Quilombo dos Palmares
- Tania Regina Pinto
Serra da Barriga está localizada no atual município de União dos Palmares, no estado de Alagoas. (Imagem: Waldson Costa/G1)
Mais de 100 anos de luta negra, política, existencial por liberdade, uma pequena África, autônoma, na América.
Não existe acaso. Palmares, o maior quilombo do Brasil e da América Latina, nasce da sagacidade dos negros escravizados e é estrategicamente construído na Serra da Barriga, na antiga capitania de Pernambuco, atual estado de Alagoas – uma região de vasta vegetação, difícil acesso e bastante afastada das áreas habitadas pelos colonizadores portugueses e holandeses.
A meta, realizada, era criar um local para proteção de todos que quisessem morar ali na “Angola Janga” – como chamavam, a “Pequena Angola” do continente africano encravada na América!
Sim, no começo de tudo, só havia angolanos que fugiram das fazendas de cana-de-açúcar da região – possivelmente de duas linhagens de reinos africanos, a primeira de Umbundu N’gola e a segunda dos guerreiros Jagas. Os Jagas, aliás, eram os que usavam a denominação bantu “quilombo” para se referir aos seus acampamentos guerreiros da mata.
Jagas, liderados por Nzinga contra os colonizadores, representados em ilustração do século XVIII. (Imagem: Reprodução)
Ao longo dos seus 100 anos de existência, entretanto, o maior quilombo da América foi lar também para indígenas, desertores militares, homens livres e brancos marginalizados.
Mas estes “bunkers afros” – assista Medida Provisória, filme de Lázaro Ramos – sempre existiram como fortalezas para proteção da liberdade negra e combate à sociedade escravista, por uma vida digna e mais próxima da cultura africana.
Angola Janga se ergue no ano de 1597 – ou antes – e ao longo de todo o século XVII resiste a inúmeras investidas das duas maiores potências marítimas e militares daquela época – Holanda e Portugal – até ser literalmente destruído para que a existência do quilombo, como símbolo de resistência, fosse apagado da história.
Mas a Pequena Angola, Palmares, vive em nós!
É símbolo de luta negra, política e existencial!
O nome Palmares – como é conhecido – surge de fora para dentro e é uma referência à abundância de palmeiras na região.
Pedra fundamental
Um quilombo é a junção de pequenos assentamentos chamados “mocambos”, onde famílias residiam em casas cobertas com folhas de palmeiras e erguidas com material tirado da própria natureza.
Em Palmares, havia dez mocambos: Acotirene, Dambrabanga, Aqualtune, Andalaquituche, Osenga, Quiloange, Quissama, Subupira, Zumbi, Dandara e Cerca Real do Macaco – os quatro últimos os mais importantes.
Na liderança de tudo, o “grande chefe” Ganga Zumba.
Cena do filme “Ganga Zumba”, de 1963, dirigido por Cacá Diegues (Imagem: Reprodução)
Pesquisas históricas contam que em Palmares a vida comunitária era politicamente organizada: administração pública, leis próprias, forma de governo, estrutura militar, princípios religiosos e culturais que fundamentavam e fortaleciam a identidade coletiva.
Havia, por exemplo, uma divisão que definia a hierarquia dos quilombolas. Os fugitivos eram os mais privilegiados e reconhecidos dentro do quilombo. Já os libertados por invasões em batalhas ficavam com os trabalhos mais pesados.
Polo de atração
A existência de Palmares incentivava a fuga de muitos escravizados. Passava a mensagem de luta, resistência e esperança, para africanos e não africanos também. Era a possibilidade de vida livre, digna, sem opressão e sem fome. Ao mesmo tempo, representava uma ameaça permanente para os negócios dos colonizadores nada afeitos ao trabalho.
Na época, a região Nordeste desenvolvia-se economicamente com a produção açucareira, mas a mão de obra escravizada nos canaviais e nos engenhos de açúcar estava cada vez mais escassa, devido às fugas.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Invadir Palmares, para os colonizadores, seria a garantia de retorno à prosperidade e à retomada da produção açucareira, principalmente depois da expulsão dos holandeses do Brasil, em 1654.
E os senhores de engenhos, junto com as autoridades portuguesas, concentraram suas forças não só na destruição de Palmares, mas também dos espaços de resistência à escravidão e à opressão.
Fome
A região pernambucana, em especial, passava por uma grave crise econômica que atingia, sobretudo, as vilas e cidades como Olinda e Recife. A população pobre da colônia passava fome. Como sempre, por culpa do governo, que só queria saber da produção de açúcar, deixando de lado os demais produtos agrícolas necessários à sobrevivência.
