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Jornada antirracista

- Tania Regina Pinto

Uma provocação, um desafio, um incentivo, um chamamento, um caminho para desconstruir o racismo que atinge o povo negro dia a dia.

A proposta é do ativista negro Samuel Emílio. Ele criou uma espécie de ‘programa de imersão’ em práticas racistas, em 30 vídeos, nos quais os participantes assumem três compromissos básicos: pensar, sentir e agir.

Engenheiro que produz nas ciências sociais, liderança nas áreas de educação e gestão pública, Samuel foi candidato a vereador nas eleições de 2018 – não conseguiu eleger-se.

Sua ‘inspiração’ , entretanto, vem de antes. A ideia do Diário Antirracista surge no calor dos protestos, após o assassinato de George Floyd, em maio de 2020 – #vidasnegrasimportam.

Seus amigos começam a perguntar como podem ter atitudes antirracistas no dia a dia, a pedir indicação de artigos e livros sobre a temática racial. Ele até sabe algumas respostas. Mas, diante da alta demanda, escolhe produzir vídeos curtos, via redes sociais, teoria e prática, refletindo as várias faces do racismo no Brasil, propondo aprendizados para o fim da desigualdade e investimento na equidade racial.

Didatismo

“Na internet – comenta Samuel -, tem muitos conteúdos, mas não estão necessariamente organizados e muitas vezes exigem uma série de conhecimentos prévios de quem lê. E, hoje, a sociedade não aprende nada sobre racismo na escola. Então a gente precisava começar com algo muito didático.”

O racismo estrutural naturaliza o que não é normal. Um exemplo é o racismo recreativo que “só” quer divertir, que é “só” uma piada – para quem faz.

E esta compreensão de Samuel Emílio é seu ponto de partida para dialogar com todos que se propõem um modo diferente de estar na vida – negros e não negros, brancos e não brancos. Isso porque o racismo estrutural, como o sol e a chuva, atinge a todos!

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Por mais que os não negros acreditem no privilégio da branquitude, eles se confundem ao não reconhecerem que são raça (não branca também) – os brancos do Brasil não são brancos para o mundo – e têm de carregar o estigma, que não reconhecem, dos que vieram antes: os europeus que invadiram o território Brasil, sequestraram, traficaram, desumanizaram, escravizaram, violentaram e violaram o povo negro.

Há uma Justiça a ser restaurada. Daí a necessidade de ações afirmativas, políticas públicas, para implodir a muralha que impede a nossa plena cidadania e o acesso à saúde, educação, trabalho e segurança, desde o ventre.

Contradições

O Brasil é um país racista, o privilégio branco nos impede de respirar, de simplesmente viver a vida; se manifesta nas palavras, no ódio que é semeado na sociedade quando todos não se reconhecem como iguais.

Somos aplaudidos e celebrados nas Olimpíadas, mas a riqueza da diversidade, para pioneiros e campeões de vendas da nossa literatura é desprezada.

Nossa cultura, nossa força guerreira que vai para o enfrentamento com um sorriso aberto e franco é, frequentemente, apropriada – denunciamos a invisibilidade estratégica da nossa cor – o epistemicídio -, presente no existir de Machado de Assis, Aleijadinho e até Iemanjá – e são só exemplos.

Por toda história inventada sobre quem somos, reverenciamos nossa ancestralidade. Focamos no nascer, crescer e parir no feminino negro e ser encarcerado e morrer no masculino, diante de uma Justiça branca, caolha, cruel.

Este é o meu olhar, negro, feminino, sexagenário… E acredito que toda opinião merece ser respeitada. E espero que você, leitor, também – independentemente da cor da sua pele.

Mergulho

O Diário Antirracista de Samuel Emílio é uma imersão no próprio existir, com vistas ao autoconhecimento, à reeducação e à transformação. Ser antirracista é uma questão de atitude. Implica mudança, parte do conhecimento, dentro e fora de nós – e isso vale, inclusive, para quem considera que racismo não existe.

Assista o vídeo Vista a Minha Pele, para romper resistências, ampliar o olhar, mudar a perspectiva.

Olhar para o racismo em nós, abre caminho para perceber outros ‘equívocos’ no modo como vivemos em sociedade: machistas (homens ou mulheres), homofóbicos, gordofóbicos, doentes, vítimas e algozes de nós mesmos…

E tudo se potencializa, se multiplica em dores, em interseccionalidade…

Se uma pessoa é pobre, mulher, negra, gorda, transsexual… ela “soma” preconceitos. E tudo pode piorar se for latina, africana. Somos misóginos também!

Por isso os alertas do tipo:

Não basta não ser feminista, tem que ser antimachista.

Não basta não ser racista, tem que ser antirracista.

Não basta existir, tem que ser humano!

Mais que hashtags

O Diário Antirracista nos propõe cuidar dos sentimentos, investir no autoconhecimento na reeducação e agir na transformação da sociedade, indo além de postagens nas redes sociais.

Vale, sempre, refletirmos sobre o espaço do colorismo, se esta não é uma bandeira que alimenta o “pretos e pardos” do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ou, ainda, o “é das loiras que eles gostam mais”…

Lembro de uma mulher loira de olhos azuis, muito bonita, me dizendo: “Tenho a mesma dor que você. Ninguém me vê como eu sou… Minha mãe diz que eu não sofro, porque nasci loira e olhos azuis. Os colegas de faculdade sempre desqualificavam minhas notas altas, escolhendo pensar e expressar que eu havia transado com o professor”…

Não podemos disputar o quem sofre mais. Somos melhores que isso. Nosso desafio é não sofrer nem causar dor, exatamente por sabermos como demora cicatrizar as feridas.

Cada um sabe o mel e o fel de ser quem é, e a discriminação acaba por invisibilizar o humano em nós.

Devemos ser parte da desconstrução da estrutura desumana, que pauta nossas relações, mas a partir de um lugar de responsabilidade, de comprometimento com a construção de uma sociedade melhor, que contemple o caminho do meio, das possibilidades de escolhas simbolizadas pelas encruzilhadas de Exu, o orixá da mediação.

A ideia é que aconteça uma mudança no nível de consciência de cada um, cada uma, em um movimento individual, interno, de descoberta e mudança de atitude.

Passo-a-passo

Entre os passos propostos rumo ao antirracismo na prática, a pergunta que já nos cansamos de ouvir:

“Qual a forma correta de chamar vocês, é preto ou negro?”

A melhor resposta:

“Me chame pelo meu nome.”

Como complemento:

“Limite-se a me dar ‘bom dia’, ‘boa tarde’, sem referências à cor da minha pele. Não há necessidade.”

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Mas Samuel Emílio não é a única voz da jornada antirracista. “Pessoas negras não são iguais, não pensam iguais. Aliás, como todo mundo” – o que muitos não costumam contemplar em sua visão de sociedade e que vai ao encontro de uma das estratégias do racismo estrutural que é segregar, discriminar, desqualificar.

Vale a leitura dos artigos sobre atletas negros da natação, ou de nossas bailarinas, como exemplos de impossibilidade imposta pelo imaginário racista.

Pode parecer bobagem à primeira vista, mais muitos negros e negras já ouviram que estavam “negando a raça” por não saberem sambar, ou não gostarem de futebol, entre outros estereótipos alimentados. Tudo com o único propósito de segregar, discriminar, desqualificar.

Assim, as vozes – e rostos e corpos – da administradora Júlia Gomes, líder de Diversidade e Inclusão na Eureca!; da ativista Keit Lima, cofundadora do movimento Engaja Negritude; do psicoterapeuta Fabio Sousa, criador do coletivo Ressignificando Masculinidades; do jornalista Ismael dos Anjos, e da feminista Francielle Santos, entre outros e outras, também se fazem ver e ouvir nos vídeos.

