A primeira vereadora trans e negra eleita de São Paulo, a mulher mais votada da cidade e de todo o Brasil em 2020, também é uma das 100 afrodescendentes mais influentes do mundo e a primeira mulher negra e trans a liderar uma bancada partidária na Câmara Federal.
por Beth Brusco

Ativista dos direitos dos negros e LGBTQIAP+, Erika Hilton se torna a militante mais proeminente pelos direitos trans em 2015, depois de uma empresa de transportes de viagem se recusar a deixá-la usar seu nome social.
Passados três anos, em 2018, lá está ela: candidata a co-deputada em mandato coletivo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Vitoriosa, não gosta da experiência de mandato conjunto com pautas diversas.
Chegam as Eleições Municipais de 2020 e, em carreira solo, concorre e é eleita a vereadora mais votada do Brasil, com mais de 50 mil votos.
Leia O País dos Paradoxos, um Sem Mordaça cara a cara com a nossa pioneira, na edição especial do programa #Provoca, da TV Cultura, em que comenta a tomada de poder em um espaço dominado por homens cisgêneros e brancos, de família, feminismo, prostituição de mulheres trans, religião, tudo atravessando seu corpo periférico, negro, pobre.
Do Brasil para o mundo
Maio de 2022. Erika Hilton conquista mais um pioneirismo: é a primeira parlamentar travesti a liderar a bancada municipal do PSOL em São Paulo, terceira maior da capital paulista.
E mais: instaura a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Contra Pessoas Trans e Travestis no país; preside, pelo segundo ano consecutivo, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo, e se candidata à deputada federal nas eleições de 2022.
Vitoriosa mais uma vez, Erika Hilton é a primeira congressista trans e negra da história do conservador estado de São Paulo e sua projeção ultrapassa divisas e fronteiras.

Érika Hilton está na categoria “Política e Governança”, ao lado de outras 24 pessoas de países como Nigéria, Estados Unidos, Gana, Austrália, México e Canadá.
No Uruguai, participa da Semana de Equidade Étnico-racial, organizada pela prefeitura de Montevidéu, recebe a honraria Visita Ilustre, se reúne com a Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras para discutir a conjuntura da América Latina e participa de atividades dos coletivos feministas, trans, movimento negro e canábicos no Sindicado de Artes Gráficas.
Uma reportagem da revista americana Times destaca sua história de vida, seus pioneirismos e o espaço que tem conquistado na política nacional em um momento em que a população LGBTQIAP+ tem sido vítima de muita violência.
Além de ser nacionalmente conhecida, em 2021 se fez presente na lista dos “100 afrodescendentes mais influentes”, prêmio apoiado pela Organização das Nações Unidas, que reúne negros de todo o mundo abaixo dos 40 anos.

A matéria cita números sobre assassinatos de mulheres trans e negras e se refere ao aumento do número de vítimas como reflexo da eleição em 2018 do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, que repetidamente faz comentários transfóbicos, homofóbicos e racistas.
Na entrevista, a parlamentar conta que seu modo de existir é resultado de ter crescido com mulheres muito fortes, em um bairro da classe trabalhadora na periferia da cidade; da violência e abandono sofridos na rua, onde viveu por seis anos e sobreviveu do trabalho sexual, após ser expulsa de casa aos 14 anos.
Parlamentar atuante
Atenta às questões que envolvem a bandeira que a elegeu e outras que impactam diretamente a sua luta, Erika Hilton, além de ter instaurado a primeira CPI para colocar em foco a violência contra pessoas trans e travestis e presidir a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, tem-se inteirado de ações de empresas que promovem a inclusão da população LGBTQIAP+ no ambiente de trabalho.
A partir deste ano, um milhão de reais de suas emendas parlamentares se destinam ao Fundo Municipal de Combate à Fome, projeto de sua autoria, aprovado por unanimidade, e que prevê que seus recursos sejam aplicados “única e exclusivamente em programas e ações de garantia à nutrição e à segurança alimentar”.

