Pretinho, magrelo, gentil, sorridente, poliglota, adido cultural, quem leva o atletismo do Brasil ao topo do pódio, fenômeno olímpico, com mais de 40 títulos internacionais, o primeiro a quebrar a barreira dos 16m no salto triplo.

O público, estimado em 70 mil pessoas, que lota o Estádio de Helsinque, na Finlândia, nos Jogos de 1952, aplaude calorosamente, gritando “Da Silva, Da Silva”.
O fato? Adhemar Ferreira da Silva acaba de conquistar a Medalha de Ouro do Salto Triplo, depois de quebrar o recorde da modalidade quatro vezes naquela tarde!
Sim. Nos Jogos Olímpicos de Helsinque, Adhemar Ferreira da Silva, aos 25 anos, dá um show. Dá seis saltos e supera-se em quatro – na final, o recorde mundial é seu! A melhor marca é de 16,22 m, 24 cm a frente do soviético Leonid Shcherbakov.
Em agradecimento às palmas, Adhemar Ferreira da Silva corre em torno do gramado acenando para as arquibancadas.
Assim, inaugura um novo costume: a volta olímpica.
Mais que isso: leva o atletismo do Brasil ao topo do pódio pela primeira vez.
Depois de Adhemar Ferreira da Silva, atletas vencedores em todos os Jogos passam a repetir o seu gesto. Ele mesmo, aliás, quatro anos depois, em Melbourne, repete o seu feito ao conquistar outra Medalha de Ouro.
Carreira vitoriosa
Um dia, ele vê alguém treinando salto triplo, prova que desconhece. Curioso, pede explicações. Experimenta uma, duas vezes. Chega a 12,80m. Três dias depois, participa de sua primeira competição – São Paulo x Floresta (que se torna Clube Espéria), marca 13,05 m. Ali, nasce, para o mundo, um fenômeno do atletismo.
Logo é selecionado para integrar a equipe brasileira nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. Na capital inglesa, conquista o quatro lugar nas eliminatórias com 14,69 m. Mas, na final, sua marca é 20 cm abaixo e ele termina a prova de salto triplo na oitava colocação.
Dois anos depois, em dezembro de 1950, iguala o recorde mundial de salto triplo de 16,00 m, estabelecido pelo japonês Naoto Tajima em Berlim-1936 e conquista o ouro nos Jogos Pan-americanos de 1951.

O nº 1
Ele é o primeiro bicampeão olímpico brasileiro, primeiro atleta sul-americano bicampeão olímpico em eventos individuais, recordista mundial do salto triplo sete vezes, pentacampeão sul-americano, tricampeão pan-americano e dez vezes campeão pelo Brasil, mais de 40 títulos internacionais conquistados, primeiro atleta a quebrar a barreira dos 16m no salto triplo. É ele quem leva ao topo do pódio o atletismo do Brasil.
Ao todo, Adhemar Ferreira da Silva disputa quatro edições dos Jogos Olímpicos, entre Londres 1948 e Roma 1960, quando, por conta de uma tuberculose, perde a chance da terceira medalha dourada. Mesmo assim, é o porta-bandeira da delegação nacional na cerimônia de abertura dos Jogos e sai de cena aplaudido por todo os seus feitos.
“O jeito não é Jânio”
O slogan de Jânio Quadros em uma de suas campanhas para a Prefeitura de São Paulo era “O jeito é Jânio”. Mas com Adhemar Ferreira da Silva, o atleta, não funcionou.
Em 1953, quando suas sapatilhas já haviam garantido o primeiro ouro para o Brasil, o campeão trabalhava para a Prefeitura de São Paulo – conseguia treinar só na sua hora de almoço.
Diante de uma importante competição no Chile, da qual iria participar, foi conversar com o prefeito sobre a necessidade de ausentar-se por 30 dias. O prefeito entendeu, aceitou – a princípio. Só que ao voltar da viagem, Adhemar descobriu que não! Os dias em que esteve competindo pelo Brasil foram descontados do salário com uma justificativa: “a repartição não era lugar de vagabundos”.
E esta era a vida de atletas olímpicos trabalhadores…
Sem dinheiro
Nos anos 1940, 1950, em que a estrela de Adhemar Ferreira da Silva brilha nos esportes, era proibido ao atleta receber qualquer dinheiro nem mesmo vale-transporte, vale-refeição ou qualquer tipo de auxílio. O regulamento olímpico não deixa dúvidas: qualquer ajuda financeira caracteriza vínculo profissional, o que não é aceitável. Quer dizer, não era.
Em depoimento ao Museu da Pessoa, Adhemar Ferreira da Silva conta que, quando chegou de Helsinque, encontrou sua mãe em lágrimas, com um sorriso no rosto, toda feliz, dizendo que iríamos ganhar uma casa do jornal Gazeta Esportiva, como prêmio pela vitória. E ele teve de explicar que não poderiam aceitar o presente, por causa do regulamento do esporte amador, que se aceitássemos, eu seria considerado profissional e não poderia mais participar das competições e teria que devolver a medalha de ouro.
Resumindo: Adhemar trabalhava pela manhã, trabalhava à tarde, estudava à noite, treinava em hora de almoço e era demitido do emprego por fazer o Brasil brilhar no mundo.
Sua última conquista internacional é o tricampeonato do salto triplo nos Jogos Pan-Americanos de 1959.
Fora das pistas
Aposentado das pistas de Atletismo, Adhemar se dedica aos estudos: faz quatro cursos universitários – Relações Públicas, Educação Física, Direito e Comunicação Social – e torna-se poliglota, dominando seis idiomas: inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e português.

Trabalha como adido cultural na embaixada do Brasil em Lagos, Nigéria, entre 1964 e 1967, e atua como ator na peça “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes, e no filme “Orfeu Negro”, em 1959, uma produção franco-italiana, que obtém grande destaque e vence o Oscar de melhor filme estrangeiro e a Palma de Ouro no Festival de Cannes. .
Filho único de Antônio Ferreira da Silva, ferroviário da estrada de ferro Sorocabana, carregador de sacos na Barra Funda, e Augusta Nóbrega da Silva, doméstica, lavadeira, cozinheira, passadeira, costureira, lavadeira, enfim, tudo aquilo que uma pessoa humilde faz para viver, Adhemar Ferreira da Silva nasce em 29 de setembro de 1927 num porão da rua Casa Verde, na zona norte da capital paulista.
Sobre seus avós – ele conta em depoimento ao Museu da Pessoa -, sabe “apenas por citação”, que o avô era africano, de uma linhagem tradicional do Congo… “ele era um rei, e eu sou um príncipe…”
Desde criança, acostuma-se a cuidar da casa quando os pais saem para trabalhar, o que inclui: lavar, passar e cozinhar, inclusive para o pai, que almoçava em casa.
Adulto, constitui família e tem dois filhos, Junior e Adyel. Toda a família vive junto.
Morre, 12 de janeiro de 2001, após uma parada cardíaca, no mesmo bairro e cidade onde viveu a maior parte de seus 73 anos de vida
…
Fontes: Museu da Pessoa, Os divergentes, COB, Rede do Esporte, Olimpíada Todo dia
Escrito em 15 de julho de 2021. Atualizado em 26 de janeiro de 2025
cheguei a conhece-los nas reuniões do Panathlon Internacional de São Paulo. Um grande amigo…
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Sem dúvida o melhor , foi meu amigo e diretor da FPA qto eu era o presidente.1986 até 1990 .