E estas outras vozes ecoam o Mulherismo Africana, movimento de mulheres pretas, inspirado em África; a influência do racismo na psiquê; o racismo recreativo, sobre piadas de cunho racial – existe até um livro, de mesmo nome a respeito, de autoria de Adilson José Moreira; os desafios das masculinidades negras, no plural mesmo – ser homem negro é diferente de ser homem branco sob vários pontos de vista; a desumanidade do racismo obstétrico – na prática, mulheres negras não têm direito a anestesia, entre outras mazelas; o racismo científico, ambiental, na Justiça e na Segurança Pública.

A ação

“Querendo ou não, cada um de nós reproduz comportamentos racistas, inconscientemente. É da natureza da nossa estrutura social” – lembra Samuel.

Por isso, para ele, a grande questão a ser respondida e debatida pela sociedade hoje, não é quem é ou não é racista, mas quem se beneficia do racismo e quem é prejudicado por ele, olhar para as consequências e identificar maneiras de reduzi-las.

“Isso inclui atitudes antirracistas de pretos e brancos, atitudes que são diferentes. Uma pessoa negra, que consegue cuidar da saúde mental dos seus pares, está promovendo ações antirracistas” – exemplifica Samuel.Financiar projetos liderados por pessoas negras, comprar de empresas lideradas por pessoas negras, votar e doar dinheiro para pessoas negras nas eleições são ações que pessoas brancas podem fazer com intensidade maior, exatamente por serem mais beneficiadas. Mas, no geral, todo mundo pode fazer quase tudo”.

Provocação, desafio, incentivo ou chamamento?

Você decide.

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Abaixo os cerca de 150 minutos de imersão no racismo nosso de cada dia:

Diário Antirracista 1 – Você está aqui por que? – 5’35” –

Diário Antirracista 2 – Ações Afirmativas Individuais – 7’30” – 

Diário Antirracista 3 – Lugar da Fala – 7’09” –

Diário Antirracista 4 – Racismo Individual, Institucional e Estrutural – 7’38” –

Diário Antirracista 5 – Apenas dados – 6’26” –

Diário Antirracista 6 – Racismo Reverso – 6’31” –

Diário Antirracista 7 – Preto ou Negro – 6’46” –

Diário Antirracista 8 – Filtragem racial – 4’13”-

Diário Antirracista 9 – Branquitude – 9’31”

Diário Antirracista 10 – Masculinidades Negras – 6’12”

Diário Antirracista 11 – Racismo na Publicidade – 2’57” 

Diário Antirracista 12 – Interseccionalidade – 4’05”

Diário Antirracista 13 – Racismo Ambiental – 3’24”

Diário Antirracista 14 – Racismo Recreativo – 4’55” 

Diário Antirracista 15 – Racismo Obstétrico – 3’51”

Diário Antirracista 16 – Racismo na Primeira Infância – 2’56” 

Diário Antirracista 17 – Expressões racistas – 5’24”

Diário Antirracista 18 – Colorismo – 3’46” 

Diário Antirracista 19 – População em Situação de Rua – 4’52

Diário Antirracista 20 – A Jornada é Sua – 3’25”

Diário Antirracista 21 – Epistemicídio – 2’40” 

Diário Antirracista 22 – Racismo no Mercado de Trabalho – 6’25”

Diário Antirracista 23 – Influência do racismo na psiquê – 6’31”

Diário Antirracista 24 – Racismo Científico – 6’23”

Diário Antirracista 25 – Encarceramento em massa – 6’29”

Diário Antirracista 26 – Racismo na Política – 6’49”

Diário Antirracista 27 – Mulherismo – 5’28”

Diário Antirracista 28 – Comunidade Asiática – 4’04” 

Diário Antirracista 29 – Povos da Floresta – 4’56”

Diário Antirracista 30 – Todo fim é um novo começo – 3’11”

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1 comentário em “Jornada antirracista”

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