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A dança da resistência de Mercedes Baptista

Nossa primeira bailarina clássica a fazer parte do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, uniu sua formação erudita à valorização da cultura negra, lançando o balé afro.

Mercedes Baptista é a primeira mulher negra a fazer parte do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, então capital federal. Mas, além do pas-de-deux, ela soube unir, na década de 1960, sua formação erudita à valorização da cultura negra, lançando o balé afro.

Ícone da dança no Brasil, Mercedes recebe formação em balé clássico e dança folclórica pela bailarina Eros Volúsia, especialista em cultura brasileira e professora do Serviço Nacional de Teatro, em 1945.

Completa sua formação na Escola de Danças do Theatro Municipal com a professora russo-brasileira Maria Olenewa e Yuco Linderberg. 

Em 18 de março de 1948, em difícil concurso público, passa a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Assim, ela conquista seu primeiro pioneirismo e revoluciona em palcos elitistas e populares. 

Nesse dia, Raul Soares também presta concurso – ela  é uma dos dois negros ali.

Racismo

Conquistar o direito de integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, depois de um concurso  exigente, não é o suficiente quando a pele da bailarina é negra. Mercedes Baptista descobre, no dia a dia, o significado oculto, subjetivo, do verbo “integrar” .

Ela sofre constante discriminação, a ponto de não conseguir trabalhar.

E declara em entrevista , em 1981:

Madeleine Rosay, Vaslav Veltchek, Edy Vasconcelos e Nina Verchining  me deram boas oportunidades na carreira, sem olhar minha cor. Os problemas vieram depois. Eu me vi de repente excluída de tudo.  Nem que pusesse um capacho cobrindo meu rosto me deixavam pisar em cena. Só uma vez atravessei o palco usando sapatilhas de pontas e, ainda assim, lá no fundo”.

 “Tudo foi sempre muito difícil, mas quem iria assumir ou deixar claro que parte das minhas dificuldades era pelo fato de que eu não era branca? Nunca iriam me dizer que o problema era racial, mas eu sabia que era. Por isso, sempre lutei, procurando me aperfeiçoar.”

É a partir desta rejeição forjada no racismo, ela passa a integrar o Teatro Experimental do Negro como bailarina, depois como colaboradora e finalmente coreógrafa.

Dança da resistência

A convite da coreógrafa e antropóloga Katherine Dunham, que havia criado nos Estados Unidos,  uma companhia de dança exclusivamente formada por bailarinos negros, Mercedes Baptista foi para aquele país, teve aulas de dança moderna e tomou parte do ativismo negro.

De volta ao Brasil , na década de 1960,  une sua formação erudita com a valorização da cultura negra e cria  o Ballet Folclórico Mercedes Baptista, dedicado à formação de bailarinos negros. Ali, amantes negros da dança pesquisam e incorporam em seus trabalhos e movimentos a cultura afro brasileira, incluindo movimentos ritualísticos do candomblé.

O Ballet Folclórico Mercedes Baptista é destaque no cenário artístico e realiza turnês por países da Europa e América do Sul.

Segundo a pesquisadora Mariana Monteiro, da Universidade Estadual Paulista – UNESP, o bale criado por Mercedes Baptista, é responsável pela consolidação da dança moderna no Brasil:

“Mercedes estruturou uma aula de dança afro, com barra, centro e diagonal. Criou uma gramática corporal específica, a partir da observação das danças do candomblé e do folclore e acabou sendo de enorme importância para o aperfeiçoamento dos bailarinos…”

Suas criações coreográficas permanecem até hoje identificadas como repertório gestual da dança afro.

Palco de rua

A jovem bailarina sente na pele a discriminação e resiste e confronte. Leva  a erudição dos palcos para o carnaval de rua,  e 1963, de  forma pioneira, insere elementos da dança clássica.

Junto com os carnavalescos Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona, introduz a ala coreografada, na Acadêmicos do Salgueiro, com o enredo Xica da Silva, e coloca a Comissão de Frente da escola de samba  dançando o minueto

Sobre essa inovação, o carnavalesco Manoel Dionísio, que participara do desfile, comentou:

Foi um escândalo. Fomos considerados pela crítica os idealizadores de uma coreografia maldita para o carnaval carioca. Mas, dois anos depois, começaram nos copiar.

Na foto, a clássica cena do minueto dançado pela Comissão de Frente da Acadêmicos do Salgueiro, tendo a Igreja da Candelária (RJ) ao fundo

Hoje a teatralização das comissões de frente, dos destaques e das alas fazem parte dos desfiles. Mas o nome de quem teve a ousadia de experimentar é Mercedes Baptista

Detalhe: no ano do minueto, o Salgueiro ganha Carnaval, com um desfile que se torna referência, influenciando e mudando o rumo dos desfiles das escolas de samba.

Inspiração

O século XXI celebra Mercedes Baptista, reverenciando a sua jornada.

Em 2007, sua história é publicada no livro Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança, de autoria de Paulo Melgaço, Fundação Cultural Palmares, e soma-se as realizações, como cursos ministrados no exterior e homenagens.

No mesmo ano, também, é lançado o filme-documentário Balé de Pé no Chão – A dança afro de Mercedes Baptista, dirigido por Lílian Sola Santiago e Marianna Monteiro.

Em 2008 e 2009, sua história invade o Carnaval, primeiro através da Acadêmicos de Cubango, de Niterói (RJ), no enredo Mercedes Baptista: de passo a passo, um passo, do carnavalesco Wagner Gonçalves. Depois, no enredo sobre os cem anos do Theatro Municipal, cantando pela Unidos de Vila Isabel.

Em 2016, a Prefeitura do Rio autoriza a instalação de uma estátua em sua homenagem, obra do escultor Mário Pitanguy, em uma das áreas recuperadas da zona portuária da cidade. 

Estátua de Mercedes Baptista no Largo São Francisco da Prainha – Saúde, Rio de Janeiro 

Antes da dança

Mercedes Ignácia da Silva nasce em 25 de maio de 1921 no município de Campos dos Goytacazes no Rio de Janeiro. Filha de João Baptista Ribeiro e Maria Ignácia da Silva,  é criada em uma família humilde que sobrevive do trabalho de costureira de sua mãe.

Antes da dança, ela trabalha em uma gráfica, em uma fábrica de chapéus e como empregada doméstica, mas é como bilheteira de cinema que tem acesso aos filmes e ao sonho de dedicar-se à arte.

Mercedes Baptista morre em 19 de agosto de 2014, aos 93 anos de idade, no Rio de Janeiro.

Fontes: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/designer-lanca-calcados-em-homenagem-primeira-bailarina-negra-do-municipal-23457074

https://m.vitoria.es.gov.br/noticia/mucane-exibe-filme-sobre-mercedes-baptista-dentro-do-evento-grios-da-danca-27787

https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/salgueiro-uma-escola-diferente-15063304

2 comentários em “A dança da resistência de Mercedes Baptista”

  1. sou estudante de pedagogia,vou fazer um livro infantil sobre uma bailarina negra,trabalho em uma loja de tecidos,recebemos um tecido estampado com uma bailarina negra,acho lindo fiquei impressionada com o fato.

  2. Pingback: A Vera Verão de Jorge Lafond

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