Ativista dos direitos humanos e causa negra, pioneiro, cria gênero musical que impulsiona a música africana para o mercado global a partir dos anos 1970, uma mistura de jazz americano, com pitadas de rock psicodélico, cantos tradicionais e highlife da África Ocidental.


Este africano da Nigéria, nasce na cidade de Abeokuta, estado de Ogun, em 1938, no dia 15 de outubro, como Olusegun Oludotun Ransome-Kuti,. Para o mundo, ele é conhecido por um nome mais curto: Fela Kuti, um ativista dos direitos humanos e da causa negra, multi-instrumentista, compositor e pioneiro do Afrobeat.
Sua criatividade musical derruba fronteiras continentais. Sua ação política desestabiliza o governo de seu país.
A família de Fela Kuti é de classe média, comparada aos padrões sociais então vigentes na Nigéria, mas sua história já vem com um carimbo de luta por direitos.
A mãe, Funmilayo Ransome-Kuti, era feminista, ativista no movimento anticolonial, com participação ativa na luta pela independência da Nigéria. O pai, o reverendo Israel Oludotun Ransome-Kuti, era diretor de escola e militava junto à categoria de professores – foi o primeiro presidente da União Nigeriana de Professores.
Doutor da Música
No final dos anos 1950, Fela Kuti é enviado a Londres, Inglaterra, para estudar medicina, como seus irmãos. Mas acaba estudando música no Trinity College of Music.

Ainda na Inglaterra, monta uma banda, a Koola Lobitos, e toca com outros músicos nigerianos que lvivem lá. Em 1961, casa-se com a nigeriana Remilekum. O casal tem três filhos – Femi, Yeni e Sola. Três anos depois, retorna à Nigéria, reformula o Koola Lobitos e trabalha como produtor de rádio.
Ainda na África, em 1967, Fela Kuti passa um tempo em Gana – quer pensar uma nova direção musical. É quando chama sua música de “Afrobeat” pela primeira vez.
Em 1969, em meio à Guerra Civil na Nigéria, faz as malas de novo. Desta vez, o vôo é Nigéria-Estados Unidos. A banda vai junto e passa a se chamar-se Fela-Ransome Kuti and Nigeria 70.
Afrobeat
Nos Estados Unidos, Kuti tem contato com o movimento Black Power, o Partido dos Panteras Negras, o trabalho de Malcolm X, Eldridge Cleaver e outros militantes da causa negra. Assim, percebe que há uma grande luta em andamento, com uma gama de organizações espalhadas pelo mundo reivindicando direitos para a população negra. E a luta contra o regime colonial nigeriano também é parte dessas reivindicações.
As várias correntes do pensamento negro, como o Pan-africanismo, somado à mistura de sons de James Brown, inspiram Fela Kuti a criar um estilo musical próprio, que fica mundialmente conhecido como Afrobeat – mistura de jazz americano, com pitadas de rock psicodélico, highlife da África Ocidental e cantos tradicionais africano.

As novidades de Fela Kuti e sua banda são notáveis, como o uso de dois saxofones barítonos, no lugar de apenas um instrumento – uma técnica comum em estilos musicais africanos e que pode ser visto no Funk e Hip Hop.
Fela Kuti toca saxofone, teclado, trompete, guitarra e bateria.
Seu grupo, por vezes, realiza espetáculos com dois baixistas tocando, ao mesmo tempo, melodias e ritmos entrelaçados. Há, sempre, dois ou mais guitarristas tocando no estilo do oeste africano elétrico, que dá a estrutura básica no Afrobeat.
A percussão é de estilo africano, vocais e estrutura musical passam por jazz e seções de metais funk.
O “endless groove” também é usado, com um ritmo básico com baterias, muted guittar e baixo. Alguns elementos presentes na música de Fela são chamados de call-and-response (chamada e resposta) com o coro.
A música de Fela Kuti quase sempre tem mais de dez minutos , algumas atingem vinte, trinta minutos, a maioria em línguas nigerianas e Yoruba.
Nos shows, ele se recusa a tocar músicas após tê-las gravado – sua atuação de palco, aliás, é definida por ele mesmo como “um jogo espiritual underground” e seus concertos são tidos como bárbaros e selvagens.
República independente
O envolvimento de Fela Kuti com o movimento negro americano o coloca, obviamente, no foco do serviço de inteligência dos EUA, que tinha como um dos principais alvos, na época, qualquer militante do Partido dos Panteras Negras.
Assim, não demora para que o Serviço de Naturalização e Imigração, sob o pretexto da ausência de “licença de trabalho”, o “convide” a sair do país. Assim, junto com sua banda, Fela grava às pressas o que mais tarde viria a ser lançado como The ’69 Los Angeles Sessions.

