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Haiti, a primeira república preta da história

Lá, aconteceu a primeira e única revolução negra, por independência e liberdade, vitoriosa! O Haiti é a primeira nação negra, pós colonial, a conquistar a emancipação e ser governada por pessoas de ascendência africana.

Imagem: Getty Images/BBC

O que este artigo responde:
O Haiti sempre foi governado por pessoas de origem africana?
Há quantos anos o Haiti conquistou a independência?
Quem conquistou a independência do Haiti?
Qual o sistema de castas implantado no Haiti?
Por que o Haiti teve de indenizar colonizadores?
Como o Haiti transformou-se no país mais pobre do mundo?

O Haiti é a primeira nação independente da América Latina.

O Haiti é a primeira nação negra pós-colonial independente.

O Haiti é a primeira república governada por pessoas de ascendência africana.

O Haiti é a única nação cuja independência foi conquistada como parte de uma rebelião de negros libertos e escravizados, motivada pela grande exploração e violência do sistema colonial escravista na região.

Apesar das centenas de rebeliões ocorridas durante séculos e séculos, a Revolta de São Domingos, entre 1791 e 1804, é a única insurreição de pessoas escravizadas que alcança a vitória e a independência. Assim, a ilha deixa de se chamar São Domingos e passa a se chamar Haiti, em homenagem aos índios, primeiros habitantes daquelas terras.

“Pérola” das Antilhas

Nesta época, final do século XVIII, São Domingos era colonizada pelos franceses. Mas é a partir do século XVI – quando a região era conhecida como Hispaniola e estava sob domínio dos espanhóis – que esta história do povo negro começa.

sistema escravista imposto pelos franceses, um dos mais violentos de todos os tempos, transformou São Domingos em uma das colônias mais prósperas do mundo. Daí ser conhecida como “pérola das Antilhas”. Mas o ouro era a mão-de-obra negra que produziu, na base da chibata, 45% do açúcar consumido no planeta.

A população de escravizados, a maioria nascida na África, girava em torno de 450 mil seres humanos. Mesmo com a taxa de mortalidade ultrapassando, todo o tempo, a taxa de natalidade.

Imagem: Reprodução

O motivo? Excesso de trabalho em péssimas condições, falta de alimentação, de abrigo, roupas, cuidados médicos, condições mínimas de sobrevivência… Era o trabalho até a morte, criando a necessidade permanente do comércio de mão-de-obra.

No tráfico, a ilha recebia, basicamente, dois tipos de escravizados: um nascido nas Américas, chamada elite crioula, mais utilizada nos serviços urbanos, domésticos e de artesanato; e outro no continente africano, considerado a subclasse.

Funcionava um sistema de castas. No topo, os colonos brancos – cerca de 40 mil franceses; no intermediário, os negros e mestiços livres – muitos fazendeiros tiveram filhos com mulheres africanas, que tendiam a ser educados e ter formação militar ou em administração agrícola – e a maioria de africanos, numa proporção de dez para um em relação aos demais.

Mas, se de um lado a alta taxa de mortalidade entre os escravizados fazia com que os fazendeiros continuamente importassem novos africanos, de outro, manteve a  cultura da ilha mais próxima da África, o que facilitou a comunicação e a organização de um movimento de resistência.

Resistência negra

Rebeliões eram uma constante em São Domingos. Mas a primeira liderança do movimento de unificação da resistência negra foi François Mackandal. Adepto ao vodu, inspirou o povo, a partir das tradições africanas, a estabelecer uma rede de organizações secretas entre os escravizados das plantações, provocando a primeira rebelião, que foi de 1751 a 1757.

Em muitas plantações, as pessoas falavam o mesmo dialeto, o mesmo idioma e tinham a mesma  tradição religiosa.

Mackandal não viveu para a ver a independência do Haiti – foi assassinado em  fogueira em 1758 –, mas o movimento que liderou seguiu em frente.

Liberdade, Igualdade, Fraternidade

Os ideais da Revolução Francesa também ajudaram, serviram de inspiração para a luta pelo fim do sistema escravista, no caso da maioria africana, e pela equiparação dos direitos com os brancos, no caso dos negros libertos.

E, de rebelião em rebelião, chegou-se ao 22 de agosto de 1791, data em que o povo escravizado de São Domingos se rebelou contra os franceses, mergulhando a ilha em uma guerra civil que durou 13 anos.

O sinal para iniciar a revolta foi dado por um outro sacerdote vodu, líder dos escravizados que viviam em quilombos. Não demorou e os negros assumiram o controle de toda a Província do Norte. Os brancos mantiveram o controle de apenas alguns campos fortificados isolados.