É de Érika Hilton, também, o projeto de lei que fundamentou a criação da lei que institui a inclusão de alunos trans na distribuição de absorventes, sancionada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Já está protocolada na Câmara outra ideia sua, que cria a campanha permanente de atendimento em saúde multilíngue às pessoas migrantes e refugiadas em São Paulo. O olhar é para reforçar a importância da capacitação dos servidores públicos de saúde também para o combate às discriminações xenofóbicas e racistas, que impedem o acesso à saúde integral.
Um monumento em homenagem à Carolina Maria de Jesus, no centro da cidade, no entorno da biblioteca Mário de Andrade, considerando o seu destaque como escritora, é outra iniciativa da parlamentar.
Ameaças
O poder parlamentar, entretanto, não tem blindado Erika Hilton da violência, das micro agressões e intimidações. Em 2022, ela denunciou ameaças de morte, com expressões de cunho transfóbico e racista, recebidas por e-mail. No ano passado, um homem, com uma bandeira e máscaras com símbolos religiosos, invadiu o seu gabinete.
A violência no Parlamento está obrigando não só Érika Hilton, mas outros parlamentares LGBTQIAP+, negros e negras, a reforçar a sgurança pessoal.
Érika Hilton nasce em 9 de dezembro de 1992, em Franco da Rocha, São Paulo e é pedagoga formada pela Universidade Federal de São Carlos.
Deputada Federal Pioneira
Em 2 de outubro de 2022, São Paulo elege a já pioneira Erika Hilton como a primeira deputada federal trans e negra da história do Brasil, a primeira a tomar assento na Câmara dos Deputados e no Congresso Nacional, a segunda mais votada de seu partido e entre os 10 primeiros candidatos ao cargo com mais de 255 mil votos.
E ela segue fazendo história ao ser escolhida, por unanimidade, em 21 de fevereiro de 2024 para o comando de uma bancada partidária no Congresso Nacional, a nova líder da bancada PSOL-REDE na Câmara dos Deputados. Com esta conquista, agora ela é a primeira mulher negra e trans a ocupar tal posição.

“Pela primeira vez na história uma mulher trans liderará uma bancada no Congresso e negociará de igual para igual com todos os líderes partidários, na defesa do projeto eleito em 2022 e na base do governo Lula”, declarou em suas redes sociais.
Como líder de seu partido, Erika Hilton tem assento garantido no colégio de líderes, órgão que discute e define a pauta de votações do Plenário. Além do assento, a deputada poderá dar orientações nas votações e exigir tempo de fala de liderança.
Presidente
No Carnaval 2025, a deputada federal transforma em “realidade” uma probabilidade percebida por muitos brasileiros. Destaque da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Sambódromo da Marques de Sapucaí, no Rio de Janeiro, ela aparece no alto de um carro alegórico e com a faixa presidencial, para transmitir a mensagem de que pessoas trans podem ser o que quiserem, inclusive presidente da República.
O enredo é a história de Xica Manicongo, a primeira mulher trans documentada no Brasil, e é ela quem a deputada Erika Hilton representa na avenida – uma surpresa para todos!
“Eu tô muito feliz …Eu sinto que a Tuiuti me deu um presente…. Me deu a oportunidade de entrar na Avenida da Sapucaí, uma das mais bonitas, importantes do carnaval brasileiro, levando no meu corpo, na minha voz, a história da minha ancestral. A história de uma mulher igual a mim. Uma mulher que foi trazida pra essas terras, escravizada, executada por ser ela quem ela é. Eu sigo bradando a voz de Xica Manicongo na institucionalidade. Eu sigo gritando e denunciando o corpo queimado de Xica Manicongo na fogueira.”
(declara a deputada ao GShow)
Xica
Xica Manicongo chega ao Brasil no período colonial, vinda da África como escravizada. Batizada como Francisco, tem seu nome e identidade apagados pela brutalidade do sistema escravista. Mesmo diante das dificuldades e da desumanização, mantém viva sua prática religiosa e encontra refúgio e apoio junto ao povo Tupinambá, na Bahia. Ali, compartilha saberes e experiências, cria laços de solidariedade e resistência cultural fundamentais para a preservação de sua identidade.
Em entrevista ao Diário do Rio, Erika Hilton fala da importância de representar a memória de Xica Manicongo, especialmente no contexto atual, onde as travestis e as comunidades LGBTQIA+ muitas vezes se veem marginalizadas:
“Xica segue viva em cada travesti deste país. Uma história de luta, de garra, de resistência, de perseverança, assim como o Carnaval. Poder pisar nessa Avenida levando a memória, a dor e a história de Xica Manicongo é algo que enche o nosso coração de esperança de que é possível construir um carnaval, uma sociedade e um espaço de cultura cada vez mais democrático, diverso, popular e, por que não, travesti. As travestis sempre fizeram o Carnaval e nunca tiveram a sua história contada.”
Leia mais no artigo sobre avanços e retrocessos nas Eleições 2022.
Escrito em 6 de outubro de 2022. Atualizado em fevereiro de 2024 e março de 2025
Fontes: Revista Fórum, Erika Hilton, Política Estadão, G1, Times, Gay Blog, Brasil de Fato, Diário do Rio, GShow
Escrito em 6 de outubro de 2022. Atualizado em fevereiro de 2024 e março de 2025