Negros no BBB
Participantes negros do BBB 21 (Imagem: Adaptação – @alegarcia | Reprodução – Globo)
Um pensar sobre a edição com maior diversidade racial nos 21 anos de história do reality show da Rede Globo.
Nunca uma versão do BBB – Big Brother Brasil teve tantos pretos e pardos! E o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos – morto pelo joelho de um policial branco em seu pescoço por 9 minutos e 29 segundos -, teve tudo a ver com isso. Não por iniciativa da Rede Globo, mas por determinação da CBS Entertainment, detentora dos direitos do formato do reality que, em novembro de 2020, estabeleceu como critério obrigatório um elenco de 20 integrantes composto por, ao menos, 50% de negros, mestiços ou indígenas.
No final, todos nos frustramos! Isso porque insistimos em acreditar em boas intenções e também nos confundimos com eles…
Na UTI
Seguimos morrendo – muitas vezes nos matando -, adoecendo, expondo nossas feridas, assumindo o pensar e o agir dos nossos algozes originais ao reproduzir estratégias de cancelamento, de invisibilidade, de inexistência, próprias do racismo estrutural.
Comportamentos tóxicos, machismo, homofobia, preconceito… Tudo se faz presente e confirma que todos integramos uma sociedade doente. Participantes de um programa de televisão terem a vida, literalmente, posta em risco e sentirem desejo de morte só confirmam o diagnóstico.
O que faz uma pessoa desejar a morte do filho de Karol Conká porque ela está em um programa de tv?! Ou ameaçar o filho do Nego Di, dizendo que ele não deve ir pra escola porque vai ser assassinado?!
E tudo – registre-se – no meio de uma pandemia, que, na época, estava matando mais de 1.000 pessoas por dia!
Bom momento para lembrar Leci Brandão e sua música-hino Zé do Caroço, nas versões da compositora- deputada e do cantor Seu Jorge.
Ela escreveu: “… e na hora que a televisão brasileira distrai toda gente com sua novela…”
Ele reescreveu interpretando: “… e na hora que a televisão brasileira destrói toda gente com sua novela…”
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A novela da vez, o BBB 2021: brasileiros morrem sem oxigênio, na porta dos hospitais, com remédios ineficazes sendo produzidos pelo Exército Brasileiro, celebrados pelo presidente da República e receitados por planos de saúde, mas são a rapper Karol Conka e o humorista gaúcho Nego Di, os rejeitados! Ela, com 99,17% e ele com 98,76% dos votos do público. E mais um detalhe: famosos lideraram campanhas de votação contra a artista.
Primeira música lançada por Karol Conká após o BBB 21, sobre os desafios enfrentados por conta da participação no programa.
Participantes brancos de outras edições nunca foram eliminados assim! Nem mesmo o designer de tatuagens Laércio de Moura, que saiu do programa em meio a denúncias de pedofilia, transformadas em condenação por estupro de menor! O ex-BBB não consta do Top 10 de rejeições.
Como esclarece a pesquisadora Daniela Gomes, doutora pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos
“a rejeição da pessoa vem antes da rejeição da pauta. Quando me olham, como mulher negra, pensam que eu não deveria nem estar ocupando esse espaço”
“Historicamente, mulheres negras são representadas como empregadas, em local de subserviência, ou como mulatas, extremamente sensuais. Se a negra for diferente disso, ela é raivosa, barraqueira e não é aceita”, complementa Kelly Quirino.
Passado tanto tempo – já às portas do BBB 2022 -, este é um resumo – dos muitos possíveis – da edição inédita do programa. Dentro e fora da tela da TV, nos mostramos em carne viva, com o ódio que insistimos em semear!
Somos plurais
Tal ódio, fomentado nas redes sociais, é resultado de uma histórica falta de representatividade negra: “Por não termos espaço na mídia, é um choque o público ver que temos pluralidade de pensamento”, aponta a doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora de temas étnicos raciais Kelly Quirino.
Pessoas negras são distintas entre si, discordam, não se parecem umas com as outras e, o mais importante, nem todo preto é necessariamente um líder, um ativista.
