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Juliano Moreira, o pai da psiquiatria no Brasil

Ele é o número 1, pioneiro na luta contra o racismo científico – que apostava no mito da superioridade racial – e a discriminação contra os doentes mentais, Juliano Moreira é personalidade singular na história da psiquiatria brasileira. Nascido em Salvador, Bahia, em 1872, construiu uma trajetória de resiliência e inovação, marcada por uma profunda humanização no tratamento psiquiátrico. Enfrentou a discriminação dos que não aceitavam dividir o espaço acadêmico com um profissional negro e mudou a psiquiatria!

O que este artigo responde

Quem foi Juliano Moreira?

Quais as principais contribuições de Juliano Moreira para a psiquiatria brasileira?

Como Juliano Moreira enfrentou o racismo científico?

Por que Juliano Moreira é conhecido como “Pai da Psiquiatria”?

Qual foi o impacto das reformas de Juliano Moreira no tratamento dos doentes mentais?

Qual é o legado de Juliano Moreira?

Qual a relação entre Juliano Moreira e João Cândido, líder da Revolta da Chibata?

Tania Regina Pinto

Muitas das histórias de negros pioneiros incluem uma relação interracial e um padrinho de posses e conhecimentos. A história do primeiro negro psiquiatra do Brasil, que confrontou o racismo científico, não começa diferente.

Juliano Moreira nasce baiano, na capital Salvador, 16 anos antes de ser abolida a escravidão, no dia 6 de janeiro de 1872. Filho do português Manoel do Carmo Moreira Júnior, inspetor da iluminação pública, e de Galdina Joaquina do Amaral, empregada doméstica, tem como padrinho, o patrão da mãe,  Luiz Adriano Alves de Lima Gordilho, o Barão de Itapuã.

Conceituado médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia,  o padrinho-barão foi quem patrocinou os estudos de Juliano no Colégio Pedro II, no Liceu Provincial de Salvador e na Faculdade de Medicina da Bahia.

Em 1886, aos 13 anos, Juliano já cursa Medicina e, no quinto ano, já é um dos internos na Clínica Dermatológica e Sifiográfica. Sua formatura acontece em 1891, aos 19 anos, com a tese Sífilis Malígna Precoce.

A jornada de um desbravador

Mas não basta ter bom de padrinho. Além de pioneiro, Juliano rompe preconceitos da época em que vive – negro e pobre, enfrenta o racismo dos que não aceitavam dividir o espaço acadêmico com ele – nem o ambiente profissional.

Seu primeiro emprego, como médico,  é na Santa Casa – admitido em 19 de setembro de 1894, por concurso, como preparador de anatomia  médico-cirúrgica. O primeiro emprego como professor é na mesma Faculdade de Medicina onde se formou em 1896, como primeiro da classe , com nota máxima,  no concurso para auxiliar de ensino da cadeira de Moléstias Nervosas e Mentais, com uma tese sobre envenenamento por arsênio. Mas com vinte e poucos anos, ele queria muito mais.

Estudou inglês, francês, italiano e alemão e especializou-se com cursos e estágios em vários países europeus – Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Bélgica , Holanda, Suíça e Escócia. Assim, conquista o cargo de diretor do Hospício Nacional de Alienados (1903-1930), na então capital federal, no  Rio de Janeiro, o primeiro Hospício do Brasil, onde promove uma revolução estrutural, sanitária e ética.

Pai da Psiquiatria

Dr. Juliano, como era conhecido, aboliu o uso de coletes, grades e camisas-de-força no Hospital dos Alienados – uma atitude revolucionária, uma ousadia, que provocou uma mudança da visão que a sociedade tinha em  relação aos doentes mentais.

Daí ser comum atribuir-se a ele a “paternidade” da psiquiatria no Brasil.

Juliano Moreira deixa, como legado – hoje quase perdido, de novo –  a visão social de que pessoas portadoras de problemas mentais são seres humanos que devem ser  tratados como doentes e , não, como anormais.

A consequência de todo seu trabalho é a humanização dos manicômios.

