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Abayomi, a boneca dos navios negreiros

Um romance, uma história ou uma verdade?! Conta-se que ela foi criada por mães africanas nos navios negreiros para consolar seus filhos. Na vida real, entretanto, mais que um objeto infantil, abayomi é símbolo de resistência, amor e ancestralidade.

– Primeiros Negros

Boneca Abayomi
(Imagem: Siomara | Feitos Perfeitos)

Produzida pelas mulheres, a partir das próprias vestes, abayomis distraíam as crianças sequestradas, em África, para a escravidão no Brasil.

Isso, pelo menos, é o que se conta… E é uma história bonita em meio à crueldade e à violência da escravização negra.

A palavra abayomi significa “encontro precioso” em yorubá, idioma original da Nigéria, o país mais populoso de África, na região Ocidental do continente…

abay = encontro e omi = precioso

O fato inquestionável é que nada precioso esperava os pequenos “tripulantes” dos navios negreiros – chamados tumbeiros -,  que atravessavam o oceano Atlântico a caminho do Brasil. E imaginando a dor dos nossos antepassados, de todas as idades, acalma o coração imaginar que as crianças choravam e as mães rasgavam retalhos de suas saias e criavam pequenas bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como amuleto de proteção.

Assim elas acalentavam seus filhos e filhas, continham as lágrimas dos menores, e transformaram, mesmo sem saber, as bonecas em símbolo de resistência.

Há quem duvide que as abayomis são as primeiras bonecas africanas a chegarem ao Brasil.

História única?

Com o título “Bonecas Abayomi: o perigo de contar uma história hegemônica”, o Portal Lunetas, por exemplo, propõe que se revisite tal história “como forma de combater a dominação do colonialismo acondicionada em discursos únicos”.

A explicação é simples: quem criou a boneca foi a artesã de São Luís do Maranhão Waldilena “Lena” Serra Martins, no final dos anos 1980, uma época em que os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS) estavam em plena expansão.

Mas a boneca ganhou fama, forma e história no Rio de Janeiro, mais especificamente na zona oeste, no Ciep Luiz Carlos Prestes, localizado na Cidade de Deus, onde Lena atuava como coordenadora de animação cultural.

Ela era ativista do Movimento de Mulheres Negras e desenvolveu a técnica para a criação das abayomis, como um instrumento de  conscientização e sociabilização que, com o tempo, transformou-se (e foi comercializada) em “símbolo de resistência” da cultura negra em diáspora.

Mas este, com certeza, é só mais um olhar para a origem da boneca. O fato de não existir registro histórico que associe as abayomis ao período colonial não pode nem deve ser suficiente para que se descarte a sua existência nos navios negreiros ou a sua importância para o imaginário das crianças negras.

O fato – que sempre pode ser questionado – é que a boneca abayomi se tornou maior que quem a criou e/ou resgatou, a artesã Lena Martins. Ganhou vida própria, uma lenda não prevista quando de sua produção.

Mais que um brinquedo

A boneca africana – ou afro-brasileira – não é simplesmente um brinquedo. Tem história, ancestralidade. Guarda cultura. Sua história se confunde com os mitos africanos, muitos deles apropriados pela chamada “bíblia sagrada”…

De acordo com a tradição, era produzida para representar pessoas falecidas e entes queridos. Utilizada também para agradecer aos deuses, os orixás, pela boa saúde, riqueza, beleza, colheitas fartas e fertilidade.

Bonecas Abayomi
Casal de bonecos Abayomi (Imagem: Siomara | Feitos Perfeitos)

Servia de bom agouro às grávidas e às crianças – se meninos, com rosto achatado e oval; se meninas, com rosto quase retangular.

Quando uma Abayomi é dada de presente, o gesto significa a doação do melhor do melhor de nós.

Diz a lenda…

No item beleza, a explicação se encontra em uma lenda do poderoso povo ashanti, militarista e altamente disciplinado da África Ocidental que, no auge do Império Mali, enriqueceu com o comércio de ouro extraído do seu território.

Há muitos anos, uma mulher grávida esculpiu e aprimorou uma linda estatueta de madeira e trouxe-a consigo, durante meses, até dar à luz uma menina belíssima, semelhante à estatueta que havia esculpido.