Mas a homogeneização de pessoas negras é uma das artimanhas mais sagazes do racismo estrutural – nos desumaniza a ponto de nos enxergar como um bloco único.
“Nós, pessoas negras, não somos tratadas como indivíduos, como pessoas passíveis de erros e acertos – avalia Daniela Gomes. Se eu cometo um erro, como uma figura pública, toda a população negra é tachada. Isso volta lá na escravidão… A gente não entra na sociedade moderna como ser humano, entra como bicho. A gente não é individualizado, os nossos erros são sempre coletivos”.
Tudo por dinheiro
Isso sem contar que o público perdeu de vista o objetivo do jogo: o prêmio de R$ 1,5 milhão, visibilidade. E em um momento que se vive uma onda antirracista, ‘naturalmente’, esta foi a edição em que mais tiveram discussões sobre questões raciais e envolvendo minorias. Mas ninguém integrava o movimento negro, formado por múltiplas entidades e organizações antirracistas.
Karol Conká e Projota são artistas. É fato que pelo tipo de arte que fazem – hip hop -, se espera uma certa coerência com o movimento cultural e político, mas eles são, antes de tudo, artistas. Nego Di é comediante. Todos pessoas que falam no próprio nome.
Ativismo fast-food
Sabrina Fidalgo, no artigo BBB 21 não é palco de líderes negros, na Vogue, alerta para a onda antirracista em contraponto ao racismo exacerbado – uma marca destes anos 20 do século XXI -, que criou “uma demanda, das pessoas brancas”. Muitas querem ser “ensinadas”, por toda a sorte de pessoas pretas, sobre o modus operandi para não serem canceladas com o carimbo de “racistas”.
Isso ficou evidente no programa com os participantes “reproduzindo a militância recém-adquirida”, tanto para o bem, quanto para o mal”. Só que não existe ativismo forjado nas mídias sociais, superficialmente. Ativismo, militância, não é modismo.
“É preciso estarmos atentos e fortes para sabermos separar o joio do trigo na lambança do liquidificador popular dos saberes adquiridos no Twitter em detrimento de uma vida inteira de pesquisas, genialidade, cautelas, suor e estudos. Muitos estudos”, escreve Sabrina Fidalgo. “Pessoas negras brasileiras carregam, ainda, as sequelas coloniais daqueles que fizeram de tudo para nos dominar na base da fomentação do enfraquecimento mútuo entre os nossos.”
A discussão sobre colorismo deixou isso estampado no programa, lembra Kelly Quirino: “Quando, entre nós, ficamos definindo quem é ou não é preto, torna-se mais difícil conseguirmos nos juntar para vencer o racismo”. E o colorismo é um dos preços que todos pagamos pela violência sexual contra a mulher negra desde a escravidão. Aí a origem.
Pretos não são racistas, mas podem reproduzir preconceitos, como no caso da cantora Pocah que projetou a imagem de homem negro violento ao falar que o ator, diretor e slammer Lucas Penteado estava com cara de demônio durante uma discussão.
“Desde que chegamos aqui, forçaram-nos a nos odiar entre si. E tal manipulação da branquitude colonial, herdeira dos grandes engenhos, parece estar funcionando ainda a todo vapor, mas só que agora em rede nacional.”
Do limão, a limonada
O saldo positivo do BBB Negro – na opinião da pesquisadora Daniela Gomes – é que o programa conseguiu levar para a televisão as pautas que estão nas redes sociais e muitos entraram em contato, inclusive, com o absurdo de suas postagens, não só em relação aos negros, mas com a população LGBT, com os defensores de animais, com pessoas que lutam contra a gordofobia… Com o linchamento público, enfim.
Já sua colega Kelly Quirino, entende que o reality deve servir de “alerta” para a comunidade negra.
“O programa mostra a importância da saúde mental e as consequências do racismo em pessoas pretas. Precisamos nos cuidar”.
Quando da elaboração deste texto, em outubro de 2021, já havíamos ultrapassado 605 mil brasileiros mortos na pandemia de Covid-19 – um cenário que jamais deve ser esquecido.
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Fontes: BBC, Vogue, Correio Braziliense, Jornal Extra
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