A situação estimula, ainda mais, a fuga de pessoas escravizadas e livres para a Serra da Barriga. Nas vilas e colônias, corriam notícias de que no quilombo havia abundância de alimentos. Quer dizer,
Palmares era também sinônimo de sobrevivência, possibilidade de não se morrer de fome!
Há momentos nos quais, em suas terras, a população ultrapassa os 20 mil os moradores!!!
Defesa
A primeira expedição militar contra o Quilombo dos Palmares – depois da derrota dos holandeses – acontece em 1655, mas o governo português captura apenas alguns quilombolas e consegue poucas informações sobre a organização dos mocambos.
Os assentamentos mantinham razoável distância geográfica uns dos outros e líderes próprios. Uma eficaz rede de comunicação, entretanto, garantia o estado de alerta entre os guerreiros de todos os mocambos.
A vigilância era constante porque os colonizadores atacavam sempre de surpresa – isso desde 1602. Todo o tempo, quilombolas treinavam e desenvolviam técnicas de guerra, com estratégias de guerrilha e golpes de luta inspirados em tradições africanas.
No mocambo Cerca Real do Macaco, centro político do Quilombo dos Palmares, que tinha a maior quantidade de habitações – 1.500 para uma população de cerca de seis mil habitantes -, havia uma muralha de madeira com 5 km de extensão no seu entorno.
Fartura genial
A segurança era tratada estrategicamente, mas não impunha o isolamento total aos quilombolas. Se de um lado, só os moradores sabiam o caminho correto para chegar à entrada de cada mocambo; de outro, mantinha-se contato frequente com vilas da região.
Além do palmito das palmeiras, os palmarinos investiam na agricultura de subsistência, com uma alta produção de mandioca, milho, batata doce, feijão, banana e melaço. A pesca e a caça também faziam parte das atividades produtivas, bem como a criação de animais de pequeno porte como galinha e porcos.
Além disso, a economia era potencializada com a produção artesanal de cestas, cerâmica, tecido, metalurgia, fabricação de utensílios domésticos, instrumentos musicais e armas de baixo potencial ofensivo.
O planejamento incluía o equilíbrio entre as necessidades da população local, das vilas e colônias para a manutenção da alimentação, atendendo também às demandas da luta.
Representação do cotidiano quilombola (Imagem: Reprodução)
E tudo acontecia não só a partir da compra e da venda, mas do escambo, de trocas da produção excedente na agricultura por pólvora e até armas de fogo. Os saques – outro “ativo” econômico – contribuem, de um lado, para a resistência dos quilombolas e, de outro, para a sobrevivência econômica dos povos que residiam nos arredores, incluindo pequenos proprietários de terra portugueses!
A troca de informações sobre a movimentação das expedições dos colonizadores em torno da região era outro ativo dos mais importantes entre o povo da região.
Ataque
A tática de guerrilhas, baseada em conhecimento da região superior ao dos inimigos, no início, era um aspecto importante na resistência.
Com o passar do tempo e das tentativas de destruição do quilombo, no entanto, portugueses e holandeses passaram a conhecer melhor a localidade, diminuindo a vantagem detida pelos palmarinos – a utilização de tribos indígenas contra os habitantes de Palmares, também, auxiliou em sua destruição.
Os historiadores indicam a primeira ofensiva contra Palmares do capitão Fernão Carrilho como um dos fatos históricos que precede a extinção do maior quilombo em solo brasileiro.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O ano é 1677. Fernão Carrilho ataca o mocambo de Alqualtune. Os habitantes fogem para o mocambo de Subupira, enquanto, usando a tática de guerrilha, os palmarinos garantem o recuo das forças inimigas.
Passado algum tempo e com o apoio de mais de 180 homens, entre indígenas e portugueses, acontece outra investida. Desta vez, contra o mocambo do Amaro, onde havia mais de mil casas e o capitão Carrilho consegue prender inúmeros africanos, entre eles os dois filhos de Ganga Zumba.
Poder ferido
Ganga Zumba é o primeiro líder de Palmares! E, nos cerca de 100 anos do quilombo, só existiram ele e Zumbi.
Assim chegamos a 1678… Ganga Zumba se sente ferido em seu poder, com os filhos capturados, e decide negociar a rendição de Palmares com o governador da capitania de Pernambuco, Aires de Souza e Castro.
O que os portugueses querem?
