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Candidaturas e Mandatos Coletivos

“É nóis por nóis”, como diz o nosso artivista Emicida. E candidaturas e mandatos coletivos tratam exatamente disso. Juntos, juntas, misturados entre nós, somos mais fortes. Envolva-se no debate eleitoral, na escolha de nossos representantes políticos, nas reivindicações do povo preto. É a nossa vida que está em jogo.

Mandato coletivo "Pretas por Salvador (PSOL-BA)", Da esquerda para a direta: Gleide Davis, Laina Crisóstomo e Cleide Coutinho. (Imagem: Divulgação)
Mandato coletivo “Pretas por Salvador (PSOL-BA)”, Da esquerda para a direta: Gleide Davis, Laina Crisóstomo e Cleide Coutinho. (Imagem: Divulgação)

Nosso povo, fundamental para existência do Brasil que conhecemos hoje – incluindo o Brasil do agronegócio, das riquezas naturaisluta desde sempre para ser livre – sem mordaça, sem correntes, com direito à cidadania plena e a manter-se vivo, em corpo e alma.

Votar e ser votado, fazer-se representar, é algo que perseguimos desde sempre – os primeiros eleitos, muitas vezes, tiveram que ir à Justiça para poder exercer mandatos conquistados no voto.

Conheça a história do primeiro vereador quilombola Tintino, eleito em Santos, no litoral paulista, e de Monteiro Lopes, o primeiro deputado federal do Brasil, eleito no Rio de Janeiro, então capital da República.

É. Ainda citamos, uma a uma, as pessoas pretas que conquistaram cargos de e no poder… Isso porque tudo passa pelo econômico, pelos partidos, pelos velhos caciques da política. Um monte de gente branca com dinheiro. Tudo passa pelo privilégio da branquitude e a utilização do povo preto como massa de manobra em todas as pautas sociais.

Candidaturas coletivas têm sido uma alternativa para o povo negro, para as mulheres, para os movimentos sociais, para a população LBGTQIAP+… derrubarmos esta muralha.

Mais que isso: juntos, fortalecemos o processo democrático, ganhamos visibilidade, poder

A nosso favor, um fato: as leis são ineficientes por princípio. Tal constatação vale tanto para os legisladores eleitos como representantes do povo (?!) como para os que detém poder dentro dos partidos políticos.

Neste cenário de filme de terror – uma das consequências escancaradas é o genocídio do povo preto jovem pela polícia -, as candidaturas coletivas têm-se apresentado como uma alternativa de mudança real.

Pesquise antes de votar. Juntos somos mais fortes, somamos mais votos, pensamos melhor, conseguimos nos eleger, tomar o poder. Mais que isso: fortalecemos os movimentos sociais, o processo democrático, ganhamos visibilidade. Representatividade importa e muito.

Curva ascendente

O aumento do número de candidaturas coletivas para o Poder Legislativo é incontestável. Levantamento da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) registra: de sete, nas eleições de 2012 e 2014, para 98 em 2018. 

Pesquisa do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV) identificou que, nas eleições de 2020, 257 candidaturas coletivas concorreram. Em 2016, apenas 13 delas foram identificadas. 

As primeiras experiências no país, entretanto, são de 1995. E, no total, representam mais de 1,2 milhão de votos – contabiliza a Raps.

“É um processo de construção mais democrático” porque o mandato político não é o fim da luta, mas parte do processo para o fortalecimento da base e a possibilidade real de combate ao racismo estrutural, projeta Débora Dias, de 22 anos, articuladora do Movimento Afro Brasil, porta-voz da candidatura vitoriosa Quilombo Periférico, do PSol-SP, nas eleições 2020.

Elaine Mineiro, Débora Dias, Samara Sosthenes, Julio Cezar de Andrade, Antonio Erick Gomes da Silva, Alex Borges Barcellos (Imagem: Divulgação)
Membros do Quilombo Periférico em 2022: Elaine Mineiro, Débora Dias, Samara Sosthenes, Julio Cezar de Andrade, Antonio Erick Gomes da Silva, Alex Borges Barcellos (Imagem: Divulgação)

A codeputada Cláudia Visoni, que se dedica à divulgação do modelo coletivo de mandato – formado por integrantes ativistas – se referiu a, pelo menos, duas candidaturas coletivas no Rio de Janeiro, além de outras em Maceió (AL), Macapá (AP), Curitiba (PR) e Manaus (AM), com negros e mulheres, a maioria. 

