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Libéria, a segunda república negra do mundo

Liberianos carregam versões atuais e históricas da bandeira nacional em festejos pós-ebola (Imagem: © AP Images)

Uma colônia norte-americana criada por brancos no continente africano, para os libertos da escravização.

O que este artigo responde:
Qual país da África não foi colonizado?
Por que a Libéria foi criada?
Os Estados Unidos colonizaram algum país africano?
O que quer dizer Libéria?
De quem foi a iniciativa de criar a Libéria?
A Libéria faz parte do movimento pan-africano de Marcus Garvey ou do Movimento Rastafari?

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Propostas de atividades didáticas com histórias de personalidades negras e brasileiras de destaque.

Localizada na África Ocidental, fronteira ao norte com Serra Leoa e Guiné, a leste com Costa do Marfim e a sul e oeste com o oceano Atlântico -, a, oficialmente, República da Libéria foi criada para que negros que viviam nos Estados Unidos retornassem à África.

Libéria, país dos libertos, terra da liberdade – este o significado do nome do único país africano, de colonização norte-americana, a segunda república negra do mundo – antes dela, em 1804, o Haiti tornou-se independente.

O discurso era de que ex-escravizados teriam liberdade e igualdade em uma nova nação. O objetivo real, entretanto, visava evitar a mistura de raças e conter o combate ao escravismo.

Décadas antes da Guerra Civil americana (1861-1865), que levou ao fim da escravização nos Estados Unidos, muitos no país já debatiam o que fazer com a população negra livre, caso essa instituição fosse abolida.

Colonização africana

Na busca de respostas, em 1816, um grupo de homens brancos fundou a 

American Society for Colonization the Free People of Colors of United States (ASC) – em tradução livre, Sociedade Americana de Colonização dos Negros, formada por uma maioria de clérigos, políticos e proprietários de escravizados, sob a direção do pastor presbiteriano Robert Finley, de Basking Ridge, Nova Jersey.

Os integrantes da ASC tinham opiniões diversas. Entre eles, havia abolicionistas, com desejo de ajudar a população negra. Outros, porém, a maioria, acreditava que pessoas negras livres não deveriam continuar vivendo nos Estados Unidos, porque poderiam colocar em risco a instituição da escravidão.

Muitos proprietários de escravizados temiam que o crescente número de libertos pudesse fomentar rebeliões e, até, ofereciam carta de alforria com a condição de que, uma vez libertos, os negros mudassem para a África.

Certificado de membro da American Colonization Society, de 1840 (Imagem: Reprodução)
Certificado de membro da American Colonization Society, de 1840 (Imagem: Reprodução)

Havia, ainda, os que defendiam o fim da escravidão de maneira gradual, mas temiam os efeitos da integração dos negros livres à sociedade, como o aumento da criminalidade e os casamentos inter-raciais.

Quer dizer, no final, todos concordavam com a existência de um projeto de colonização na África, um “lar” para os libertos e estavam dispostos a bancar a viagem dos negros ao continente. E a ideia faz tanto sentido para a branquitude, que ganha popularidade, a ponto de surgirem várias sociedades estaduais de colonização com o mesmo modelo.

Jeitinho brasileiro 

O país foi “criado”, por brancos americanos, dentro de um território habitado – como aconteceu no Brasil -, para abrigar/expulsar escravizados libertos e negros nascidos livres dos Estados Unidos.

O projeto – financiado com dinheiro de vários estados americanos, como Virgínia, Maryland, Kentucky, Carolina do Norte e Missouri, por meio da venda de certificados de pertencimento à sociedade – recebeu apoio de igrejas, do Congresso e até mesmo de James Monroe, o quinto presidente dos EUA, além de outros ex e futuros presidentes.

Racismo ou antirracismo?

Muitos americanos negros livres já encabeçavam, décadas antes, o movimento que defendia o retorno à África e viram no projeto da ASC um plano racista, voltado a tornar a instituição da escravidão mais segura.

Para o movimento negro, a estratégia branca de “repatriamento” reforçava a escravização, à medida que enviava para fora do país os negros que já eram livres. 

Mas havia negros que apoiavam a ideia de deixar o país e viram na organização a oportunidade e os recursos financeiros necessários para colocar em prática o antigo projeto de retorno à África.

Não havia unanimidade neste pensar. O diplomata e político liberiano Edward Blyden, por exemplo, homem negro, intelectual influente, teólogo, educador, defendia a existência da Libéria, como extensão da América do Norte.

Edward Blyden (Imagem: Reprodução)
Edward Blyden (Imagem: Reprodução)

O pan-africanismo fazia a defesa do retorno à África, mas sem utilizar o modelo civilizatório ocidental. Marcus Garvey, um dos ícones do movimento, pensava a África para africanos e afrodescendentes como um Estado soberano, livre de qualquer opressão.

A ideia era promover a estruturação social do continente africano, por meio de um remanejamento étnico, com resgate de práticas religiosas, culto aos ancestrais e o incentivo ao uso de línguas nativas.

Uma terceira corrente negra não queria nem Libéria nem pan-africanismo, mas o direito de permanecer nos Estados Unidos como cidadão de pleno direito.

Fato: até o início do século XXI, apenas cerca de 5% dos habitantes da Libéria eram descendentes dos afro-americanos.

