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Iansã, à frente de seu tempo

Cada orixá, na mitologia africana, representa uma filosofia, uma perspectiva de viver em sociedade, de cosmo-percepção da vida. Iansã, entidade feminina, exalta a potência espiritual, a quebra de paradigmas.

– por Tania Regina Pinto 

Iansã (Imagem: Reprodução)
Iansã (Imagem: Reprodução)

O ar em movimento, o barulho dos trovões, os ventos, os raios e o fogo avisam da presença de Iansã que, protetora ao extremo, guarda os seus das tempestades da vida. Ela é uma das yabás mais populares e cultuadas na umbanda e no candomblé.

O nome Iansã (Oyá, em iorubá) significa  “mãe do céu rosado” ou  “mãe do entardecer”. E Xangô, seu parceiro, diz que ela é radiante como o entardecer e a reverencia,  também, como o vento personificado que precede a tempestade

Iansã exalta a potência espiritual e a força feminina daquela que não foge à luta; conduz a energia das quartas-feiras – como Xangô, seu parceiro – e promove a transformação do velho e estagnado para o novo, faz acontecer a travessia espiritual, que é o sentido da vida.

“A vida só tem sentido quando se sabe qual é o melhor percurso”
 – ensinam as filosofias africanas.

De temperamento agressivo – Obá e Oxum perdem para ela -, é considerada uma das mais guerreiras e imponentes.

Rio Niger

Seu culto nasce na Nigéria, mais especificamente às margens do Rio Niger, e chega ao Brasil com o tráfico e a escravização do povo africano, sob as “bênçãos malditas” da igreja católica. Igreja que, ao mesmo tempo, demoniza os saberes africanos e se apropria de todo o conhecimento do berço da humanidade.

No cenário cristão, Iansã torna-se Santa Bárbara – “por coincidência” também  conhecida por proteger contra os raios da tempestade e por utilizar vestes de cor vermelha.

Imagens de Santa Bárbara e Iansã (Foto: Reprodução)
Imagens de Santa Bárbara e Iansã (Foto: Reprodução)

Iansã e Santa Bárbara – checando as “coincidências” – representam muito para o imaginário feminino libertário.  A original e a versão são a mulher que triunfa, que se coloca acima da dominação masculina. As duas remetem ao período matriarcal, onde a mulher era quem dominava a sociedade. E trazem a força da sensualidade e a auto suficiência

A história de Xangô, Iansã e Ogum confirma a orixá como a mulher que escolhe o homem com quem quer ficar

DNA 

As filhas e os filhos de Iansã são extremamente inteligentes, vivem em constante busca de conhecimento, são criativos, protetores e envolventes, costumam ser fortes, leais, de temperamento explosivo, diálogo direto, intensos e, por vezes, “difíceis” de lidar.

Nos relacionamentos, escolhem parceiros independentes e que amem a liberdade – para si e para os outros. Ela rege o amor forte, violento.

Suas filhas, ou mulheres que tenham Iansã próximas de si na Terra, são sensuais, ousadas, falam o que pensam e sofrem muito, seja por qualquer motivo, especialmente no amor. 

Batalhadoras, trabalham incansavelmente. Guerreiras, lutam como peões. Geralmente, cuidam de tudo sozinhas, até dos filhos.

Eparrei Oyá! Eparrei Iansã! 

Salve a mãe dos nove espaços de orum

“Oyá representa a força da mulher guerreira, a mulher que não se curva diante das dificuldades, que é vento, ventania, que está em todo lugar, presente mesmo quando não se vê, na força que nasce, na hora que não se vê.  Representa a quebra de paradigma da mulher frágil, sem perder a beleza, a feminilidade e, até mesmo, a docilidade de uma mãe.” (filha de santo Nelzilane ti Yemonjá, iniciada no candomblé)

Sem problemas com a morte

Além das tempestades, ventanias e raios, a morte faz parte dos seus domínios – assim como dos domínios de Obaluaê. Iansã tem o poder de encaminhar os mortos ao mundo espiritual.

Existem quase 30 tipos de Iansã que se mostram de diversas maneiras e arquétipos, conforme as personalidades e posturas.

Por seu temperamento inquieto e extrovertido em qualquer lugar chama a atenção. Sempre a sua palavra é a que vale – gosta de impor aos outros a sua vontade. Não admite ser contrariada, pouco importando se tem ou não razão. 

Iansã (Imagem: Reprodução)
Iansã (Imagem: Reprodução)

Em estado normal é muito alegre e decidida. Questionada, torna-se violenta, partindo para a agressão, com berros, gritos e choro. Tem um prazer enorme em contrariar todo tipo de preconceito. É audaciosa, impulsiva, imprevisível,  não se prende ao social convencional.

Passa por cima de tudo, quando fica tentada por uma aventura. Em seus gestos demonstra o momento que está passando, não consegue disfarçar a alegria ou a tristeza

Sua grande qualidade?