Santos, no litoral paulista, teve sua primeira experiência com Marias Mandato Coletivo Feminista Antirracista.

Da direita à esquerda

O modelo é usado principalmente por partidos de esquerda, com amplo predomínio do PSol – o Partido Socialismo e Liberdade, em 2020, acompanhou mais de cem candidaturas coletivas, tanto nas capitais como no interior.

Mas que não se pense em candidatura coletiva como “coisa da esquerda”. Nas Eleições de 2020, para citar um exemplo recente, havia candidaturas coletivas no PSol, PT, PCdoB, mas também no MDB, DEM, PDT, Rede Sustentabilidade, PSB defendendo pautas raciais.

Nós, negros e negras, somos diversos como toda a humanidade, temos viés político sim, apesar de, como sempre destaca a filósofa Sueli Carneiro, entre a direita e a esquerda, continuarmos negros e negras – uma denúncia à falta de postura antirracista nos partidos políticos.

Prós

Experiências com candidaturas coletivas no país são registradas desde 1995. E são um “processo de construção mais democrático” porque o mandato político não é o fim da luta, mas parte de um processo, para o fortalecimento da base e a possibilidade real de combate ao racismo estrutural, projeta Débora Dias, de 22 anos, articuladora do Movimento Afro Brasil, porta-voz da candidatura Quilombo Periférico, do PSol, em exercício na Câmara Municipal de São Paulo.

“O mandato coletivo garante maior presença”, aposta a produtora cultural Michelle Andreus, 35 anos, uma das seis mulheres candidata a uma vaga na Câmara Municipal de Manaus, na Bancada Coletiva, do PSol. 

A Bancada Coletiva se elegeu nas Eleições de 2018 para a Assembleia Legislativa tendo a diversidade da base de apoiadores e de votos, reunindo representantes dos movimentos sociais que atuam na educação, cultura, maternagem, saúde e comunidade.

A favor do mandato coletivo, ainda, o olhar ampliado na busca de soluções e para todos os projetos que são apresentados nas casas legislativas; o aumento efetivo da representatividade, apesar de nas votações o mandato coletivo, mesmo que tenha dez pessoas, representar um único voto, e uma dificuldade maior para que jogos políticos aconteçam e que interesses particulares influenciem na tomada de decisões.

Vida real

Enquanto a Câmara se mantém em um mundo paralelo, com a arrogância de quem está decidindo o futuro, os mandatos coletivos têm solucionado as questões de sua existência – segundo a Raps, há pelo menos 20 mandatos coletivos em casas legislativas em todo país.

Mônica Seixas, da Mandata Ativista de Erika Hilton, lembra que aconteceu de três membros pretenderem participar da eleição municipal de São Paulo… 

Para driblar a situação, a saída foi replicar a legislação eleitoral: os três candidatos ficaram licenciados da Mandata, podendo voltar caso não fossem eleitos. Se vencessem, seriam substituídos por alguém do grupo ativista do qual faziam parte.

O Juntas, que entrou na Assembleia de Pernambuco em 2018, e o Muitas, eleito para a Câmara de Belo Horizonte, em 2016.

A co-deputada Claudia Visoni, do Mandata Ativista, afirma que o modelo tem 

o benefício de infringir uma lei da física: um deputado, neste caso, pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo:

 “Apenas um de nós pode fazer discurso no púlpito, mas, se é sobre meio ambiente, eu estou no plenário o tempo todo no celular com ele para construirmos a proposta ou o discurso em tempo real”.

Contras

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), este ano, diminuiu os pontos contra o mandato coletivo que, ainda, não integram as nossas leis – de homens brancos, vale insistir. Até porque mandato coletivo, na prática, é compartilhamento de poder político. 

A garantia de sucesso nas urnas e no mandato sempre vai depender dos envolvidos e há quem já tenha vivido a experiência e prefira o mandato solo, como a atual vereadora Erika Hilton, candidata a deputada federal pelo PSol em 2022.

Em 2018, ela foi eleita co-deputada para a Assembleia Legislativa de São Paulo junto com outros oito co-deputados pela Mandata Ativista, com filiados do PSol e da Rede. E, para o aprimoramento do modelo, entende como fundamental que a pauta que une as pessoas seja única.

Se a proposta é o antirracismo, por exemplo, a candidatura coletiva deve ser composta exclusivamente por pessoas negras. Se o foco são as questões LGBTQIA+ , precisa ter essas pessoas entre os integrantes. “Misturar pessoas de lugares diferentes, com branquitude vinda de espaços burgueses e com ideia liberal pode levar ao fracasso”.