A terra livre

Quando da criação da ASC, a Coroa Britânica já havia estabelecido uma colônia na Costa Oeste da África, Serra Leoa, para receber ex-escravizados, muitos dos quais fugidos dos EUA para o Canadá após a Revolução Americana.

O sucesso de Serra Leoa contribuiu para que a ASC ganhasse popularidade e, em 1818, a associação enviou representantes à África para encontrar um local para instalar a colônia, mas os líderes locais não quiseram vender suas terras.

Libéria
Libéria em vermelho, na costa ocidental da África.

Dois anos depois, três membros da Associação e 88 americanos negros livres embarcam em Nova York, cruzam o Atlântico e se instalam na ilha Sherbro, na costa de Serra Leoa – enfrentarm grandes dificuldades e muitos morrem de malária.

A busca por um local apropriado para a colônia continua até que, em 1821, se consegue comprar de líderes locais uma faixa de terra de cerca de 58 km de comprimento e 5 km de largura na região costeira de Cabo Mesurado – o pagamento é feito com rum, armas, mantimentos e outras mercadorias no valor de US$ 300.

Os primeiros moradores vindos dos EUA chegam em abril de 1822. O grupo que havia desembarcado dois anos antes na ilha Sherbro também se transfere para lá.

Em 1824, o país recebe o nome de Libéria e a capital é batizada de Monróvia, em homenagem ao então presidente americano, James Monroe, que havia garantido financiamento para o projeto.

Sociedades estaduais, inspiradas pela ASC, adquirem terras e ampliam o território, que recebe mais de 13 mil americanos nas décadas seguintes. Outros milhares são enviados à região após resgate em navios que faziam tráfico ilegal de pessoas.

Contradição

A história da Libéria é repleta de desafios e conflitos. Nos primeiros anos, doenças e ataques de grupos hostis mataram milhares. A maioria dos imigrantes, descendentes de africanos, havia nascido nos Estados Unidos e não tinha nenhuma familiaridade com a língua ou costumes locais. Mesmo os nascidos na África, não tinham lembranças da terra de onde haviam sido arrancados muito jovens

Pior: a chegada da ASC e dos colonos americanos provoca divisões entre os moradores locais, que além de pertencerem a vários grupos étnicos, estavam acostumados a séculos de comércio com os europeus, desde os anos 1400.

O povo que vivia na, hoje, Libéria integrava o comércio transatlântico, com tráfico de pessoas, venda de comida e de outras mercadorias. Em outras palavras, a chegada de americanos libertos e filhos de escravizados nascidos livres interfere na política e na economia local – os novos moradores deixam para trás a sociedade escravista dos Estados Unidos para fundar o movimento abolicionista no “país dos libertos”.

Nasce a República

Até 1842, o poder se mantém sob administração branca americana. E, em 1847, a colônia declara a sua independência e se torna a segunda república negra do mundo.

Joseph Jenkins Roberts, um americano negro nascido no Estado da Virgínia que havia chegado à Libéria em 1829, é eleito presidente.

Joseph Jenkins Roberts (Imagem: Domínio Público)
Joseph Jenkins Roberts (Imagem: Domínio Público)

Apesar de seu papel fundamental na criação da Libéria, os Estados Unidos não reconhecem imediatamente a nova nação, temendo os possíveis impactos no país sobre a questão da escravização. São precisos 15 anos para que se estabeleçam relações diplomáticas. 

História recente

Instabilidade é a palavra que define a Libéria. Instabilidade que remonta à época da invasão americana, quando da demarcação da área, sem levar em consideração os povos que já viviam na região. 

Entre 1989 e 2003, as batalhas resultaram em 250 mil mortos. 

Instabilidade que vai além das tensões e desigualdades entre os imigrantes e a população nativa – os liberianos de origem americana formaram uma elite que explora e discrimina os habitantes locais.

Instabilidade que, segundo os historiadores, tem a ver, também, com a chegada de grandes empresas para explorar os recursos naturais e da americana Firestone.

O ano é 1926 e a fábrica de pneus instala no país uma das maiores plantações de borracha do mundo e passa a dominar a economia e a política do lugar.

A natureza também não ajuda: entre 2014 e 2016, a Libéria é devastada pela epidemia do vírus ebola, que mata mais de 11 mil pessoas.

Prisão Central de Monrovia, Libéria. Água com cloro para lavar as mãos com aviso, dentro da prisão. (Imagem: T. Glass)
Prisão Central de Monrovia, Libéria. Água com cloro para lavar as mãos com aviso, dentro da prisão. (Imagem: T. Glass)

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o país está entre os dez menos desenvolvidos do mundo, considerando expectativa de vida, educação e renda per capita – o dado é de 2022.

De acordo com dados do Banco Mundial, mais da metade dos cinco milhões de habitantes vive com menos de dois dólares por dia, ou seja, abaixo da linha de pobreza. 

O desemprego atinge grande parte da população. A cada mil nascidos, 93 morrem antes de completar um ano de idade. 

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Fontes: Vermelho, DW, Uol, Exame, Opera Mundi, Diplomacia Bussiness, National Geographic, Guia do Estudante, YouTube, Opera Mundi – etiopes, Geledes, Politize, Bantu Men, BBC, Revista de Pesquisa Fapesp, livro Rastafari, de André Duarte P de Albuquerque

Atualizado pela Redação em abril de 2024

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