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Olodum, Olodumaré, Deus dos deuses

Você já ouviu o som vibrante dos tambores do Olodum ecoando pelas ruas históricas do Pelourinho, em Salvador? Mais do que uma banda, o Olodum é uma expressão poderosa da cultura afro-brasileira, um movimento que mistura música, educação e ativismo. Com raízes no Candomblé, onde Olodum significa “Deus dos deuses”, esse grupo se tornou um símbolo de resistência, orgulho negro e luta por igualdade. Vamos mergulhar na história desse fenômeno cultural que conquistou o mundo com sua batida única e sua mensagem de liberdade.

E, ainda, nossa primeira escola de tambores, projeto referência nacional e internacional de educação numa perspectiva de valorização da pluralidade cultural, bando, banda, grupo de teatro negro de maior longevidade da América Latina, ativismo na veia.

Olodum no Campo Grande
Olodum no Campo Grande (Foto: Arquivo Prefeitura de Salvador)

A raiz é o Candomblé. Na língua yorubá Olodum significa “Deus dos deuses” ou “Deus maior”, uma referência a Olodumaré, Deus criador do Universo. 

E Olodumaré se recria na Bahia, mais especificamente em Salvador, na cidade com maior população negra do país – 85% – e que, mesmo assim, tem de abrir a fórceps espaço para o protagonismo para mostrar a sua arte e assinar a própria cultura.
A raiz é a mama África. As cores que representam o bloco, a banda, formam a base do Pan-Africanismo, Rastafarianismo e do Movimento Reggae. São as cores internacionais da diáspora africana e constituem uma identidade internacional contra o racismo e a favor dos povos descendentes do continente negro.

O verde, as florestas equatoriais da África. 

O vermelho, o sangue da raça negra. 

O amarelo, o ouro da África, maior produtor mundial do metal.

O preto, o orgulho da raça. 

O branco, a paz mundial.

O Pelourinho é o chão do Olodum – como afirma João Jorge Rodrigues, seu presidente. Lá, no Centro Histórico de Salvador, está  a sede do bloco que já derrubou a fronteira de mais de 35 países, pisando o solo estrangeiro e fazendo música com mais de cinco dezenas de artistas internacionais – um deles, Michael Jackson, o rei do pop. 

Largo do Pelourinho
Vista do Largo do Pelourinho, em Salvador. Foto: André Urel

Não é por acaso que João Jorge diz que o grupo é a “antena parabólica do candomblé: tem os pés no chão e a cabeça no mundo”. Transformou o Pelourinho – de lugar de dor, uma referência à coluna de pedra de açoitar negros escravizados, em lugar de reverência e resistência negra. E é  expoente da cultura afro-brasileira! 

Graças à ocupação do bloco, o Pelourinho foi revitalizado em 1994 e reinaugurado em 1998. O local e seus moradores –  absoluta maioria negra – sofriam de forma aguda com o abandono e a marginalização por parte do poder público até os anos 1980.

Leia mais a respeito no artigo sobre samba-reggae.

Olodum é parte da história do movimento negro. Está presente na luta internacional contra o apartheid na África do Sul, pela libertação de Nelson Mandela, o primeiro presidente negro daquele país.

O Bloco

Em Salvador, os blocos afro surgem em meio à ditadura militar no Brasil, da repressão e opressão sem medidas. E um grito de protesto e afirmação – de um povo que, em território nacional, desde sempre luta por existir e viver plenamente sua cultura, seus valores, crenças – se fez ouvir na batida do tambor, no meio do Pelourinho.

No primeiro Carnaval, em 1980, são mais de dois mil associados, dispostos a valorizar as raízes africanas, a história negra no Brasil, na África e no mundo

Olodum Olodumaré
Carnaval do Olodum de 1980, a estreia numa sexta-feira (Foto: Arquivo CORREIO/Divulgação)

Entre os enredos, “A festa do rei Oyo da Nigéria”, “Guiné-Bissau: estrela da revolução africana”, Tanzânia, Moçambique, Cuba e histórias nacionais como a Revolta dos Búzios, também conhecida como Conjuração Baiana, a Guerra de Canudos e o cangaço.

