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Racismo Institucional

as instituições em defesa do povo ou da riqueza?

- Marcos Morcego

Momento do assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, promovido pela PRF a plena luz do dia, em câmara de gás improvisada na traseira de uma viatura
(Imagem: Reprodução)

Racismo institucional: organizações que, mesmo indiretamente, beneficiam um grupo através de privilégios e vantagens, enquanto prejudicam outro com base na raça.

Marcos Morcego

Com Marcos Morcego, do podcast Caverna do Morcego, inauguramos o “Sem Mordaça Academia”. Ele tem 21 anos, é estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, militante que apresenta, lê e discute teorias que dialogam com a luta e a prática socialista nas redes sociais.

– Marcos Morcego –

Mas a discussão acerca da institucionalidade ultrapassa a questão da individualidade e se infiltra no debate sobre a Estrutura Social, ou seja, necessariamente devemos ao menos citar as especificidades do capitalismo. Nos referimos a uma estrutura que se baseia na exploração, na opressão, e também na extração de mais-valor, valendo-se do racismo enraizado, para identificar grupos que serão explorados e oprimidos para aumentar cada vez mais a acumulação do capital. 

Dando um pequeno passo atrás entendemos que, na fase de acumulação primitiva do capital, o modo de produção escravista foi base e ajudou na adaptação do modo de produção capitalista, como pode ser visto em Clóvis Moura e Jacob Gorender (MOURA, 2020; GORENDER, 2016).

Ainda assim, não podemos nos prender em uma abstração, afinal,

“é preciso compreender que as sociedades, no plural, são históricas e determinadas pelos seus modos de produção.” (MASCARO, 2022, p. 100)

ou ainda que

“processos e fenômenos sociais existem e podem ser entendidos apenas em seu contexto histórico” (FINE E SAAD FILHO, 2021, p. 23 e 28).

Antes de entendermos a ligação entre a estrutura e as instituições, precisamos ter uma noção de que elas são “modos de orientação, rotinização e coordenação de comportamentos que tanto orientam a ação social como a torna normalmente possível, proporcionando relativa estabilidade aos sistemas sociais” (HIRSCH, 2017, p. 26 apud ALMEIDA, 2020, p. 38).

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Portanto, agora, sabemos que as formas sociais – como Estado, mercadoria, sujeito – é que irão dar materialidade necessária às instituições. Neste ponto, entendemos a dimensão do Estado com a formação das instituições. Se o Estado e a sociedade são capitalistas, é óbvio que as instituições buscam manter tanto a reprodução do capital, quanto a acumulação por parte da classe dominante, bem como  a dimensão ideológica, com a manutenção do status quo e a garantia de dominância em todos os campos.

Na prisão, uma estratégia

Todos conflitos e contradições do modo de produção e das relações sociais de produção vão ser carregados por essas instituições. Se o racismo estrutura as instituições, logo, elas também vão carregar esse racismo. 

Isso se torna algo mais observável quando buscamos entender o caráter histórico delas, como a prisão que surge como solução pós abolição da escravatura e que, nos Estados Unidos, é inundada por pessoas negras, apesar de elas representarem uma pequena parte da população. 

Presídio superlotado (Imagem: EBC)
Presídio em péssimas condições e superlotação. (Imagem: EBC)

Para piorar, muitas das imposições que eram feitas aos escravizados atingiam  as mulheres, as pessoas negras e outros grupos de emigrados subalternos naquela sociedade, tudo em nome do acúmulo de capital e da dominação (DAVIS, 2020).

Medo negro

Trazendo para elementos próximos da nossa realidade, da minha realidade, toda a complexidade ideológica vai – durante séculos pelos jornais e há décadas pela tv -, só para listar dois exemplos, colocar as pessoas negras como “indivíduos pelos quais se deve nutrir medo”, permitindo que essas pessoas se tornem alvos. 

Temos então um sistema de justiça que, aqui, é utilizado para demonstrar melhor o caráter racista das instituições. Um sistema de justiça que busca na punição a resolução. Ou melhor, busca manter o problema para garantir a reprodução da sociabilidade capitalista.

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Direito capitalista vai ter a função de proteger os bens, o patrimônio, e  defender a burguesia, enquanto mantém o controle sobre os corpos, sobre o trabalho, sobre o tempo, sobre o espaço e sobre a vida dos grupos subalternos (BORGES, 2019).

Defeito de origem

Temos elementos que demonstram a grande falha institucional, que é também uma falha estrutural. Um modo de produção que necessita do racismo, um Estado forjado em cima do racismo, como forma de desenvolvimento, só poderia resultar no que temos: “das mulheres encarceradas, 68% são negras, e três em cada dez não tiveram julgamento” (BORGES, 2019, p. 94).

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Como é possível que esse seja nosso sistema penal?

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Vamos para algo mais “brando” e, talvez, pouco discutido, que é a inserção de pessoas negras no mercado de trabalho, em matéria ao Nexo Jornal, Marcelo Roucibek apresenta os dados do IBGE, em que mesmo representando mais de 50% da população em 2018, as pessoas autodenominadas negras representavam mais de 60% das pessoas desempregadas fato que não começa agora, mas atravessa toda a história de exclusão das pessoas não brancas durante a formação do que alguns chamam de democracia (FERNANDES, 1972).

Para encerrar,  dois exemplos dos mais brutais, um é a ação da polícia civil do Rio de Janeiro, na chacina da favela do Jacarezinho, também conhecida como “massacre do Jacarezinho”, de 6 de maio de 2021, que resultou em, pelo menos, 29 pessoas mortas a tiros ou com objetos cortantes.

Outro é o da  madrugada do dia 22 de janeiro de 2012, quando 2.000 soldados da Polícia Militar, auxiliados pela Guarda Civil Metropolitana de São José dos Campos, no interior de São Paulo, armados com revólveres, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, com fuzis municiados com balas de borracha e sprays de pimenta atacaram violentamente os moradores da comunidade do  do Pinheirinho.

Policiais da Core destroem monumento em homenagem aos 28 mortos na chacina do Jacarezinho. (Imagem: Reprodução)
Policiais da Core destroem monumento em homenagem aos 28 mortos na chacina do Jacarezinho. (Imagem: Reprodução)

Era apenas uma operação de reintegração de posse, mas os soldados da PM contavam, ainda, com o apoio de 220 viaturas, 40 cães, cem cavalos, dois helicópteros Águia e carros blindados”. A ação foi um massacre! 

Os dois casos atestam que massacres comandados por instituições policiais, em aliança com seus governos, são uma política de Estado. Em outras palavras, é  preciso ter em mente a dimensão das relações sociais de produção e como as instituições ajudam na reprodução da exploração e da opressão.

O entendimento das instituições como perpetuadoras do racismo não tira as responsabilidades individuais de racistas, mantém a atenção ao modo de produção capitalista e permite escolher formas concretas para nosso avanço. 

 

A luta contra o racismo institucional  há de prosperar se unida à busca por uma nova economia e visões alternativas de organização.

“Não pensamos em combater fogo com fogo, pensamos em combater fogo com água.  Vamos combater racismo, não com racismo, mas vamos combatê-lo com solidariedade. Não vamos combater o capitalismo com capitalismo negro, mas vamos combatê-lo com socialismo.”  (Fred Hampton)

Marcos Morcego também indica dois vídeos:

  1. do Chavoso, que aborda a questão de jornais policiais, DA USP. YouTube, 23 de ago. de 2020.

2. do ativista revolucionário afro-americano Fred Hamptom, marxista-leninista, presidente da filial de Illinois do Partido dos Panteras Negras.

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Fontes:

MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Expressão Popular, 2020.

GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Expressão Popular, Fundação Perseu Abramo, 2016.

MASCARO, Alysson Leandro. Sociologia do direito. São Paulo: Atlas, 2022.

FINE, Bem; Saad Filho, Alfredo. “O Capital” de Marx. São Paulo: Contracorrente, 2021.

HIRSCH, Joachim. Forma política, instituições políticas e Estado – I. Crítica Marxista, n. 24, 2007. p. 26.Disponível em: <artigo212artigo1.pdf (unicamp.br)>.

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020.

DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? trad. Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel, 2020.

BORGES, Juliana. Encarceramento em massa. São Paulo: Sueli Caneiro; Pólen, 2019.

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão européria do livro, 1972.

 

Publlicado em maio de 2022

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