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Francia Márquez, a primeira vice-presidente negra da Colômbia

Ativista em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, reconhecida por sua luta contra o garimpo, já trabalhou como doméstica e é advogada.

Francia Márquez (Imagem: Marie Claire)
Francia Márquez (Imagem: Marie Claire)

O dia 19 de junho de 2022 entra para a história da Colômbia e do negro em diáspora: uma mulher negra, Francia Elena Márquez Mina, pela primeira vez, conquista a Vice Presidência do seu país. Ela tem 40 anos e é mãe solo de dois filhos. Assume o cargo em 7 de agosto de 2022.

Líder social, ativista ambiental, defensora dos direitos humanos, feminista, advogada, premiada, Francia é a segunda mulher a ocupar o cargo e uma “revelação eleitoral”, na avaliação da revista de negócios Forbes Colombia e da CNN en Español, por sua capacidade de aglutinar apoiadores.

Ela cresceu após sua participação nos protestos nacionais em 2019 e 2020, quando escrevia em suas redes sociais que queria ser presidente do país para que “as crianças pudessem andar na rua sem medo de serem assassinadas

O nascer

1º de dezembro de 1981, comunidade de La Toma, povoado de Yolombó, de maioria negra, na cidade de Suarez, em Cauca, um dos estados mais pobres e com maiores índices de violência da Colômbia: nasce Francia Elena Márquez Mina.

Sua infância é marcada – como conta – por um tempo na casa dos avós maternos, outro com a mãe – parteira, agricultora, mineira – e o restante com os avós paternos.

Francia Márquez com membros da comunidade (Imagem: Goldman Environmental Prize)
Francia Márquez com membros da comunidade (Imagem: Goldman Environmental Prize)

Na adolescência, trabalha como garimpeira artesanal de ouro – assim como seu pai e se torna ativista quando, aos 13 anos, mobiliza a comunidade contra projetos do governo que alterariam o curso do rio Ovejas, um dos maiores e mais importantes da bacia hidrográfica da região.

Mas é como empregada doméstica em Cali que sustenta a família – ela tem 16 anos quando tem o primeiro filho -, paga os estudos e forma-se em Direito pela Universidade Santiago de Cali.

Linha de frente

Denunciar as sistemáticas violações de direitos humanos a que tem sido submetido o povo afro-colombiano, a resistência e a luta para permanecer nos territórios reconhecidos como ancestrais levou Francia Márquez para os Estados Unidos, Equador, Panamá, México, Cuba, Suíça e França.

Sua estratégia – em instituições governamentais e não governamentais – é apresentar o seu olhar para o funcionamento do racismo estrutural na Colômbia e como as mulheres negras “são fortemente violentadas e seus corpos usados ​​como instrumento de guerra“.

Em junho de 2020, eleita presidente do Comitê Nacional de Paz, Reconciliação e Convivência do Conselho Nacional, Francia apoia e impulsiona a implementação do acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que depuseram as armas após 50 anos de conflitos.

Francia Márquez conversa com o povo colombiano em Bogotá (Imagem: Reprodução)
Francia Márquez conversa com o povo colombiano em Bogotá (Imagem: Reprodução)

E, ainda, participando das negociações, com relatos sobre como o conflito armado político e econômico afeta desproporcionalmente as comunidades afro-colombianas e, em especial, as mulheres negras. Nas suas falas, também, fica evidente a necessidade de se garantir um lugar de escuta dos povos étnicos para se alcançar uma paz estável.

Seu ativismo contra a mineração ilegal a levou a conquista do Prêmio Nacional de Defesa dos Direitos Humanos na Colômbia, em 2015. E, três anos depois, o Prêmio Goldman, que destaca seis pessoas do planeta extremamente comprometidas com as causas ambientais de suas comunidades e é considerado o “Nobel do Meio Ambiente“.

Em entrevista ao jornal colombiano El Tiempo, na ocasião em que recebeu a homenagem internacional, declarou: 

“Não é um prêmio apenas para a Francia, mas para uma luta de toda a minha vida, para as mulheres que marcharam comigo, para a comunidade, para as pessoas que morreram defendendo a vida.”

Morte sempre possível

Com a vida sob risco várias vezes, Francia viveu escondida até ter que sair da região onde nasceu. E, mesmo assim, sem poder abrir mão de um esquema de proteção. 

A represália maior à sua militância se materializa em um atentado, em maio de 2019, com granadas e rajadas de fuzil

Em um dos comícios, em Bogotá, quando era comemorado o dia da afrocolombianidade, seus assessores decidiram tirá-la do palco às pressas quando um laser verde foi apontado contra a então candidata.

Francia Márquez (Imagem: One Earth)
Francia Márquez (Imagem: One Earth)

A Colômbia é o lugar mais perigoso para ativistas ambientais na América Latina e no mundo. Só em 2021, 65 ativistas foram mortos no país, de acordo com o último relatório da Global Witness, organização inglesa que monitora todos os anos atos de violência contra esses líderes.

Mas a verdade do filósofo Friedrich Nietzsche, no século XIX, vale para a Francia Márquez: aquilo que não a mata, a fortalece. E ela cresce no cenário político.

O vôo

Em 2021, acontece o lançamento da sua pré-candidatura à Presidência da Colômbia. Ela fica em 3º lugar nas primárias partidárias. O economista Gustavo Petro, ex-combatente da guerrilha M-19, atualmente senador da Colômbia, fica com a segunda posição. Os dois unem suas candidaturas na chapa Pacto Histórico e conquistam 50,49% dos votos, de cerca de 22 milhões de colombianos. 

Nota destoante: quase 42% da população se absteve, não foi votar!