“Fomos muito criticados porque falamos do Egito”, lembra João Jorge. Não entendiam que o Egito fazia parte da África. Nós pesquisamos e mostramos que o Egito é África, que Madagascar é África, que Etiópia é África e que  esses países africanos produziram elementos fundamentais para a história, como a ciência e a escrita. Sempre houve uma visão hollywoodiana dos personagens da história desses países: sempre retratados como brancos”.

Toda a preparação do carnaval pretendia ser educativa. Os temas propostos eram pesquisados, transformados em apostila e, depois, entregues aos compositores e possíveis cantores para se apropriarem dos fatos e se identificarem com as histórias. 

Egito e o samba-reggae

1987 é um ano histórico. O Olodum lança o seu primeiro disco, Egito – Madagáscar, que se transforma em sucesso nacional. A música principal é “Faraó – Divindade do Egito” e ela traz versos orgulhosos dos laços do grupo com o seu berço africano, com o Pelourinho, bem como da sua sintonia com a luta negra por liberdade e igualdade:

“…Pelourinho, uma pequena comunidade

Que porém Olodum uniu

Em laço de confraternidade 

Despertai-vos para a cultura egípcia no Brasil

Ao invés de cabelos trançados

Veremos turbantes de Tutankhamon

E as cabeças se enchem de liberdade

O povo negro pede igualdade

Deixando de lado as separações…”

O disco, ao homenagear as raízes do grupo, mostra ao Brasil a Mama Africa, do batuque às influências dos Deuses africanos.

E também inclui um gênero novo na música preta brasileira, o samba-reggae, ritmo característico do Olodum, criado pelos regentes da banda Neguinho do Samba e Mestre Jackson, que expressa a intensa circulação de informações existente entre os blocos afro e a música negra no mundo, como o som de Fela Kuti, pioneiro do afrobeat,  entre outros.

De bloco a grupo cultural

Olodum nasce bloco carnavalesco e cria tentáculos. Leia-se: projetos sociais com vistas a mudar a realidade negra, oferecendo espaços positivos de convívio para crianças e jovens negros, abrindo perspectivas para além do cotidiano determinista de pobreza e exclusão.

Seu projeto pioneiro de educação popular afro-brasileiro, desenvolvido em 1983, inicialmente oferecia aulas de percussão para moradores do bairro Maciel-Pelourinho. 

Um ano depois, em 1984, quando passou de bloco de carnaval a grupo cultural, ampliou as atividades de educação em diálogo com diversas linguagens artísticas.

Escola Olodum
Escola Olodum (Foto: Carolina Pereira/Divulgação)

E Olodum se torna banda de música, Bando de Teatro, Fábrica de Carnaval, seminário, jornal, livro, fonte de pesquisas sobre a África, campanha contra a violência e pela paz. 

Por onde toquem os seus tambores, pulsa o coração da Bahia, com a vibração positiva de uma história marcada por musicalidade e cidadania. A Banda revoluciona a linguagem da música brasileira e do carnaval baiano com o samba-reggae e, ainda, promove o maior festival de música e artes afro do Brasil, o Femadum – Festival de Música e Artes do Olodum,  pensado originalmente para a escolha dos temas dos carnavais do bloco.

“Rufar dos tambores”

É o nome da primeira escola de tambores afro-brasileira do Olodum e do país – desde 25 de outubro de 1984, referência nacional e internacional pela inovação no trabalho com arte, educação e pluralidade cultural, um espaço real de participação e expressão da comunidade afrodescendente.

Do projeto – hoje chamado Escola Criativa Olodum – saíram os percussionistas da  primeira Banda Mirim Olodum e, ao longo de 30 anos, cerca de 20 mil crianças e adolescentes, de 7 a 21 anos, se formaram.

Tendo como critério a matrícula dos estudantes na rede municipal ou estadual de ensino, a escola se propõe  “revelar grandezas”, a potência do povo negro, para que a inclusão cidadã se torne posível.

Os participantes do projeto também participam de seminários, oficinas de danças afro e de canto coral, além de aulas de informática.

Companhia de teatro

O Bando de Teatro Olodum é o grupo de teatro negro de maior longevidade da América Latina. Criado em 1990, teve como inspiração o Teatro Experimental do Negro, mas desenvolveu uma linguagem e estética próprias com peças aclamadas como “Ó pai Ó” – mais tarde adaptada para cinema e televisão. O Bando – como é mais comumente chamado – foi o berço de grandes artistas, se espalhou pelos bairros da capital baiana e pelo país, formando atores como Lázaro Ramos. Com o passar dos anos, entretanto,  a companhia  se desvinculou do bloco, ligando-se ao Teatro Vila Velha.

