Pular para o conteúdo

Independência do Brasil, sinônimo de liberdade?

- Primeiros Negros

Ilustração de Rebelião Escrava (Imagem: Reprodução)

Quem mais que o povo negro anseia por equidade, autonomia, libertação, sinônimos de independência. Sim, mesmo antes de Pedro I, negros e negras lutavam por viver livres em uma terra livre. E a luta continua!

Conjuração Baiana, Revolta dos Alfaiates, Revolta dos Búzios são referências de um mesmo movimento, mas a nomenclatura guarda uma disputa de narrativa. Revolta dos Búzios estabelece ligação direta com as populações negras envolvidas no levante popular – faz justiça ao grande contingente de pretos e pretas  na luta por liberdade.

Movimento emancipacionista pioneiro no Brasil que antecede o 7 de setembro de 1822, a Revolta dos Búzios marca tempos de resistência guerreira por um país livre das imposições do colonizador, das correntes, chibatas, da tortura e da violência sexual.

Tudo começa com a população preta – livre e escravizada -,  soldados de baixa patente e alfaiates.Todos querem a formação de uma nova sociedade, igualitária, cidadã. Mas a ideia causa medo na elite branca e é duramente reprimida.

A Revolta ds Búzios se inicia em 12 de agosto de 1798 e termina em 8 de novembro de 1799, com os líderes, nossos heróis pretos, executados em praça pública:

Lucas Dantas Amorim Torres, soldado; Manoel Faustino dos Santos Lira, alfaiate; Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, soldado; João de Deus do Nascimento, alfaiate. (Fonte: Banco de Imagens Nova Escola)
Lucas Dantas Amorim Torres, soldado; Manoel Faustino dos Santos Lira, alfaiate; Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, soldado; João de Deus do Nascimento, alfaiate. (Fonte: Banco de Imagens Nova Escola)

“O levante pensava independência com  abolição”, ensina a professora Ynaê Lopes dos Santos, da Universidade Federal Fluminense. E os revoltosos usavam pulseiras de búzios – que pertencem a um jogo muito presente em religiões tradicionais africanas – para se identificarem.

Mas não só eles. Na mesma época, grande parte dos movimentos e revoltas no Pará, no Maranhão, no Piauí contava com a participação de negros e negras, a maioria da população, e reivindicava igualdade de direitos e melhores condições de vida.

Mas quem se importava com a origem dos combatentes?

Independência repressora

É. O ideal de independência exaltado pela elite branca não incluia o povo negro e ignorava a maioria dos nossos movimentos nos tempos do Brasil colônia. Ignorava e ignora historicamente, envolta em seus preconceitos, injustiças e descaso.

Durante a primeira metade do século XIX, as rebeliões escravas tiravam o sono dos latifundiários –  também em função da ameaça, representada pelo exemplo da independência do Haiti, a primeira revolução negra vitoriosa.

Independência do Haiti
Gravura representativa da luta de Independência do Haiti (Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons)

Para disfarçar o medo, os detentores do poder – de sempre – escolhem tratar as revoltas negras como  motins, desordens, quando, na verdade, eram rebeliões contra o poder estabelecido, que incluíam em seu ideal de emancipação a independência da nação.

Quando a independência ocorre, entretanto, é uma independência repressora, que massacra as revoltas que ocorrem depois, sob o argumento da manutenção do Estado nacional brasileiro.

Única

A transferência da família real portuguesa para o Rio de Janeiro é crucial para que ocorra no Brasil uma história de independência tão ímpar! Não há nenhum país da América Latina  – a não ser o Haiti – em que a Independência não tenha sido conquistada pela elite branca. Aqui no Brasil, houve o agravante da não conquista da República, porque acreditava-se que a elite brasileira não era esclarecida intelectualmente quanto o restante da elite latino-americana.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Manter o regime monárquico garante a integridade do Estado nacional. Mas a consequência é a não abolição, porque à frente do movimento estava uma elite escravocrata – formada por latifundiários e funcionários públicos -, que dependia do trabalho escravo e não  queria perder as conquistas adquiridas com a chegada da corte ao Brasil em 1808″, explica o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de livros sobre personalidades que viveram no período.

“Existia um acordo da classe política brasileira, em sua imensa maioria, para que fosse construído um país soberano alicerçado na manutenção da escravidão. Havia a compreensão de que a própria unidade nacional estava vinculada à manutenção da escravidão. A escravidão, aliás, foi a instituição que ordenou o funcionamento da sociedade brasileira, não só economicamente, mas também política e socialmente”, avalia a historiadora Ynaê Lopes dos Santos.

Manter o regime monárquico garante a integridade do Estado nacional. Mas a consequência é a não abolição, porque à frente do movimento estava uma elite escravocrata – formada por latifundiários e funcionários públicos -, que dependia do trabalho escravo e não  queria perder as conquistas adquiridas com a chegada da corte ao Brasil em 1808″, explica o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de livros sobre personalidades que viveram no período.