A garra.

Seu grande defeito?

A impensada franqueza, que lhe prejudica o convívio social. 

Se o seu gênio fosse controlado, seria uma pessoa muito mais feliz e querida. O problema é que as filhas e os filhos de Iansã gostam de seus defeitos.

Lado sombra

Independente, audaciosa, Iansã é a força dos ventos, dos raios, que expressam a veemência, a intensidade e, às vezes, fulmina (como um raio) a capacidade de diálogo com sua impulsividade.

Certa vez, Ogum foi caçar e nesta caça viu um búfalo e uma mulher muito atraente, era Iansã. Ogum percebeu que a pele de búfalo era o lado animal de Iansã. Ele se apaixona e rouba a pele dela. 

Iansã não quer nada com ele, sabe o que ele fez mas não fala nada. Quando Ogum a pede em casamento, ela aceita, desde que ele nunca faça piada sobre o seu lado animal. Ele concorda.

Mas o orixá tinha outras esposas que, com ciúme de Iansã, decidem embebedar Xangô para que ele conte onde está escondida a pele de búfalo. Ele cai na esparrela.

Um dia, quando Xangô sai para caçar, elas pegam a pele de búfalo e começam a fazer piadinhas do lado animal de Iansã. Ela vira búfalo, ataca e mata todas as mulheres. Poupa os nove filhos, deixa um sinal dos chifres neles e os orienta: “Eu vou embora e se vocês precisarem de mim é só me invocar através dos chifres”.

É o lado sombra de Iansã. É o lado animal, agressivo, de cada um de nós, que pode manifestar-se na violência física e na violência verbal, presente na personalidade de mulheres que se identificam com este jeito de ser e que sentem dificuldade de conter os impulsos.

Lado luz

Iansã tem a força do vento, que simboliza o sopro de vida, que traz prosperidade e progresso.  É a força que a gente não vê, mas sente. 

Um mito nos conta que Ogum trabalhava em sua forja e Oxarianã queria apressá-lo para ter suas armas. Ogum explicava que não dava para fazer mais depressa. Aí, Iansã começa a assoprar as brasas da forja e o vento acelera a produção de armas e ferramentas de Ogum.

Oxarianã fica feliz, se apaixona por Iansã e foge com ela.

Outro mito se refere a Iansã estéril.  Querendo ser mãe, ela faz o sacrifício de um carneiro, consegue parir nove filhos e nunca mais come da carne do animal – atitude que fala da necessidade de termos respeito a tudo e a todos, um respeito permanente por nossa história inteira, incluindo os que vieram antes.

Um terceiro mito, sobre esterilidade, diz que Iansã não tinha filhos, busca o oráculo e  fica sabendo que só vai ter um filho quando for tomada a força por um homem raivoso. Xangô a possui com muita raiva e dessa relação nascem oito filhos, todos mudos. Ela volta ao sacerdote, ao oráculo, e é orientada a fazer o sacrifício. Ela faz e nasce o nono filho.

O mito não diz quem é o pai do nono filho, mas algo de diferente aconteceu. O nono filho nasce falando – voz grave e rouca. Ele é Egungun, espírito dos mortos, a ancestralidade que se reverencia diante da mulher.

Ainda sobre o seu lado luz, a beleza de Obaluaê, o senhor da terra dos mortos, aparece quando ela dança com ele e faz o vento movimentar a sua roupa. Agradecido, ele entrega a ela o reino dos mortos.

O sopro do vento, que traz a beleza da vida, traz à tona também o que está encoberto, amplia o olhar de quem vê e de quem se vê.

Mas Iansã não está preocupada em agradar…

Iansã também consegue ver coisas na gamela de Xangô e percebe quando, certa vez, foi receber homenagens e acabou preso. Ela descobre onde ele está, vê que está sem forças, e começa a mandar rajadas de ventos e raios, libertando-o.

Sempre aprendiz

Seus atributos, Iansã os  conquista em seus casamentos, com os parceiros. Ela tem facilidade de absorver conhecimentos. Aprende mesmo que o outro não queira ensinar e usa na necessidade.

É o caso da leitura na gamela que ela utiliza em benefício do casal. O ensinamento embutido no seu gesto é a importância de se  compartilhar visões de mundo, como contribuição no fortalecimento da vida a dois, porque amplia a consciência dos dois. 

E Iansã conquistou ainda:

  • o raio e o fogo de Xangô
  • o domínio sobre os reinos dos mortos de Obaluaê 
  • a  espada de Ogum 
  • a capacidade da pesca de Logun Edê

Mas Xangô foi seu parceiro definitivo.


Fontes: Cultura Uol, O Candomblé, Guia da Alma, Wikipédia, Pai Maneco, Instituto Freedom – Mitologia Afrobrasileira e Psicanálise

Escrito em 2 de julho de 2023.

1 comentário em “Iansã, à frente de seu tempo”

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