Bando de Teatro Olodum
Apresentação do espetáculo “Áfricas” do Bando de Teatro Olodum, no teatro da Caixa Cultural de Brasília, em novembro de 2017. (Foto: Matheus Alves / Clique Negro)

Encena contos africanos, histórias vinculadas aos negros, atrai a todos que enxergam o teatro de transformação como ferramenta de luta contra o preconceito racial, por igualdade. 

“Resistência Ativa” e fama internacional

A carreira do Olodum inclui excursões por muitos países da Europa, pelo Japão e por quase toda América do Sul. Um de seus momentos de mais significativos  acontece em 1990, quando o grupo de percussão participa da faixa The Obvious Child, do disco de Paul Simon, The Rhythm of the Saints.

Na oportunidade, os integrantes contam que querem fazer contato com Spike Lee e o próprio Paul Simon promove o encontro com o cineasta, que é convidado para ir à Bahia. Porque lá – explica o grupo -, além de muitos negros, da cultura efervescente e da identidade, há uma “resistência ativa”

Spike Lee não imagina do que se trata. E, assim, se passam seis anos de conversas até que Spike Lee avisa que está chegando e levando um artista pop internacional. Na fita k-7 enviada, o bloco descobre que o artista é Michael Jackson! 

Para gravar o clipe, ele pede 215 percussionistas e dois dias, um de ensaio e outro de gravação. Michael era ídolo do pessoal do Olodum. Mas foi ele quem ficou “fascinado com tanta gente tocando precursão”, contou João Jorge, no programa Guia Negro Entrevista.

“Nunca tinha visto isso no mundo”,
 disse chorando o ídolo pop ao final da gravação.

“Eles não ligam pra gente”

O clipe icônico da música “They Don’t Care About Us”, de Michael Jackson, gravado em 1996 no Pelourinho, em Salvador, e no morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, confirma, ainda hoje, a realidade contida no título da música: “Eles não ligam pra gente”

Atualizado com imagens dos protestos #blacklivesmatter, em 2020, também reflete o desafio permanente do Olodum de não mudar a rota e fortalecer a proposta de produção cultural com teatro e música de afirmação, apesar das tentações e apropriações do “mercado de arte”.

Marcado pela presença intensa da percussão composta por tambores de tipos diferentes e tocados por cerca de 200 músicos, o samba-reggae mostrou tanta potencialidade que foi apropriado pelos blocos de trio elétrico. Nos anos 1990, bandas do que, mais tarde, viria a ser chamado axé music, incluíram instrumentos harmônicos, como a guitarra, e diminuíram a quantidade de percussionistas para que se adequasse aos trios elétricos.

Leia no Sem Mordaça texto sobre a chamada axé music.

O sucesso fez os blocos tradicionais se adaptarem. Isso porque se repetia uma velha história vivida pelo samba as músicas do Olodum e de outros blocos afro passaram a ganhar projeção na voz de outros cantores. 

Expressiva exceção é o tradicional Ilê Aiyê, que até hoje participa dos carnavais com os tambores e os pés no chão.

Desfile Filhos de Gandhy
Desfile dos Filhos de Gandhy, carnaval de Salvador de 2020 — Foto: Sérgio Pedreira/Aghaack

A entrada no “mercado da música” e o fato de ter virado atração turística tornaram as letras do samba-reggae menos contundentes do ponto de vista ideológico, falando mais da alegria, de forma geral.

João Jorge usa o argumento da sustentabilidade para continuar existindo:

“No mercado nacional, um grupo que faz música, livro, inspirou o funk
e o rap nacional não é de nenhum significado, mas no exterior, sim”.

De fora para dentro

O presidente do bloco destaca a atenção do olhar estrangeiro sobre o Olodum que, depois do prestígio no mercado internacional, voltou a ser manchete em todos os cadernos de cultura do país, o que gerou mais fama, dinheiro e poder para interceder junto ao governo do Estado pela restauração do Pelourinho

O ponto de partida foi a premiação do cantor americano Paul Simon, que ganhou o Grammy americano em 1991, na categoria world music com o CD The Rhytm of the Saints, do qual participou a  bateria do Olodum.

