Lei de Cotas, nossa revolução silenciosa
– Tania Regina Pinto
Cartazes de manifestações pró-cotas em São PauloDesde 13 de novembro de 2023, está em vigor a lei que reformula e amplia o sistema de cotas, que garante a reserva de vagas nas universidades e institutos federais para estudantes negros, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda da escola pública. Entre as mudanças, a redução da renda familiar para reserva de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários.
- O que este artigo responde:
- O que é a Lei de Cotas?
- O que mudou depois da revisão da Lei de Cotas?
- Quem tem direito à Lei de Cotas?
- Desde quando a Lei de Cotas está em vigor?
- A Lei de Cotas não vai acabar nunca?
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Conhecida como “Lei de Cotas”, ela determina que todas as 69 universidades federais e os 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia reservem no mínimo 50% das vagas de cada curso para estudantes que concluíram o ensino médio em escolas públicas. Dentro da quantidade total destinada aos cotistas, as vagas devem ser preenchidas por estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência em proporção no mínimo igual à proporção respectiva desses grupos no estado em que a instituição está localizada a partir do censo mais atualizado do IBGE. Metade dessas vagas reservadas, ainda, deve ser destinada a estudantes de famílias com renda mensal igual ou menor que 1,5 salário mínimo per capita. Apesar de a população negra aparecer majoritariamente em todos os índices que medem a pobreza nacional, muitos políticos estão preocupados com o risco de que negros com dinheiro usufruam da lei. Daí estarem apresentando projetos para que seja retirada a questão racial, que a originou. E a loucura da tese da branquitude é que a cor da fraude é branca. São pessoas brancas que têm roubado vagas, mentindo em sua autodeclaração racial. Expediente utilizado também por mais de 40 mil candidatos nas eleições de 2018, que mudaram a cor da pele. E, ainda, por um terço de famílias das classes A e B que solicitaram auxílio emergencial durante a pandemia de covid 19. Desocupados Um ano e meio de pandemia. Educação paralisada. Povo preto, mais uma vez, penalizado e o Poder Legislativo preocupado com a revisão da Lei de Cotas, uma ação que não é de sua competência. O portal do MEC – Ministério da Educação, quando da aprovação da lei, em 29 de agosto de 2012, determina uma avaliação com os resultados obtidos ao completar dez anos de vigência, ou seja, em 2022, para o seu aprimoramento. Aloísio Mercadante, então ministro da Pasta, destaca:“A política de ações afirmativas é sempre feita de forma temporária com o objetivo de corrigir uma desigualdade, uma distorção”.Por isso, inclusive, o decreto ainda institui um comitê de acompanhamento e avaliação das reservas de vagas nas instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio, formado por dois representantes do Ministério, dois representantes da Seppir, um membro da Fundação Nacional do Índio, podendo ser convidados representantes de movimentos sociais. “Não é competência do Poder Legislativo, mas do Poder Executivo, elaborar um plano de monitoramento para avaliar a implantação da Lei de Cotas”, insiste a professora Nilma Lino Gomes, referência no campo das políticas afirmativas, autora do livro “Movimento Negro Educador” e que já esteve à frente da Seppir.

“Precisamos articular grupos, redes, artistas, para construir uma narrativa a favor da continuidade da Lei 12.711, para o seu aprimoramento”, propõe a ativista Nilma Lino, lembrando que em 2022, o presidente será o mesmo que está no poder agora.Nunca é demais destacar a caixinha de surpresas que é o Congresso Nacional, seus líderes, chamados representantes do povo, mas que tendem a legislar em causa própria. Eles sempre nos surpreendem com votações na calada da noite, com aprovação de códigos, como o eleitoral, com mais de 900 artigos, sem qualquer debate prévio… Com a Lei de Cotas, tudo pode acontecer. Uma pesquisa simples na internet informa que são muitos os projetos de lei em tramitação, que são absorvidos uns pelos outros… O site da Câmara Federal, em 21 agosto de 2021, por exemplo, informava sobre um projeto que amplia o prazo de 10 para 30 anos, a partir de 2012, e outro que propõe que o prazo seja de 20 nos, para a revisão do programa, a contar da vigência da lei, ou seja, em 2032. Além disso, eles estabelecem que a avaliação deverá ser realizada pelo Poder Executivo, como, por exemplo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. O projeto está tramitando em “caráter conclusivo” e será analisado pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias, de Educação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. E, assim, nunca vale o que está escrito. Na ponta do lápis De acordo com o IBGE, as políticas afirmativas fizeram de negros a maioria entre os estudantes no ensino superior: 50,3% dos matrículados em 2018. Já os dados levantados pela plataforma Quero Bolsa a pedido do UOL, a partir dos resultados do Censo da Educação Superior, indicam que o percentual de alunos negros no ensino superior subiu quase 75% entre 2014 e 2018 – eram 1,7 milhão os matriculados no ensino superior em 2014 e se aproximaram dos três milhões, quatro anos depois, passando de 22,1% para 35,8% do total dos universitários. Um outro estudo, do Inep, divulgado em 2019, se refere a aumento de 39% na presença de estudantes pretos, pardos e indígenas vindos de escolas públicas nas instituições federais de ensino superior nos quatro primeiros anos de aplicação da Lei de Cotas. Fotografia e filme Todos sabemos que os números não dizem tudo. Eles são apenas fotografias de momentos. E o que importa, o que precisamos, é o filme destes dez anos. É inquestionável que os estudantes negros, nesta década, conquistaram um lugar na história como desbravadores, revolucionários. Isso porque quando se é negro, passar no vestibular não é o suficiente. É desafiador manter-se em sala de aula, caminhar pelos corredores, chegar à escola… Daí a importância de se avaliar a jornada, a qualidade do percurso, a formação profissional, a inclusão no mercado de trabalho, a saúde mental dos estudantes negros em contato com o racismo, a convivência em espaços antes proibidos. E é preciso considerar, também, os objetivos da lei, para aprimorar o processo de implantação. Raça e classe? A política de cotas não é unanimidade em nenhum lugar do mundo – de um lado os explorados; de outro, os exploradores, sempre. O principal argumento contrário é que, como para metade dos cotistas o fator “renda” não é considerado, pessoas negras, indígenas ou com deficiência que figuram em classes econômicas mais altas podem ingressar nas instituições de ensino por meio das cotas, deixando de fora pessoas mais vulneráveis.