“Existia um acordo da classe política brasileira, em sua imensa maioria, para que fosse construído um país soberano alicerçado na manutenção da escravidão. Havia a compreensão de que a própria unidade nacional estava vinculada à manutenção da escravidão. A escravidão, aliás, foi a instituição que ordenou o funcionamento da sociedade brasileira, não só economicamente, mas também política e socialmente”, avalia a historiadora Ynaê Lopes dos Santos.

O Brasil nasceu apostando no futuro da escravidão.

(historiador Luiz Felipe de Alencastro)

Racismo estrutural

Na época da luta pelo fim do jugo português, era efervescente a busca pela abolição não só no Brasil, mas “o apagamento das lutas negras faz parte do racismo estrutural”, da estratégia de desumanização, denuncia o pesquisador da história negra Guilherme Soares Dias, consultor em diversidade.

E esse apagamento ocorre não só sobre as revoltas pós 7 de setembro, como também sobre os movimentos que ocorriam antes. “Muitas das revoltas do Brasil colonial tinham objetivos separatistas, abolicionistas e republicanos. Isso acaba suprimido da história oficial brasileira”, aponta a historiadora Ynaê Lopes dos Santos.

No Período Regencial (1831-1840) foram sufocadas inúmeras insurreições negras e populares, como a Balaiada no Maranhão, a Cabanagem no Pará e a Revolta dos Malês, em Salvador. 

“A leitura oficial do 7 de setembro é calcada e estruturada pelo racismo, faz parte de um projeto de nação que se constituiu ao longo dos anos, inclusive com o advento da República”, frisa a historiadora Ynaê.

“E essa ‘história escrita por mãos brancas’, ainda, produz o descrédito das  narrativas no presente.”

(historiadora Beatriz Nascimento)

Na consolidação do Estado nacional brasileiro há uma intenção permanente de não lembrança“, de não significação” das lutas negra, indígena, de gênero, classe… Tudo é deliberadamente apagado em nome da manutenção do poderio da elite.

2 de Julho

A historiografia oficial fala de 7 de setembro – movimento feito por portugueses -, mas não cita o 2 de julho de 1823 em Salvador, quando as tropas portuguesas são finalmente expulsas do território brasileiro, terminando o processo iniciado em 7 de setembro do ano anterior.

Se a independência do Brasil em relação aos portugueses só ocorreu de fato em 2 de julho de 1823, por que o 7 de setembro de 1822 é a data histórica? 

Resposta: Para garantir a construção da narrativa oficial no sudeste com um homem branco. Para não incluir a maioria da população, o nordeste com pessoas pobres, negras e escravizadas.

Semente da liberdade

O germe da independência surge do Haiti e serve de exemplo do potencial de organização política da população preta. Não por acaso, a Revolução de São Domingos – que torna o Haiti independente – cria o chamado “haitianismo” – medo das elites coloniais e escravistas da tomada de poder pelo povo negro.

A notícia da insurreição negra ocorrida no Haiti entre 1791 e 1804, que  acabou com a escravidão e eliminou fisicamente os senhores brancos, se espalhou pelo mundo e, naturalmente, atemorizou as elites no Brasil, a colônia mais negra do mundo.

Revolução Haiti
Imagem: Getty Images/BBC

O 2 de Agosto de 1791, em São Domingos, então colônia francesa, esclarece a “independência” do Brasil, sem abolição da escravatura, na contramão de toda América Latina, numa trama que envolve as classes dominantes do Brasil colônia, Portugal e  Inglaterra.

A estratégia

Para conquistar a independência política, os senhores de escravos teriam que abrir fogo contra Portugal, mas não tinham base social para isso – tinham escravizados. Ao mesmo tempo, a experiência nas conspirações do século XVIII e XIX – Mineira,  Baiana e Pernambucana de 1817 – mostrava para essa elite que escravizados armados seriam, na prática, homens livres.

A guerra de independência das colônias inglesas (1776-1783), que deu origem aos Estados Unidos, servia de exemplo. Lá, a independência foi conquistada preservando a escravidão. Mas apenas 10% da população era escravizada e à frente da guerra anticolonial estava a burguesia manufatureira.

No Brasil, sequer havia parque manufatureiro expresssivo e o fim da escravidão significaria a ruína econômica da elite escravista.

Como fazer uma revolução política com batalhões de escravizados sem lhes garantir a emancipação?

7 de setembro, a independência inconclusa!

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Compartilhe com a sua rede:

5 comentários em “Independência do Brasil, sinônimo de liberdade?”

  1. Pingback: Racismo Ambiental

  2. Pingback: Capoeira, força ancestral

  3. Pingback: Castro Alves, o afrodescendente e a gente negra escravizada

  4. Pingback: Edilene Lôbo: a primeira negra no TSE do Brasil

  5. Pingback: Movimento Negro, movimentos antirracistas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *