Cada orixá, na mitologia africana, representa uma filosofia, uma perspectiva de viver em sociedade, de cosmo-percepção da vida. Iansã, entidade feminina, exalta a potência espiritual, a quebra de paradigmas.
O que este artigo responde: Quem é Iansã na mitologia africana? Qual orixá simboliza a potência espiritual e a quebra de paradigmas? Qual orixá é associada ao ar, trovões, ventos, raios e fogo? Qual é o significado do nome Iansã? Como Iansã é representada no candomblé e na umbanda? Qual é a relação entre Iansã e Santa Bárbara? Quais são as principais características dos filhos de Iansã? Em qual animal Iansã se transforma quando fica irada? Onde nasce o culto a Iansã? Qual a saudação a Iansã? Quais os mitos de Iansã? Com quais orixás Iansã se relaciona amorosamente?
– por Tania Regina Pinto
O ar em movimento, o barulho dos trovões, os ventos, os raios e o fogo avisam da presença de Iansã que, protetora ao extremo, guarda os seus das tempestades da vida. Ela é uma das yabás mais populares e cultuadas na umbanda e no candomblé.
O nome Iansã (Oyá, em iorubá) significa “mãe do céu rosado” ou “mãe do entardecer”. E Xangô, seu parceiro, diz que ela é radiante como o entardecer e a reverencia, também, como o vento personificado que precede a tempestade.
Iansã exalta a potência espiritual e a força feminina daquela que não foge à luta; conduz a energia das quartas-feiras – como Xangô, seu parceiro – e promove a transformação do velho e estagnado para o novo, faz acontecer a travessia espiritual, que é o sentido da vida.
“A vida só tem sentido quando se sabe qual é o melhor percurso”
– ensinam as filosofias africanas.
De temperamento agressivo – Obá e Oxum perdem para ela -, é considerada uma das mais guerreiras e imponentes.
Rio Niger
Seu culto nasce na Nigéria, mais especificamente às margens do Rio Niger, e chega ao Brasil com o tráfico e a escravização do povo africano, sob as “bênçãos malditas” da igreja católica. Igreja que, ao mesmo tempo, demoniza os saberes africanos e se apropria de todo o conhecimento do berço da humanidade.
No cenário cristão, Iansã torna-se Santa Bárbara – “por coincidência” também conhecida por proteger contra os raios da tempestade e por utilizar vestes de cor vermelha.
Iansã e Santa Bárbara – checando as “coincidências” – representam muito para o imaginário feminino libertário. A original e a versão são a mulher que triunfa, que se coloca acima da dominação masculina. As duas remetem ao período matriarcal, onde a mulher era quem dominava a sociedade. E trazem a força da sensualidade e a auto suficiência.
A história de Xangô, Iansã e Ogum confirma a orixá como a mulher que escolhe o homem com quem quer ficar.
DNA
As filhas e os filhos de Iansã são extremamente inteligentes, vivem em constante busca de conhecimento, são criativos, protetores e envolventes, costumam ser fortes, leais, de temperamento explosivo, diálogo direto, intensos e, por vezes, “difíceis” de lidar.
Nos relacionamentos, escolhem parceiros independentes e que amem a liberdade – para si e para os outros. Ela rege o amor forte, violento.
Suas filhas, ou mulheres que tenham Iansã próximas de si na Terra, são sensuais, ousadas, falam o que pensam e sofrem muito, seja por qualquer motivo, especialmente no amor.
Batalhadoras, trabalham incansavelmente. Guerreiras, lutam como peões. Geralmente, cuidam de tudo sozinhas, até dos filhos.
Eparrei Oyá! Eparrei Iansã!
Salve a mãe dos nove espaços de orum
“Oyá representa a força da mulher guerreira, a mulher que não se curva diante das dificuldades, que é vento, ventania, que está em todo lugar, presente mesmo quando não se vê, na força que nasce, na hora que não se vê. Representa a quebra de paradigma da mulher frágil, sem perder a beleza, a feminilidade e, até mesmo, a docilidade de uma mãe.” (filha de santo Nelzilane ti Yemonjá, iniciada no candomblé)
Sem problemas com a morte
Além das tempestades, ventanias e raios, a morte faz parte dos seus domínios – assim como dos domínios de Obaluaê. Iansã tem o poder de encaminhar os mortos ao mundo espiritual.
Existem quase 30 tipos de Iansã que se mostram de diversas maneiras e arquétipos, conforme as personalidades e posturas.
Por seu temperamento inquieto e extrovertido em qualquer lugar chama a atenção. Sempre a sua palavra é a que vale – gosta de impor aos outros a sua vontade. Não admite ser contrariada, pouco importando se tem ou não razão.
Em estado normal é muito alegre e decidida. Questionada, torna-se violenta, partindo para a agressão, com berros, gritos e choro. Tem um prazer enorme em contrariar todo tipo de preconceito. É audaciosa, impulsiva, imprevisível, não se prende ao social convencional.
Passa por cima de tudo, quando fica tentada por uma aventura. Em seus gestos demonstra o momento que está passando, não consegue disfarçar a alegria ou a tristeza.
Sua grande qualidade?
A garra.
Seu grande defeito?
A impensada franqueza, que lhe prejudica o convívio social.
Se o seu gênio fosse controlado, seria uma pessoa muito mais feliz e querida. O problema é que as filhas e os filhos de Iansã gostam de seus defeitos.
Lado sombra
Independente, audaciosa, Iansã é a força dos ventos, dos raios, que expressam a veemência, a intensidade e, às vezes, fulmina (como um raio) a capacidade de diálogo com sua impulsividade.
Certa vez, Ogum foi caçar e nesta caça viu um búfalo e uma mulher muito atraente, era Iansã. Ogum percebeu que a pele de búfalo era o lado animal de Iansã. Ele se apaixona e rouba a pele dela.
Iansã não quer nada com ele, sabe o que ele fez mas não fala nada. Quando Ogum a pede em casamento, ela aceita, desde que ele nunca faça piada sobre o seu lado animal. Ele concorda.
Mas o orixá tinha outras esposas que, com ciúme de Iansã, decidem embebedar Xangô para que ele conte onde está escondida a pele de búfalo. Ele cai na esparrela.
Um dia, quando Xangô sai para caçar, elas pegam a pele de búfalo e começam a fazer piadinhas do lado animal de Iansã. Ela vira búfalo, ataca e mata todas as mulheres. Poupa os nove filhos, deixa um sinal dos chifres neles e os orienta: “Eu vou embora e se vocês precisarem de mim é só me invocar através dos chifres”.
É o lado sombra de Iansã. É o lado animal, agressivo, de cada um de nós, que pode manifestar-se na violência física e na violência verbal, presente na personalidade de mulheres que se identificam com este jeito de ser e que sentem dificuldade de conter os impulsos.
Lado luz
Iansã tem a força do vento, que simboliza o sopro de vida, que traz prosperidade e progresso. É a força que a gente não vê, mas sente.
Um mito nos conta que Ogum trabalhava em sua forja e Oxarianã queria apressá-lo para ter suas armas. Ogum explicava que não dava para fazer mais depressa. Aí, Iansã começa a assoprar as brasas da forja e o vento acelera a produção de armas e ferramentas de Ogum.
Oxarianã fica feliz, se apaixona por Iansã e foge com ela.
Outro mito se refere a Iansã estéril. Querendo ser mãe, ela faz o sacrifício de um carneiro, consegue parir nove filhos e nunca mais come da carne do animal – atitude que fala da necessidade de termos respeito a tudo e a todos, um respeito permanente por nossa história inteira, incluindo os que vieram antes.
Um terceiro mito, sobre esterilidade, diz que Iansã não tinha filhos, busca o oráculo e fica sabendo que só vai ter um filho quando for tomada a força por um homem raivoso. Xangô a possui com muita raiva e dessa relação nascem oito filhos, todos mudos. Ela volta ao sacerdote, ao oráculo, e é orientada a fazer o sacrifício. Ela faz e nasce o nono filho.
O mito não diz quem é o pai do nono filho, mas algo de diferente aconteceu. O nono filho nasce falando – voz grave e rouca. Ele é Egungun, espírito dos mortos, a ancestralidade que se reverencia diante da mulher.
Ainda sobre o seu lado luz, a beleza de Obaluaê, o senhor da terra dos mortos, aparece quando ela dança com ele e faz o vento movimentar a sua roupa. Agradecido, ele entrega a ela o reino dos mortos.
O sopro do vento, que traz a beleza da vida, traz à tona também o que está encoberto, amplia o olhar de quem vê e de quem se vê.
Mas Iansã não está preocupada em agradar…
Iansã também consegue ver coisas na gamela de Xangô e percebe quando, certa vez, foi receber homenagens e acabou preso. Ela descobre onde ele está, vê que está sem forças, e começa a mandar rajadas de ventos e raios, libertando-o.
Sempre aprendiz
Seus atributos, Iansã os conquista em seus casamentos, com os parceiros. Ela tem facilidade de absorver conhecimentos. Aprende mesmo que o outro não queira ensinar e usa na necessidade.
É o caso da leitura na gamela que ela utiliza em benefício do casal. O ensinamento embutido no seu gesto é a importância de se compartilhar visões de mundo, como contribuição no fortalecimento da vida a dois, porque amplia a consciência dos dois.
E Iansã conquistou ainda:
- o raio e o fogo de Xangô
- o domínio sobre os reinos dos mortos de Obaluaê
- a espada de Ogum
- a capacidade da pesca de Logun Edê
Mas Xangô foi seu parceiro definitivo.
Fontes: Cultura Uol, O Candomblé, Guia da Alma, Wikipédia, Pai Maneco, Instituto Freedom – Mitologia Afrobrasileira e Psicanálise
Escrito em 2 de julho de 2023.
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