Outra questão difícil é que se o co-parlamentar eleito – que representa juridicamente o grupo – resolve deixar o cargo, não é um colega do coletivo que assume a vaga, mas o suplente, que pode não ter nenhuma relação com a pauta do mandato coletivo.

Com partidos ou independentes?

Candidaturas coletivas são “estratégias interessantes” no curto prazo para unir lideranças, na avaliação do cientista político Carlos Jacomes. Mas não podem parar por aí.

Para ele, as pautas das candidaturas coletivas precisam ser incorporadas pelos partidos políticos, criar vínculo com a estrutura partidária e o consequente “fortalecimento das novas figuras políticas”.

A candidatura dupla de Lauana Nara e Tainá Rosa, do PSol, protocolada como Mulheres Negras Sim, nas Eleições 2020, exemplifica um pouco a fala do cientista político. 

Lauana Nara e Tainá Rosa se unem em Minas Gerais Lauana Nara e Tainá Rosa se unem em Minas Gerais (Imagem: Carta Capital)
Lauana Nara e Tainá Rosa se unem em Minas Gerais Lauana Nara e Tainá Rosa se unem em Minas Gerais (Imagem: Carta Capital)

Ela surgiu de experiências semelhantes de poder institucional compartilhado, entre elas e a Gabinetona, da qual ambas participavam, e que hoje se divide na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, na Assembleia Legislativa mineira e no Congresso Nacional.

Na Câmara Federal, entretanto, que tem discutido a legalização das candidaturas coletivas – uma realidade, mas ainda sem regulamentação -, há quem defenda a possibilidade de candidaturas avulsas, nas quais os postulantes não estejam vinculados a partidos políticos.

Há quem veja na aprovação de candidaturas coletivas independentes a possibilidade do aumento do descrédito no sistema político-partidário. Outra corrente, entretanto, na defesa, entende este como um caminho a mais para se participar da política do país.

Uma PEC e muitas questões

Já existe uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 379/17, que permite a existência de mandato coletivo para vereador, deputados estadual, distrital e federal e senador.

É urgente legalizar esta forma de fazer política, por conta do momento político que vivemos, da intolerância e da radicalização, que têm colocado em risco a segurança da vida das pessoas à frente destes mandatos coletivos.

E esta é apenas uma das muitas questões em aberto que a PEC tem de contemplar. Outros pontos são: o tipo de natureza jurídica de um mandado coletivo; como vincular as pessoas de um mesmo mandato; como deve ser a participação; se todas as pessoas eleitas em um mandato coletivo são parlamentares; se todos participam de comissões, do Plenário ou vai haver uma diferenciação dessas pessoas dentro do mandato coletivo; o que fazer em caso de renúncia ou convite para ocupar um cargo no Poder Executivo… 

Pela lei atual, o mandato é sempre pessoal e intransferível. Quer dizer, embora a campanha seja em grupo, apenas o eleito – o que tem seu nome e foto na urna – pode votar nas sessões e realizar todos os atos parlamentares.

Além da PEC 379, de 2017!, tramitam na Câmara Federal o Projeto de Lei, PL 4475/20 que estabelece regras para o registro de candidaturas coletivas e para a propaganda eleitoral delas, que fortalece a ideia do projeto coletivo, mas mantém o princípio de candidato único.

Já o PL 4724/20 mantém o candidato único, mas cria a figura dos coparlamentares, com registro de todos os participantes na Justiça Eleitoral. 

A novidade 2022

Para as próximas eleições, a candidatura segue individual, mas o nome do coletivo pode aparecer na urna eletrônica, deixando claro ao eleitor que se trata de candidatura coletiva.

A mudança é relevante porque não existe previsão legal para candidaturas coletivas. Elas acontecem, em regra, por um acordo informal, no qual as decisões do eleito são tomadas por deliberação de mais pessoas.

Essa possibilidade foi estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, alterando a Resolução 23.609/2019, que estabelece as regras para a escolha e o registro de candidatos para as eleições.

Clique aqui para ler o novo texto aprovado pelo TSE.


Fontes: Agência Câmara de Notícias -EspecialistasAgência Câmara de Notícias – Propostas, primeirosnegros.com – pretovotaempreto, Consultor Jurídico

(atualizado em maio 2022)

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