Desde então, todas as mulheres grávidas andam com uma estatueta às costas, com  formas anatômicas “perfeitas” – de acordo com os padrões de cultura local -, apostando influenciar na estrutura física da criança que vai nascer.

As abayomis representam uma vertente desta tradição.

Encontro precioso

Inseridas em um contexto de luta por liberdade, quando confeccionadas, em qualquer espaço, devem levar a reflexões acerca das desigualdades e sobre a riqueza da cultura africana.

Confeccionar bonecas que tenham história é proporcionar um “encontro precioso” com as diferentes formas de ser e estar no mundo.

Bonecas Abayomi
Imagem: Reprodução

Duas tiras, seis nozinhos. Cada nó, um desejo. Sem linha nem agulha.

Em cada ponta da tira mais comprida se faz um nó, as pernas e pés. Depois dobra-se a tira ao meio e se faz um terceiro nó, a cabeça.

Com a tira menor se faz os braços – um nó em cada ponta.

Então, se amarra a tira mais curta logo abaixo do nó da cabeça.

Depois, coloca uma roupa, e faz de conta que tem olho, nariz e boca – a não demarcação destas marcas faciais favorecem reconhecimento das múltiplas etnias africanas, a nossa essência igual.

Abayomis são pretinhas e adoram roupinhas estampadas.

Abayomi, passo-a-passo

Jornada das abayomis

As abayomis surgem – ou ressurgem -, não por acaso, às vésperas dos 100 anos da assinatura da lei que extinguiu oficial e toscamente a escravização no Brasil.

A ideia se espalha pelos quatro cantos do país e é criada a Cooperativa Abayomi no Rio de Janeiro, como plataforma fundamental para o fortalecimento da autoestima e reconhecimento da identidade afro-brasileira. Isso é um fato.

Abayomi
Imagem: Reprodução/Universidade do Estado do Pará

E elas, as abayomis, têm servido a inúmeras mobilizações sociais na defesa da vida e contra o feminicídio, a violência, o racismo, o sexismo…

África

Importante, no entanto, cuidar de contar a história da África, um continente formado por 55 países, com riquezas como diamante, ouro, platina, cromo, antimônio entre outros; repleto de histórias de reinos poderosos, reis, rainhas, e muito mais, histórias distantes dos livros didáticos, proporcionando às crianças negras a oportunidade de desenvolver uma identidade positiva.

Existem vários pioneirismos nesta história-lenda-romance-verdade-mito… E este é e será sempre o desafio do primeirosnegros.com: narrar os fatos, fazer pensar, mostrar nuances e indicar fontes.

Leia as edições Sankofa, a África que habita em nós e Voltar a vir a ser


Fontes: UFSC, Portal Morada, EBC, Portal Lunetas, Wikipedia

escrito em junho de 2021, atualizado em fevereiro de 2024

14 comentários em “Abayomi, a boneca dos navios negreiros”

  1. Pingback: Mancala, a primeira família de jogos de tabuleiro • Primeiros Negros

  2. Esta primeira foto que está em preto e branco também é minha (Feitos Perfeitos) assim como o casal de abayomis, peço a gentileza de arrumar os créditos.
    Caso queira a foto colorida para trocar na postagem é só me chamar que te envio
    Siomara
    @feitosperfeitos

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    Estou muito feliz por ter encontrado esta preciosidade de detalhes, conhecimento e coerência.
    Parabéns pela completude que deu ao meu entendimento sobre esta boneca.
    Grata!

  6. A lenda sobre a boneca ter sido feita n navio n e verdadeira…n existe fato historico sobre isso…quem criou a boneca foi um mulher negra artesa do maranhao….a criacao e dela….e os creditos deveriam ser dela…ou colocar n texto algo q prove q a historia do navio e verdadeira.. ate pq muitos vinham nus nos navios…

  7. Nossa eu amei ler este artigo, já tinha lido uma vez mas tinha perdido o endereço.
    Demorou para eu encontrar novamente mas graças a Deus conseguir.

  8. As Abayomis foram criadas por uma artista maranhense radicada no Rio de Janeiro: Lena Martins…são inspirada em bonecas africanas, mas não foram trazidas em navios negreiros…nem teria como isto acontecer naquela época….

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