Pular para o conteúdo
InícioMarcus Garvey, o pan-africanista e a volta à África

Marcus Garvey, o pan-africanista e a volta à África

“Moisés dos pretos”, presidente provisório da África, herói da Jamaica, ícone mundial da filosofia de união dos povos africanos em diáspora para a reconexão ancestral, maculada pela escravização.

Marcus Garvey (Imagem: Reprodução | Fundo Baobá)
Marcus Garvey (Imagem: Reprodução | Fundo Baobá)

Mais novo de 11 filhos – nove morreram ainda na infância –, o jamaicano Marcus Mosiah Garvey Junior nasce em 17 de agosto de 1887, em Saint Ann’s Bay, em uma família relativamente próspera. Aluno brilhante, vai à escola, mas também recebe instrução particular de seu padrinho Alfred Burrowes.

Jovem, gosta de nadar, tomar sol e jogar críquete. Herda o amor pelos livros de seu pai – um culto maçom, que possuía vasta biblioteca – e de seu padrinho. 

Aprendiz na oficina gráfica de Burrowes – local frequentado por gente que se reúne para discutir política e assuntos da comunidade -, ele cresce e dedica a vida a trabalhar pela redenção econômica, política e cultural do povo negro em diáspora.

Torna-se Herói Nacional na Jamaica e é considerado profeta pelos Rastafaris. Isso porque a coroação de Haile Selassie (Ras Tafari) como imperador da Etiópia, em 1930, foi interpretada como materialização de palavras suas, ditas 10 anos antes, em agosto de 1920, no Madison Square Garden em Nova York, e ouvida cerca de 25 mil pessoas:

Olhem para a África, quando um rei preto for coroado, o dia da libertação estará próximo”.

Marcus Garvey relaciona a história da diáspora negra à história das tribos que se perderam de Israel quando foram vendidas aos senhores da Babilônia.

Por sua luta,  se torna conhecido, também, como o “Moisés dos pretos”.

Tomada de consciência

Adulto e morando na capital jamaicana, Kingston, tem sua primeira experiência sindical. Trabalha na P.A. Benjamin Limited e, com o apoio do sindicato dos tipógrafos, encabeça uma greve por melhores salários. Perde o emprego e é colocado em uma lista de empregadores como “profissional problema”, o que o obriga a mudar de profissão. 

Na época, ele já colabora para o jornal The Watchman, consegue uma vaga na imprensa do governo e inicia carreira como comunicador e jornalista político, ao ingressar no National Club of Jamaica, um clube político.

Por volta de 1910, na Costa Rica, trabalha como fiscal em plantações de banana. Da Costa Rica viaja pela América Central e do Sul. Passa pela Guatemala, Panamá, Nicarágua, Equador, Chile e Peru. Em todo lugar, observa as péssimas condições de trabalho do negro. Quando não, constata o desemprego e a pobreza.

Marcus Garvey (Imagem: George Grantham Bain Collection)
Marcus Garvey (Imagem: George Grantham Bain Collection)

Sempre que pode, publica pequenos jornais e panfletos com suas impressões sobre a realidade local. De um lado, enfrenta as autoridades, que o baniram da Costa Rica, por exemplo. De outro, lida com o descaso do povo, que não entende a importância de ter uma voz na mídia para defender seus interesses.

Ao retornar à Jamaica, chama atenção do governo colonial para a situação da América Central e pede intervenção para melhorar a vida dos trabalhadoresnão é ouvido!

Na Europa

Em 1912, se muda com a irmã para Londres, na Inglaterra, onde aprende muito sobre cultura africana – torna-se amigo do egípcio nacionalista Duse Muhammad, que na época publica o The African and Orient Review .

Em Londres, ainda, Garvey entra em contato com os líderes do Movimento Pan-Africano e conhece a obra de Booker T. Washington,  escritor e educador americano, o primeiro negro a dividir uma tribuna com brancos em evento nacional nos Estados Unidos.

A experiência desse período é importante para o ativista entender o funcionamento da democracia e conhecer africanos de colônias britânicas que estudavam na Inglaterra.  

E ele percebe que os problemas da Jamaica são muito semelhantes aos enfrentados pela população negra de todo o mundo!

