eleitos. A direita e a esquerda estão,  basicamente, com o mesmo nível de desequilíbrio racial.

“Para ser mais específico, a taxa de sucesso da direita em eleger, tanto brancos quanto negros, é maior do que a da esquerda, justamente pelo fato de eles lançarem menos candidatos”, destaca Michael França.

Tudo pelo poder

A função básica dos partidos políticos é eleger candidatos. E, em uma sociedade em que os homens brancos têm mais visibilidade e maior poder socioeconômico, são eles os eleitos para fazer prosperar o negócio da política.

Quando se tem dois bons candidatos – um homem branco e uma mulher negra -, a tendência é o homem branco receber muito mais atenção e recursos do partido político do que a mulher negra, mesmo que ambos tenham competências relativamente iguais. 

Para transformar esta realidade e viver a Democracia, de fato e de direito, é preciso mudar as regras do jogo e colocar mais recursos nas mãos tanto das mulheres quanto dos negros

O caminho para o poder

Em entrevista sobre o estudo ao podcast Café da Manhã, do jornal Folha de S. Paulo, o pesquisador Michael França destacou a percepção – a partir das eleições de 2014 e 2018 – de uma significativa melhora na distribuição racial dos candidatos, apesar da manutenção do desafio da tomada do poder, no se eleger e no reeleger-se. 

Mesmo depois de eleitos numa proporção bem menor que a dos brancos, outras dificuldades têm de ser enfrentadas pelos  políticos negros para exercer o poder no dia a dia legislativo. Isso porque os candidatos negros, uma vez eleitos, muitas vezes não têm o mesmo capital político de um branco. 

A população negra está entrando no mundo da política e tem de lutar, disputar espaço, lugar de fala num mundo formado por famílias de políticos, na lógica de pai para filho, que gera acúmulo de capital político, prestígio…  

Negros não têm isso. Vários dos nossos candidatos e políticos estão ascendendo socialmente, tiveram uma juventude de baixa renda, acabaram de se formar em universidades de prestígio e se lançaram para o mundo da política.

Acesse os outros artigos sobre as eleições 2022.

Existe uma dificuldade real para entender as regras do jogo, construir um capital político e se manter na política. A somar-se, ainda, o viés racial da sociedade brasileira que, muitas vezes, não opera de forma explícita. 

São muitas as variáveis envolvidas e o contexto socioeconómico vai influenciando ao longo do tempo. Não é só a questão de financiamento de campanha que compromete a probabilidade de mulheres e negros se elegerem e se manterem no poder.

As diferenças regionais e estaduais nos índices de desigualdade eleitoral entre brancos e negros afeta não só a imagem que se tem em relação à população negra e a questão identitária, como torna evidente a desigualdade social, o descompasso no desenvolvimento, por conta das políticas públicas até bem pouco tempo pensadas para atender a elite.

Será que todo possível já foi feito? A experiência de cotas para as mulheres não deu muito certo… Criaram as candidaturas laranja, só para preencher cota! Driblaram o fundo eleitoral igualitário…

A regra é preta!

Em dezembro de 2021, o TSE aprovou resolução que estabelece a distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral para as Eleições de 2022, confirmando que os recursos precisam ser distribuídos de forma proporcional aos candidatos negros de cada partido.

Acompanhemos o seu cumprimento, este ano,  na disputa para eleger representantes nacionais e estaduais.

Cada partido estabelece os critérios para a distribuição interna dos recursos, desde que cumpridos todos os requisitos definidos pela legislação eleitoral.

Para o cálculo do Fundo Eleitoral, ainda, a emenda à Constituição 111/2019 determina que, das Eleições de 2022 até as Eleições de 2030, os votos dados a negros deverá ser contado em dobro, como forma de incentivar maior equilíbrio no acesso aos recursos.

Na prática, tal expediente vai garantir mais dinheiro para os partidos, caso elejam mais mulheres e mais negros

Um outro formato interessante  a ser avaliado futuramente é o de reservas de cadeiras tanto para mulheres quanto para negros. Para isso, entretanto, é preciso definir quem é preto e quem é branco.

Do mais, façamos a nossa parte. Vamos enegrecer as urnas e transformar o Parlamento em um Quilombo, uma pequena África, reproduzindo o poder já vivido pelos que vieram antes e ocuparam a Serra da Barriga, em Pernambuco.

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