Francia Márquez e Gustavo Petro (Imagem: Reprodução)
Francia Márquez e Gustavo Petro (Imagem: Reprodução)

Na proposta dos dois – que conseguiram eleger também a maioria no Congresso -, a implementação integral dos Acordos de Paz; a realização da reforma agrária, com distribuição de terras para pequenos agricultores, substituição de cultivos ilícitos; reforma da polícia e demais forças de segurança, acabando com a obrigatoriedade do serviço militar, e implementando conselhos regionais de segurança; reforma tributária para aumentar os impostos aos mais ricos e gerar fundos para financiar projetos de gratuidade no ensino superior.

Durante a campanha ainda, Francia promete, se eleita, ajudar na criação e manutenção de direitos para mulheres, negros, indígenas, camponeses e para a população LGBTQIA+:

“Para mim, ocupar um cargo no Estado não é o fim da trajetória. O fim pra mim é viver em um lugar mais justo e digno para todos. O fim é diminuir a mortalidade negra. Chegar à Presidência da Colômbia é um meio, ocupar o Estado é um meio para seguir movendo essa luta que queremos como povo e como humanidade”.

A ascensão de Francia é, sem dúvida, das mais significativas. Não apenas porque ela ser negra em uma nação onde os afro-colombianos – 10% da população assim se identifica – são regularmente sujeitos ao racismo, mas também porque ela vem da pobreza em um país onde brancos, ricos e conservadores sempre ocuparam o poder.

Após a confirmação da vitória nas urnas, suas primeiras palavras foram:

“Quero agradecer a todos os homens e mulheres colombianos que deram suas vidas por este momento. Todos os nossos irmãos e irmãs, líderes sociais, que infelizmente foram assassinados neste país. Aos jovens assassinados e desaparecidos, às mulheres violentadas e desaparecidas. (…) 

Obrigada por terem pavimentado o caminho, por terem plantado a semente da resistência e da esperança”.

E, ainda, publicou no Twitter:

isto é pelos avôs e avós, mulheres, jovens, pessoas LGBTQI+, indígenas, camponeses, trabalhadores, vítimas, meu povo negro, que resistiram e também aqueles que já não estão. Por toda Colômbia! 

Hoje começamos a escrever uma nova história”.

E, registre-se, também para a história que as Eleições 2022 na Colômbia registraram o recorde de cinco candidatos afrocolombianos à Vice-Presidência na primeira etapa da disputa, fato inédito e que ocorre quando há cerca de 170 anos os afrodescendentes estavam em condições de escravidão no país.

Estilo ativista

Nada sem intenção. Em Francia, tudo informa, comunica, inspira… E isso vale quando o assunto são suas roupas e adereços, sempre com estampas africanas, cores fortes, tranças, bijus e acessórios que remetem à religiosidade afro, reforçam seu lugar de fala e de onde fala.

Para ilustrar, vale lembrar a Marcha dos Turbantes em 17 de novembro de 2014 – quase 20 anos depois de seu primeiro ativismo para denunciar os impactos negativos da mineração ilegal, responsável pela contaminação das águas do rio Ovejas, com mais de 30 toneladas de mercúrio, poluindo uma área de 230 km e comprometendo a saúde e o meio ambiente.

Francia Márquez segura bandeira com as palavras "Justiça por Marielle" (Imagem: Reprodução | Marcha)
Francia Márquez segura bandeira com as palavras “Justiça por Marielle” (Imagem: Reprodução | Marcha)

Nesse dia, lá estava Francia, liderando, a partir de sua aldeia, uma marcha com 15 mulheres afrodescentes, em defesa da vida negra e da proteção dos territórios ancestrais. Em dez dias, elas percorrem, a pé, 600 quilômetros, de La Toma a Bogotá, capital do país, e se multiplicam pelo caminho, unidas, identificadas com seus panos étnicos na cabeça, para pressionar o governo colombiano.

Elas eram dezenas em 27 de novembro, quando chegaram a Bogotá. E permaneceram na capital até 11 de dezembro e exigem o cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional, de proteção dos territórios ancestrais e o fim do garimpo ilegal.

Após a mobilização, conquistaram o reconhecimento de 27 Conselhos Comunitários do Norte Cauca, como sujeitos de reparação coletiva.

Ubuntu

No dia a dia, Francia segue enfrentando as micro agressões racistas, como xingamentos e desqualificação, o racismo estrutural, o machismo e as campanhas de desinformação.

Não por acaso, nossa pioneira se elege com o lema “Sou porque somos” – um resgate da consciência de que fazemos parte de um todo

Ubuntu, a filosofia africana, se baseia nos princípios de lealdade, humildade, empatia e respeito. E pode ser compreendida a partir da história de um antropólogo que visita um povoado africano para conhecer a sua cultura, seus valores fundamentais e propõe uma brincadeira para as crianças, de modo a fazê-las disputar um cesto de frutas.

Ele lança o desafio:

 “A primeira que chegar à árvore ficará com o cesto de frutas.”

E dá o sinal para que comece a corrida.

Neste momento, as crianças se dão as mãos, correm juntas e desfrutam juntas do prêmio.

O antropólogo não entende por que elas fizeram isso e uma das crianças explica com uma palavra africana que, na cultura Zulu e Xhosa, significa:

‘Sou quem sou porque somos todos nós’

A criança diz: 

“Ubuntu”.

E pergunta: 

“Como um de nós poderia ficar feliz se o resto estivesse triste?”


Fontes: Uol, EduClub, Carta Capital, Metropoles, Brasil de Fato, Wikipédia-Es, BBC , G1

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