Caminho de volta

Garvey retorna para a Jamaica em 1914 e funda a UNIA, sigla em inglês para Associação Universal para o Progresso Negro (Universal Black Improvement Association and African Communities League), popularmente conhecida como movimento “Volta Para a África”. 

As ideias são:  

  • estabelecer instituições de ensino para negros, incluindo a cultura africana no currículo,
  • promover o desenvolvimento da África, livrando-a do domínio colonial e transformando-a numa potência, e
  • auxiliar as pessoas vulneráveis em todo o mundo

Dois anos mais tarde, em 1916, Garvey se muda para os EUA e abre uma filial da UNIA no bairro do Harlem, em Nova Iorque. A somar-se às bandeiras originais:

  • a união entre os negros,
  • diáspora africana e
  • a unificação política do continente.

Em 1918, Garvey, começa a publicar o jornal Negro World (Mundo Negro).

Amy Garvey

Nessa época, ele conhece Amy, com quem se casa e tem dois filhos. Jamaicana, preta, jornalista, editora e ativista, ela chega aos Estados Unidos em 1920 para conhecer os limites da “terra das oportunidades”.

Encantada com o homem e com suas ideias, Amy torna-se a representação feminina do Garveysmo, colaborando na elaboração dos discursos do marido e no planejamento de ações, além de escrever no Negro World.

As cores do pan-africanismo: o vermelho simboliza o sangue que une todas as pessoas de ascendência africana e o sacrifício feito para a libertação. O preto simboliza o orgulho do Povo Africano, sua história e cultura; o verde simboliza a abundante riqueza natural da África. (Imagem: Primeiros Negros)
As cores do pan-africanismo: o vermelho simboliza o sangue que une todas as pessoas de ascendência africana e o sacrifício feito para a libertação. O preto simboliza o orgulho do Povo Africano, sua história e cultura; o verde simboliza a abundante riqueza natural da África. (Imagem: Primeiros Negros)

A viagem não realizada

Garvey nunca foi à África, mas é um dos principais idealizadores do movimento de “Volta à África”, para que todos os negros tivessem conhecimento de sua origem e ancestralidade, arrancadas com a expansão da escravização no mundo.  Para ele, conhecer e valorizar a própria história era fundamental para a nossa emancipação. Além disso, era fundamental a desocupação, a saída, das potências coloniais europeias do continente africano.

O pan-africanista não acreditava que os brancos aceitariam viver em igualdade de condições com os negros em nenhum lugar do mundo. Ao mesmo tempo, percebia que na Jamaica e no Caribe, por exemplo, os negros culturalmente colonizados, com estética e estilo de vida dos brancos, negavam a própria africanidade.

“Europa para os europeus, Ásia para os asiáticos, América para os americanos e África para os africanos” – era a sua verdade.

Os meios

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, inclusive, ele convida os que lutaram por democracia para continuar a luta, só que por direitos iguais, e passa a recrutar homens dispostos a viajar para a África, a fim de expulsar os invasores do continente.

Nessa direção, em 23 de junho de 1919, em Delaware, a UNIA inicia os trabalhos de uma companhia marítima a Black Star Line (Linha Estrela Negra) para conectar comercialmente os pretos do mundo e servir ao propósito de repatriação. E a empresa surpreende todos os seus críticos quando, passados três meses, compra o primeiro de seus quatro navios, o Yarmouth SS, um barco de carvão da Primeira Guerra, em péssimas condições, e que, uma vez recuperado, navega por três anos entre os EUA e as Índias Ocidentais, com sua pioneiríssima equipe só de negros, comandada por capitão negro.

Além da companhia marítima e do jornal Negro World, a UNIA criou outros negócios, como a Universal Printing House, a Negro Factories Corporation, a Black Cross Navigation e a Trading Company.  

Mas a dimensão e as atividades da associação, com quatro milhões de membros, não passaram despercebidas das autoridades estadunidenses.

Garvey foi acusado pela Receita Federal dos EUA de cometer fraude e foi condenado a cinco anos de prisão em 1923. Cumpriu metade da pena e foi deportado em 1927.