Independência e liberdade
De volta à Nigéria, na bagagem, a cabeça cheia de centenas de projetos, entre eles a República de Kalakuta, o mais famoso de todos: uma casa, para os ligados à banda; estúdio de gravação, para facilitar a gravação de discos de músicos independentes, e uma clínica de saúde gratuita.
Além da República de Kalakuta – que Fela Kuti declara como independente do Estado da Nigéria, o músico monta uma boate no Empire Hotel, chamado de Afro-Spot e, depois, Afrika Shrine, onde canta regularmente.
Kuti muda seu nome do meio (Ransome, por considerá-lo nome de escravizado, e adota “Anikulapo”, que significa “aquele que carrega a morte no bolso”.
Suas músicas ficam mais e mais politizadas e ele se torna muito popular não só entre os nigerianos, mas entre os africanos em geral. Isso porque canta em Pidgin – uma versão simplificada de uma linguagem que se desenvolve como meio de comunicação entre dois ou mais grupos que não têm um idioma em comum. No continente africano, as línguas faladas são muito diversas e numerosas.
Povo x Poder
À medida que a sua música se torna popular em todo o continente, aumenta o ódio do governo nigeriano e os ataques à República Kalakuta.
Em 1974, a polícia chega com um mandado de busca e um cigarro de maconha para prendê-lo, acusado de uso de drogas. Ele percebe a estratégia e engole o cigarro. Em resposta, a Polícia o leva em custódia para examinar suas fezes. Com a ajuda de amigos, Fela entrega à polícia fezes de outra pessoa e é liberado. Todo o ocorrido é descrito em seu lançamento Expensive Shit.
Em 1977, Kuti e Afrika 70 – novo nome de sua banda – lançam o sucesso Zombie, um ataque mordaz aos soldados nigerianos, usando a metáfora “zumbi” para descrever os métodos das forças armadas nigerianas. O álbum é um sucesso esmagador entre o público e enfurece o governo, dando início a um cruel ataque à República Kalakuta.
Mais de mil soldados invadem a República. Fela Kuti é espancado e sua mãe, idosa, é assassinada, arremessada de uma janela. Fela envia o caixão de sua mãe para o quartel principal em Lagos, como resposta ao ataque, e escreve duas canções: Coffin for Head of State e Unknown Soldier (Em tradução livre, Caixão para Chefe de Estado e Soldado Desconhecido).
A República Kalakuta é incendiada e o estúdio, instrumentos e gravações originais de Kuti destruídos.
27 esposas e a Presidência
Todos se mudam para o Crossroads Hotel. E, no mesmo 1978, para marcar o aniversário do ataque na República Kalakuta, Fela se casa com vinte e sete mulheres, muitas das quais dançarinas e vocalistas do grupo.

Fela presidente
1978 é marcado também por dois notórios espetáculos: um festival organizado em Gana, que fica conhecido pela série de distúrbios desencadeados durante a execução da música Zombie, que lhe vale a proibição de voltar ao país, e o Berlin Jazz Festival, após o qual a maioria dos músicos o abandona, devido a rumores de que planejava utilizar a totalidade dos lucros para financiar sua campanha presidencial.
A obstinação em participar da vida política faz com que Fela Kuti crie seu próprio partido político, o Movimento do Povo. Em 1979, ele se candidata a presidente nas primeiras eleições da Nigéria após mais de uma década – sua candidatura é recusada.
A essa época, cria uma nova banda chamada “Egypt 80” e continua a gravar álbuns, viajar pelo país, enfurecer autoridades políticas e fazer sucesso, como acontece com o International Thief Thief.
Preso outra vez em 1984, atacado pelo governo militar, tem seu caso acompanhado por vários grupos de direitos humanos e, após 20 meses de cárcere , é libertado pelo general Ibrahim Babangida.
Livre, Fela divorcia-se de suas doze esposas restantes dizendo:
“Casamento traz ciúme e egoísmo”.
E segue gravando discos e fazendo turnês nos Estados Unidos e na Europa, sem abandonar a atuação política.
“Fela, Esta Vida Puta”
Fela Kuti transforma-se em musical com seu nome – uma adaptação da sua história para a Broadway, que ganha três prêmios Tony, considerado o Oscar do teatro – e no livro “Fela, Esta Vida Puta”, sua biografia oficial, escrita em 1982 pelo jornalista cubano Carlos Moore.
O seu legado principal, o Afrobeat, permanece, como na pegada africana muito marcante em Loud!, álbum de Rihanna, e na cadência que Beyoncé trouxe em 4, o quarto álbum de estúdio da artista, para citar apenas dois exemplos.

(Imagem: Reprodução/Alma Preta)
De suas ações, a apresentação, em 1986, no Giants Stadium, em Nova Jérsei, como parte do show Conspiração da Esperança da Anistia Internacional, e Fela & Egypt 80, famoso álbum antiapartheid, Beasts of No Nation, de 1980, que exibe em sua capa o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o primeiro-ministro da África do Sul, P.W. Botha, com os dentes caninos pingando sangue.
Fela Kuti morre em 2 de agosto de 1997, em consequência do vírus HIV. O instrumentista múltiplo acreditava que a música era algo místico e isso fazia com que muitos o considerassem um profeta.
A família
Fela Kuti era primo do escritor nigeriano Wole Soyinka, primeiro africano a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura.
Femi Kuti é seu filho mais conhecido e, com certeza, o membro do clã que mais vezes esteve no Brasil.
Escrito em novembro de 2014
Este comentário foi removido pelo autor.
Muito legal poder conhecer mais sobre a vida e obra do Fela Kuti
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Adorei o documentário sobre a vida do Fela, emocionante do começo ao fim, ri, chorei, amei. ❤️🌟🌞
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