Detalhes

Além da formulação de propostas e novos modelos assistenciais psiquiátricos, Juliano Moreira deixa como marca de sua história a criação da lei geral de Assistência a Alienados, sancionada  em 22 de dezembro de 1903; a criação de laboratórios dentro dos hospitais e a introdução da técnica de punção lombar para o diagnóstico neurológico (1906).

Outra inovação é a implantação de oficinas artísticas e de trabalho para a recuperação dos pacientes. Entre elas, oficinas de o ferreiro, bombeiro, mecânica elétrica, carpintaria, marcenaria e tipografia. E , ainda, a inauguração de uma biblioteca com obras clássicas antigas e modernas francesas, inglesas, alemãs e italianas.

Hospital Nacional dos Alienados

Durante seus 27 anos de trabalho como diretor do Hospício Nacional dos Alienados, Juliano Moreira acabou com o aprisionamento dos pacientes, mudou a estrutura física e estabeleceu novos modelos assistenciais, criando, inclusive, enfermaria infantil.

Registros fotográficos mostram nitidamente leitos limpos, claros e com um aspecto digno, deixando de lado a visão sombria de masmorras com grades, correntes e maus tratos de épocas anteriores.

Racismo científico

Um de seus pacientes, no período em que esteve à frente do hospital, foi João Cândido, líder da Revolta da Chibata, com diagnóstico de  “psicose de exaustão”. Na época, o psiquiatra pioneiro defendeu a ideia de que a origem das doenças mentais se devia a fatores físicos e situacionais, como a falta de higiene e falta de acesso à educação, contrariando o pensamento racista, em voga no meio acadêmico, que atribuía os problemas psicológicos da população brasileira à miscigenação.

No campo da antropologia, esta a principal contribuição de Juliano Moreira, com a  exclusão da hipótese de que doenças ligadas à saúde mental estão atreladas à cor do povo preto.

Outros pioneirismos

O nº 1 da psiquiatria destaca-se  na área da dermatologia, como o primeiro pesquisador a identificar a leishmaniose cutâneo-mucosa  e na busca por provar que a questão racial não motivava essa doença.

Ele é também o primeiro cientista a descrever a Hydroa vaciniforme – uma fotodermatose rara -, com publicação no Britsh Journal of Dermatology.  É seu, ainda, o pioneirismo no uso do microscópio para estudo do Micetoma. Isso sem contar que o dr. Juliano é o primeiro a efetuar uma punção lombar na Bahia, para estudo do líquido cefalorraquidiano dos doentes de sífilis e lepra.

De sua autoria – vale destacar -,  a criação do Manicômio Judiciário, em 1911.

E seu currículo segue, extenso…

Fundou a Sociedade de Medicina e Cirurgia da Bahia, a Sociedade de Medicina Legal da Bahia e a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins.

Membro da Diretoria da Academia Brasileira de Ciências, entre 1917 e 1929, ocupou a Presidência no último triênio.

Das diversas sociedades médicas das quais era membro, destaque-se a Anthropologische Gesellschaft, de Munique; a Societé de Medicine, em Paris, e a Medico-legal Society, em Nova Iorque. E, fora do Brasil, representou o país em congressos internacionais em Paris, Berlim, Lisboa, Milão, Amsterdã, Londres e  Bruxelas.

A morte

Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira

Portador de tuberculose, Juliano Moreira esteve internado em um sanatório no Cairo, Egito, onde conheceu a enfermeira alemã Augusta Peick, com quem se casou. A mesma tuberculose o levou a internar-se no Sanatório de Correias, na serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde morreu, aos 61 anos, no dia 2 de maio de 1933.

Em sua homenagem, o Governo da Bahia criou, na cidade de Salvador, o Memorial Juliano Moreira, que é um setor do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, construído em 1936.

Leia também as histórias do psicanalista Virginia Leone e da oncologista Jane Cooke Wright.

Fontes: El Pais, Wikipedia, Escola Nacional de Saúde Pública, BBC

Atualizado em maio de 2024

6 comentários em “Juliano Moreira, o pai da psiquiatria no Brasil”

  1. oaguiarfilho@hotmail.com

    O pionerismo está no seu DNA, Primeiros Negros poderá representar uma
    lanterna numa caverna do Petar: uma descoberta surpreendente e de grande
    dimensão.

  2. Pingback: Educar africano

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