- Deposição de armas
- Retorno à escravidão dos “fujões”
- “Devolução” da Serra da Barriga
- Fim da proteção/acolhimento de novos escravizados em fuga
O que os portugueses oferecem?
- Alforria aos quilombolas nascidos em Palmares, o que incluiria os filhos de Ganga Zumba
- Liberdade de comércio
- Transferência dos quilombolas livres para uma região pré-determinada pelo governo
Nem latifundiários nem parte dos quilombolas gostaram do acordo.
E Ganga Zumba morre. – envenenado.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Resistência
Zumbi surge como nova liderança, respeitada, admirada por suas habilidades como guerreiro e estrategista militar – ele é Jaga. Rejeita a proposta do governo português, refugia-se com os demais na floresta e escolhe a luta armada em nome da liberdade de todos.
A cada expedição portuguesa, Zumbi incendeia canaviais – a fonte de riqueza dos portugueses -, assalta engenhos, liberta escravizados, confisca armas, munições e suprimentos necessários para realizar novos ataques e aprimorar a segurança dos assentamentos e garante a resistência quilombola por mais 16 anos.
Após várias tentativas de acordo, o governo de Pernambuco decide contratar um exército de bandeirantes paulistas para destruir o Quilombo dos Palmares – oferece armas, terras e dinheiro pelo resgate dos escravizados fugidos.
Guerra da Palmares
A liderança militar fica sob o comando do bandeirante experiente na escravização de indígenas e nos atos de extermínio Domingos Jorge Velho e do capitão-mor Bernardo Vieira de Melo.
Em 1692, se inicia o que os livros didáticos nomeiam de “Guerra de Palmares”. A muralha de madeira em torno do principal mocambo, o dos Macacos, monitorada 24 horas por dia, bem como os arredores do quilombo, repletos de armadilhas, dificulta a investida das tropas de Velho.
No ano seguinte, com seis mil homens e mais artilharia, eles avançam na região da Serra da Barriga. Zumbi consegue fugir, mas é delatado pelo capitão quilombola Antônio Soares, que conta onde o líder está escondido.
Emboscada e vida eterna
Em 20 de novembro de 1695, capturado, Zumbi é executado pelo capitão Furtado de Mendonça – que é premiado com cinquenta mil réis pelo monarca D. Pedro II de Portugal.
Decapitado, o líder da resistência tem sua cabeça salgada, levada ao governador Melo e Castro e, depois, exposta em praça pública de modo a acabar com o mito da imortalidade de Zumbi.
Semelhante penalidade foi imposta aos líderes da Revolução dos Alfaiates, de 1798, também em luta por liberdade negra. Mas nem sentenças cruéis conseguem apagar a memória de líderes de causas legítimas! De tempos em tempos, eles ressurgem, sempre!
A região do quilombo onde Zumbi nasceu em 1655, hoje, é o município União dos Palmares e a Serra da Barriga, o primeiro e único parque temático sobre a cultura negra do Brasil, patrimônio cultural do Mercosul, organização internacional criada em 1991, para adoção de políticas de integração econômica e aduaneira entre países da América Latina.
Monumento a Zumbi localizado no atual parque onde se situava o quilombo dos palmares. (Imagem: Waldson Costa/G1)
E, mais que tudo isso, o Quilombo dos Palmares é a pedra fundamental, o marco do ativismo negro em território nacional, apesar do padre católico chamado Antônio Vieira, que determina a sua destruição, para que não proliferasse a ideia de formação de outros quilombos. Não adiantou.
Zumbi, Palmares, contam de nossa potência, de nossa excelência. Pensar na total destruição do maior quilombo do Brasil e da América Latina é falácia, sofisma, raciocínio falso que simula a verdade!
Estamos aqui, quilombolas!
Uma em dezoito expedições militares saiu vitoriosa. Isso em 100 anos!
Estamos aqui e continuaremos aqui como Zumbis, quilombolas, não admitindo a dominação dos brancos sobre os negros!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Fontes: Escola Kids, Brasil Escola, Educa Mais Brasil, Toda Matéria, Porto Kaete, Stoodi, History
Compartilhe com a sua rede:
Pingback: 2 de julho de 1823 – Dia da Independência do Brasil • Primeiros Negros
Pingback: Guerreiras pretas: sem fardas nem armas!
Pingback: Sankofa
Pingback: Mulheres Matriz
Pingback: Capoeira, força ancestral
Pingback: Movimento Negro, movimentos antirracistas
Pingback: Jamaica e Brasil, os 3 “M” da dominação