João Jorge afirma que “há na restauração do Pelourinho a marca indelével do Olodum”.  Mas há controvérsias se este novo “status”…

“Shopping center colonial”

Se a degradação física, social, cultural e moral do Pelourinho foi resgatada com a força do Olodum, a restauração do centro histórico não contemplou a  população estigmatizada que habitava a área desde os anos 1970.

Com o Olodum padrão internacional, a frequência dos brancos e ricos nos ensaios passou a ser “um dos retratos mais perfeitos da suposta democracia racial baiana” – escreve a antropóloga Goli Guerreiro no texto As transformações estéticas do samba-reggae, publicado no site de disciplinas da Universidade de São Paulo.

A revitalização do Pelourinho e a saída dos moradores originais permitiu a chegada de um comércio de alto nível no local. Boutiques como Benetton se instalam ao lado da Boutique do Olodum. Restaurantes de comida internacional disputam fregueses com o mercado informal das baianas de acarajé e dos menores vendedores de amendoim e de queijo coalho assado… no que a acadêmica classifica de “espécie de shopping center colonial”

Os negros passam a frequentar o bairro a trabalho ou a passeio, mas o  lugar tornou-se dos  brancos , que estavam ali para consumir nossos produtos, cultura e principalmente nossa música

Loja do Olodum
Loja Olodum (Foto: Acervo Olodum)

Quanto ao Olodum – escreve Goli Guerreiro -, transformou-se em uma holding – espécie de empresa com vários ramos de atuação -, comercializando  produtos com sua marca como camisetas, bonés, chaveiros, sapatilhas, adesivos, toalhas, além de explorar dois bares no Centro Histórico de Salvador. 

O presidente da entidade garante que todo o dinheiro arrecadado serve para viabilizar a Fábrica de Carnaval, que produz os itens à venda na boutique, além das fantasias do bloco e instrumentos percussivos, inclusive para exportação.

Não perdeu as raízes, a vinculação à luta por igualdade e a ideologia do Pan-africanismo – garante João Jorge, para quem é preciso continuar a se reinventar, inovar e seguir na luta por políticas públicas, educação e trabalho para negros.

Fontes: Guia Negro, FacomUFBA,  Wikipedia, Agência Brasil, SalvadordaBahia.com, Esquerdaonline, USP-Edisciplinas

Olodum: Batidas de Resistência e a Celebração da Cultura Afro-Brasileira

O Olodum, fundado na Bahia, não é apenas uma banda de música, mas um movimento cultural de profundo impacto social e político. Com origens no Candomblé, seu nome reflete a veneração a Olodumaré, o Deus criador do Universo na tradição Yorubá. Este coletivo se destaca por sua escola de tambores, projetos educacionais e ativismo, promovendo a valorização da diversidade cultural. Suas cores – verde, vermelho, amarelo, preto e branco – simbolizam a riqueza, o sangue, as florestas, o orgulho negro e a paz, respectivamente, e são um manifesto visual contra o racismo. O Olodum transformou o Pelourinho, um local de dor histórica, em um espaço de celebração da identidade afro-brasileira, colaborando com artistas internacionais como Michael Jackson e se tornando um ícone global da resistência negra.

O que significa Olodum? Na língua Yorubá, Olodum significa “Deus dos deuses” ou “Deus maior”, referindo-se a Olodumaré, o Deus criador do Universo.

Qual é a missão do Olodum? O Olodum visa promover a educação, a cultura afro-brasileira e o ativismo social, utilizando a música como ferramenta de resistência e afirmação da identidade negra.

Como o Olodum influencia a cultura afro-brasileira? Através de sua música, projetos educacionais e ativismo, o Olodum promove a valorização da pluralidade cultural e luta contra o racismo, tornando-se um símbolo de orgulho e resistência negra.

Quais são as cores do Olodum e o que representam? As cores do Olodum são verde (florestas da África), vermelho (sangue da raça negra), amarelo (ouro da África), preto (orgulho da raça) e branco (paz mundial), simbolizando a luta contra o racismo e a afirmação da diáspora africana.

Como o Olodum transformou o Pelourinho? O Olodum transformou o Pelourinho, anteriormente um local marcado pela dor da escravidão, em um espaço de reverência e resistência negra, revitalizando a área e promovendo a cultura afro-brasileira.

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