Ele nasce livre e é vendido como escravizado, ainda criança, pelo próprio pai, um homem branco. Aprende a ler, torna-se ativista e dedica sua vida a libertar pessoas que, como ele, nasceram livres e foram colocadas sob correntes.
O que este artigo responde: Quem foi Luiz Gama? Qual é o pioneirismo de Luiz Gama?³ Quem eram os pais de Luiz Gama? Luiz Gama trabalhou só como advogado? Qual o partido político Luiz Gama fundou? Como Luiz Gama se tornou advogado? Qual foi a contribuição de Luiz Gama para a abolição no Brasil? Por que Luiz Gama é importante na história brasileira?
O maior abolicionista e um dos raros intelectuais negros do Brasil do século XIX, viveu para lutar por liberdade, mas morreu antes da quebra das correntes. Em 29 de junho de 2021, tornou-se o primeiro negro brasileiro a receber o título de “doutor honoris causa”, premiação concedida pela Universidade de São Paulo (USP).
Primeiro advogado negro do Brasil e, também, primeiro grande líder negro de São Paulo, Luiz Gonzaga Pinto da Gama vem ao mundo em Salvador, Bahia, em 21 de junho de 1830.
Filho da guerreira negra Luiza Mahin, um dia escravizada, quando vivia na Costa da Mina, Luiz Gama nasce livre – sua mãe tinha condição de liberta quando o concebeu -, mas é vendido como escravo aos 10 anos de idade pelo seu pai biológico, um senhor de engenho nascido em Portugal, que precisava de dinheiro para pagar dívidas de jogo.
Os pais de Luiz Gama viviam juntos, como marido e mulher, mas quando ela tem que fugir da Bahia – os escravizados africanos eram muito perseguidos por serem menos cordatos com o cativeiro e provocarem muitas rebeliões na Bahia – o deixa com o pai. Daí ele ter-se tornado escravo doméstico em São Paulo.
Analfabeto até os 17 anos, quando aprende a ler, toma ciência de sua condição de homem livre. Torna-se autodidata e envereda pelo estudo do Direito, frequentando, como ouvinte, as aulas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que atualmente faz parte da USP, mesmo após ter sido proibido de realizar seus estudos na instituição.
A ausência do diploma, entretanto, não o impediu de exercer a advocacia prática e conquistar sua primeira vitória em causa própria, livrando-se das correntes que o colocavam na sociedade na condição de escravizado.
Na Justiça, por liberdade
Mais de 500 negros são libertados por Luiz Gama nos tribunais. E um de seus recursos, na época, é invocar a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, a primeira a abolir a importação de escravizados no Brasil e declarar livres todos os trazidos nesta condição. Lei que, como sabemos, foi ignorada – a chamada abolição ocorreu 57 anos depois!
Incansável agitador das causas negras, Luiz Gama faz parte da maçonaria. Contrário à Monarquia, funda o Partido Republicano Paulista.
Poeta, expoente do romantismo, especializa-se na sátira. Jornalista polêmico, assume a luta contra a escravidão como pauta principal.
Apenas 12 anos depois de ter aprendido a ler, publica, em 1859, seu único livro, Primeiras Trovas Burlescas.
Perseguido e ameaçado, imortaliza-se em 24 de agosto de 1882, numa apoteose que mobiliza toda a São Paulo da época. Luiz Gama não vive para ver todos os negros sem correntes.
Reverência
No cortejo da rua do Brás (atual Rangel Pestana), na capital paulista, onde morava, até o Cemitério da Consolação, todos os seus admiradores marcam presença: negros humildes, estudantes da Faculdade de Direito, escritores, jornalistas, membros da então crescente e poderosa elite cafeeira.
Seu túmulo permanece no Cemitério da Consolação, identificado pela lápide:
“Abolicionista Luiz Gama, ✭ 21-06-1830 ✝ 24-08-1882”.
E um busto, sobre um pedestal no largo do Arouche, também na capital paulista, convida à lembrança do que, aos 29 anos, foi considerado o maior abolicionista e um dos raros intelectuais negros do Brasil escravocrata do século XIX.
Doutor Honoris Causa
No século XXI, Luiz Gama segue conquistando pioneirismos. Ele é o primeiro negro brasileiro também a receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de São Paulo. Título proposto pela Congregação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e aprovado por unanimidade, em reunião virtual, pelo Conselho Universitário da USP.
Antes dele, a universidade havia concedido o título a apenas um outro homem negro, o político e ativista da África do Sul Nelson Mandela, no ano 2000. Isso em uma lista de 120 homenagens deste tipo feitas pela instituição.
Dennis de Oliveira, integrante do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neimb) da USP e professor no departamento de jornalismo da ECA e um dos responsáveis pela proposta de homenagear Luiz Gama, em entrevista ao Jornal da USP, se refere ao ativista como o “primeiro intelectual público brasileiro”:
“No jornalismo, na poesia e nas letras, Luiz Gama militava em prol do abolicionismo. Por isso foi um intelectual público. Ele fez uma análise sofisticada do que era a sociedade daquela época e expressou isso em sua produção literária, jornalística e jurídica com um objetivo: acabar com a escravidão”.
Filme e obra completa
2021 também marca o lançamento de filme biográfico do abolicionista, dirigido por Jeferson De, e da sua obra completa publicada pela editora Hedra – cerca de 5.000 páginas reunidas em dez volumes temáticos.
“É uma urgência histórica colocar o Gama na cesta básica literária brasileira, no café da manhã, no almoço e no jantar’, afirma Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em história do direito na Universidade de Frankfurt, na Alemanha, e pesquisador do Instituto Max Planck, responsável pelo trabalho.
Ao todo, 750 textos garimpados em hemerotecas de jornais como O Estado de S. Paulo e em arquivos públicos, em especial de cidades pequenas, sendo cerca de 600 inéditos, todos transcritos do original.
Fontes: Folha de S. Paulo, G1, revista Veja, As mil vidas de Luiz Gama, editora Summus, Wikipédia
Escrito em 19 de junho de 2021. Atualizado em maio de 2024
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Depois desse documentário sobre o Dr.Luís Gama, compreendi melhor a história e o cotexto daquela época. O que mais me surpreendeu foi o fato de não ter diploma, conseguindo liberta 500 negros, ele foi um dos aboliscista que por mais que não usou…
E contudo não entendo porque ainda hoje nas escola endeusam o tal Zumbi dos Palmares….
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