Em semanas, eram cerca de 100 mil os rebelados, com saldo de quatro mil homens brancos mortos, 180 engenhos de açúcar e centenas de plantações de café e índigo queimados e destruídos.

Um ano depois, os negros controlavam um terço da ilha.

Ilustração: Juan Chirioca

sucesso da rebelião levou a recém-eleita Assembleia Legislativa francesa  a conceder direitos civis e políticos aos homens negros livres de todas as suas colônias, incluindo São Domingos. Isso em 1792. Mas não se pense em consciência racial. A medida tinha por único objetivo proteger os seus interesses econômicos.

Mas a rebelião não acabou. Havia muito ódio represado.

Na briga da Europa

Em 1793, a França declarou guerra à Grã-Bretanha. Só que, em São Domingos, os fazendeiros e donos de pessoas escravizadas fizeram acordos com os britânicos a favor da soberania inglesa nas ilhas.

A Espanha, que controlava o resto da ilha de Hispaniola, também entrou no conflito, contra a França, invadindo a ilha e juntando-se às forças escravizadas, sob o comando da elite branca.

Na época, havia apenas 3.500 soldados franceses na ilha. E, para evitar um desastre militar, um comissário francês libertou todos os escravizados da sua jurisdição – decisão que foi confirmada e alargada pela Convenção Nacional. Em 1794, foi formalmente foi abolida a escravidão.  

Mas a rebelião continuou. Primeiro, contra a coroa espanhola. Depois, contra a  coroa britânica até a conquista negra pela independência.

Uma elite de mestiços

O fim da revolução, em 1804, marca o fim do colonialismo no Haiti. Mas o conflito social, cultivado durante o regime escravocrata, continua a afetar a população.

A liberdade e a independência, uma vez conquistadas, apenas fizeram o poder  mudar de mãos. Os negros não conseguiram criar um regime diferente dos padrões estabelecidos pelo domínio colonial francês, de controle pela minoria.

Na pós-independência, a elite era formada pelos mestiços.

Apesar de serem a maioria, nem as pessoas trazidas à força do continente africano nem seus herdeiros tinham direito à alfabetização. E isso fez toda a diferença no pós-independência.

General Toussaint Louverture

Toussaint Louverture, autodidata, filhos de escravizados domésticos, um dos principais comandantes do levante, se tornou senhor da ilha, se proclamando governador vitalício. Não deu muito certo.

Napoleão Bonaparte queria São Domingos de volta e tenta uma revanche, com o propósito também de restaurar a escravização, com apoio dos Estados Unidos. O fato de os negros estarem divididos entre os exércitos francês e haitiano, no entanto, inviabilizou seus planos. Ao perceberem o risco de voltarem os grilhões, todos defenderam a independência da ilha.

Napoleão, de seu lado, quando percebe que seria impossível vencer, trabalha para isolar econômica e politicamente a ilha – como ocorreu, por outras razões, com Cuba no século XX e segue acontecendo com a República do Haiti neste século XXI.

Louverture tenta fazer um acordo com Napoleão, por debaixo do pano, é enganado, acaba preso e morre em 1802.

Depois disso, Jean-Jacques Dessalines assume a liderança e derrota os franceses de maneira definitiva em 18 de novembro de 1803. A declaração oficial de independência da antiga colônia, renomeada “Haiti”, acontece em 1º de janeiro de 1804.

O preço da liberdade

O Haiti que já havia sido prejudicado por anos de guerra, que teve sua agricultura devastada, seu comércio formal destruído, inclusive pelos Estados Unidos – que não reconheceram a sua independência e proibiram o comércio com a nascente República negra -, passados menos de 20 anos, foi forçado a pagar mais uma fatura, a das reparações!

Para ter reconhecida a sua independência, o governo do Haiti teve de assumir o pagamento de reparações em massa aos franceses proprietários de pessoas escravizadas!!!

Assim, o futuro do país foi, literalmente, hipotecado aos bancos, que forneceram os fundos para a primeira grande parcela, afetando, definitivamente a possibilidade de o país ser próspero.

Em 1825, a reparação foi calculada em 150 milhões de francos suíços, reduzida em 1838 para 60 milhões de francos.

No final, os negros, além de se rebelarem por liberdade, tiveram de pagar – por 100 anos – e pagam até hoje por suas vidas a quem as roubou.

Os 13 anos de rebelião resultaram na morte de 100 mil negros e 24 mil brancos.

Leia, na coluna Sem Mordaça, o artigo Haiti – século 21, o preço do pioneirismo.

Fontes: Wikipedia, Esquerda, Mundo Educação

atualização 17 de março de 2024

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