Marcus Garvey (Imagem: Reprodução)
Marcus Garvey (Imagem: Reprodução)

O político

O líder negro é um dos responsáveis pela ideologia do continente africano enquanto um único povo, de partido único, governado por si mesmo, que criaria leis para garantir a pureza racial dos negros. Todos caminhos para alcançar a autonomia histórica, cultural, social e econômica dos negros em diáspora.

Suas ideias são definidas como movimento social ou programa de cunho pan-africanista, anticolonialista, assentado no nacionalismo negro e direcionado à valorização das populações africanas e afrodescendentes no mundo.  

Em 18 de agosto de 1920, ele é eleito presidente provisório da África durante a convenção organizada pela UNIA.

Depois da jornada e deportação dos EUA, Garvey volta à Jamaica, e em 1929 funda o Partido Político do Povo, a fim de disputar uma vaga no legislativo colonial. Sem sucesso.

União sempre

Marcus Garvey é um ícone mundial da filosofia de união dos povos africanos em diáspora.  Sua memória é mantida viva em países da África, da Europa e das Américas em escolas, faculdades, estradas, prédios, monumentos e até moedas, como acontece na Jamaica.

Dr Julius Garvey no Drum arts centre, em Aston (Imagem: Birmingham Mail)
Dr Julius Garvey no Drum arts centre, em Aston (Imagem: Birmingham Mail)

Seu filho,  Dr. Julius Garvey, em 2013, esteve em Salvador, na Bahia, para proferir palestra sobre as ações realizadas pelo pai, e marcar os 50 anos da União Africana, organização política do continente africano inspirada pelo ativismo de Garvey. 

Procure por mim na tempestade – De pé raça poderosa!”, primeiro livro de Marcus Garvey traduzido para o português, lançado em 2017, traz à tona as discussões a respeito da necessidade de um projeto único e internacional para a população negra mundial, sob a ótica de seu pan-africanismo nacionalista.   

Mas suas ideias chegaram no Brasil antes dos anos 1930 pelo jornal Negro World e influenciaram a formação da Frente Negra Brasileira, fundada em São Paulo em 1931, que criou seu próprio jornal, um fundo de crédito para associados; uma milícia para proteger os negros de agressões, cursos profissionalizantes e de alfabetização, serviços sociais, atividades esportivas e culturais. – tudo de acordo com valores do Garveísmo.

Leia também o artigo “Movimento Negro, movimentos antirracistas”, e confira a linha do tempo dos movimentos na história!

Referência

A morte de seu Garvey – em 10 de junho de 1940, em Londres -, renovou o garveyismo em outros  líderes negros, como Aimé Cesaire, Kwame Nkrumah, Malcolm X, Martin Luther King, além dos grupos que lutaram pela descolonização da África e dos movimentos de afirmação racial, como o Black Panthers, o Black Power, os Black Muslims e o Rastafari.

Após sua morte, Amy formou, na Jamaica, o Centro Africano de Estudos Mundiais e editou a obra More Philosophy and Opinions of Marcus Garvey -Vol. III (Mais Filosofia e Opiniões de Marcus Garvey).

No aniversário do seu nascimento – 17 de agosto – , os Rastas relembram a profecia sobre a coroação de Haile Selassie, e como o líder dedicou a vida a lutar pela redenção do povo negro. Sua ancestralidade também é celebrada por outros movimentos culturais como a Parada Universal de Hip-Hop, que acontece todo ano em Nova York, sempre no sábado anterior ao dia do seu aniversário.

O corpo de Marcus Garvey voltou à Jamaica em 1964, quando foi enterrado no Parque dos Heróis Nacionais, em Kingston.

“Um povo sem conhecimento de seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes.”
– Marcus Garvey –


Fontes: Baobá, Geledes-Marcus, Alma Preta, Vagalume, Aventuras na História, Todos Negros do Mundo, Geledes-filho, Wikipedia, Reggae Spotllights, livro Rastafari – Cura para as nações

Atualizado em 6/3/2024

 

4 comentários em “Marcus Garvey, o pan-africanista e a volta à África”

  1. Pingback: Pan-Africanismo: um direito do povo negro

  2. Pingback: Nós, o passado e o futuro

  3. Pingback: África não colonizada

  4. Pingback: Movimento Negro, movimentos antirracistas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *