Uma mulher que não seguia os padrões sócio raciais do século passado nem os de hoje, que ocupou uma das carteiras da faculdade de medicina do país no ano de 1904.
O que este artigo responde: Maria Odília Teixeira nasceu durante o período escravocrata no Brasil? Qual é o pioneirismo de Maria Odília Teixeira? Como Maria Odília Teixeira se tornou a primeira médica negra do país em 1909? Qual é a importância de Maria Odília Teixeira para a ciência? Quem foi Maria Odília Teixeira? Como Maria Odília Teixeira enfrentou o racismo e o sexismo em sua carreira? Quais foram os desafios enfrentados por Maria Odília Teixeira ao ingressar na Faculdade de Medicina da Bahia?
– por Beth Brusco
Se hoje ter uma médica preta em hospitais e clínicas ainda é incomum, imagine quando Maria Odília Teixeira se forma, em 1909! E ela vai além: cinco anos depois, se torna a primeira professora preta, na mesma instituição, onde ministra aulas de Clínica Obstétrica, e ousa ainda mais quando se dedica, por meio de estudos, a contestar o racismo científico.
Maria Odília nasce em 1884 – antes da Abolição – e, aos 13 anos, deixa a cidade natal de Cachoeira, na Bahia, e vai para a capital, onde estuda no Ginásio da Bahia, a serviço da elite, dos homens brancos da capital baiana. E sai de lá com o diploma de bacharel em ciências e letras – formação para quem, na época, seguiria a carreira no magistério.
Neta de uma ex-escravizada, filha José Pereira Teixeira, homem branco, médico, bon-vivant, oriundo de tradicional família baiana bon-vivant, respeitado na cidade, e de Josephina Luiza Palma, mulher preta, Maria Odília enfrenta um sistema social forjado na escravidão e uma medicina racista para se tornar uma das médicas mais importantes do Recôncavo Baiano.
Pioneiríssima!!!
Em 1904, quando ingressa na Faculdade de Medicina da Bahia, é a única mulher – e preta – entre os 48 alunos, um padrão que se repete com todas as mulheres que ingressam naquela instituição até os anos 1920.
Cem anos depois, o levantamento Demografia Médica do Brasil, publicado em 2020, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Universidade de São Paulo (USP), mostra que apenas 3,4% dos concluintes de medicina em 2019 se autodeclararam da cor ou raça preta, 24,3% se declararam pardos e 67,1% se declararam brancos.
Dados recentes do estudo também apontam um leve aumento no número de estudantes negros no curso de medicina no Brasil, em comparação a períodos anteriores: em 2019, o percentual chegou a 27,7%, conttra 26,1% em 2016, e 23,6% em 2013.
Supremacia banca?!?!?
Desmistificar teorias embasadas no racismo científico é outra das contribuições da nossa pioneira. A médica dedicou parte de sua vida a estudos e dissertações científicas para desconstruir a ideia de supremacia branca como base na ciência e confrontar pensamentos e métodos científicos para justificar o preconceito e a hierarquização das raças.
Nos últimos anos como aluna de medicina, Maria Odília desenvolve a tese “Algumas considerações acerca da curabilidade e do tratamento das Cirroses Alcoólicas”, tema pouco explorado por mulheres médicas e seu estudo é considerado pioneiro, principalmente por não ter sido fundamentado no racismo científico.
“No século 18, a justificativa religiosa para as diferenças das pessoas perde força. No entanto, seguem as investigações para entender as razões pelas quais as pessoas têm características distintas. Até o século 19, os cientistas se voltavam para a genética a fim de justificar a diversidade entre as pessoas e porque algumas raças merecem e podem ser escravizadas, ter trabalho forçado e ficar tudo bem”, explica a socióloga Letícia Ferreira Netto, em entrevista ao site Uol, daí o estudo de Maria Odília ser considerado pioneiro na época.
Herança ancestral
Maria Odília morre em 1970, aos 86 anos, mas deixa uma herança ancestral gigante de resistência, vanguarda e ensinamentos que, não demora, será mais conhecida.
Um documentário investigativo cujo título provisório é “Maria Odília: quem é essa mulher?” vai desvelar a história de vida da primeira médica do Brasil.
A produção ainda não tem data prevista para o lançamento. A cineasta Mariana Jaspe promete holofotes para contrapor-se ao apagamento da sua trajetória na história oficial, misturando passado e presente na busca por Maria Odília, uma mulher ambígua, pioneira e que rompeu barreiras.
“O filme nasce de um encontro muito representativo sobre o que é o Brasil. Mayara dos Santos, hoje historiadora, era estagiária da biblioteca da Faculdade de Medicina da Bahia. Lá, ela se deparou com uma exposição sobre as proeminentes ex-alunas da casa. Exposto ao lado de pomposas mulheres brancas, estava o retrato desbotado de Maria Odília, no alto dos seus 20 anos. A foto datava 1904, mas, 110 anos depois, ninguém na escola de medicina mais antiga do Brasil sabia ao certo quem era aquela mulher“, conta Mariana Jaspe, que assina roteiro e direção.
E segue historiando: “Desafiada pelo mistério, e estupefata com o descaso, Mayara partiu rumo ao passado em uma profunda pesquisa que – pela primeira vez – jogou luz sobre Odília, uma mulher que não seguia os padrões sócio-raciais do século passado nem os de hoje. Nosso filme é sobre essa busca e esse encontro. Em tempos paralelos, Mayara vai descortinar a história de Maria Odília, que surpreende a cada descoberta”.
No auge do sucesso, fez o inesperado ao abandonar a carreira para se dedicar à família, ocupando um lugar como importante membro da alta sociedade – que sempre rejeitou pessoas como ela.
Maria Odília dominava o francês, o grego e o latim.
Fontes: Vida Brasil Texas, Uol, Istoé, Mundo Negro, Folha de Pernambuco, Hypeness
Abril 2023