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Olimpíadas: Palco para o Combate ao Racismo

Sonhamos com atletas, celebridades, pessoas públicas, lutando contra o racismo. Mas é possível contá-los nos dedos, ainda, em especial nos esportes. Tudo tem um preço.

Tommie Smith e John Carlos em 1968 (Imagem: Bettmann - Getty Images)
Tommie Smith e John Carlos em 1968 (Imagem: Bettmann – Getty Images)

A cena icônica: Os atletas negros olímpicos Tommie Smith e John Carlos erguem os punhos cerrados e calam durante a execução do hino nacional americano nos Jogos da Cidade do México 1968. Isso, três meses após o assassinato de Martin Luther King.

 Eles estavam no pódio, descalços – simbolizando a pobreza dos negros. Tommie, com sua medalha de ouro, pois havia vencido os 200 metros rasos, tornando-se o primeiro atleta a correr abaixo dos 20 segundos. E John com a medalha de bronze na mesma prova. Os dois não  olharam para a bandeira. Os dois abaixaram a cabeça. Os dois ergueram o punho fechado.

Tommie e John não disseram nada, mas gritaram para o mundo RACISMO NÃO, BASTA! ao reproduzirem a vigorosa saudação do movimento Black Power, dos Panteras Negras, organização criada em 1966 para combater a violência policial nos bairros negros dos Estados Unidos da América.

Passados 50 anos, essa ainda é uma das imagens mais emblemáticas da história do esporte, referência que emociona e inspira.

Tommie Smith e John Carlos protagonizaram o episódio mais marcante daquela Olimpíada e foram banidos dos Jogos por ordem do COI – Comitê Olímpico Internacional, por terem usado o esporte como manifestação sociopolítica.

Mas existe palco melhor?

Olimpíada negra

Nunca os atletas negros tiveram tanto destaque em uma Olimpíada como nos Jogos de Atlanta 1996, cidade-berço da luta contra o racismo nos anos 1960 nos EUA. Só que, desta vez, de forma ao mesmo tempo individual e coletiva.

Recordes de medalhas, recordes de tempo, recordes de mídia que contribuem para realçar a superioridade negra no esporte, como profetizou, em 1904, Pierre de Coubertin, o criador do COI em 23 de junho de 1894, diante da humilhação dos negros nos Jogos de St. Louis.

Naquela Olimpíada, a terceira, dois zulus – Len Taunyane e Jan Mashiari -, estavam na cidade para participar de uma exposição sobre a Guerra dos Bôeres, confronto armado que aconteceu na Cidade do Cabo, na África do Sul, e acabaram sendo colocados para correr a maratona. Eles disputaram a prova com os pés descalços e com chapéus de palha, provocando risos do público americano.

Len Taunyane e Jan Mashiari
Len Taunyane e Jan Mashiari

A Olimpíada de St. Louis foi chamada de “Dias Antropológicos serviu como argumento para atestar a inferioridade dos negros no esporte, de acordo com uma edição da “Enciclopédia Britânica” da época.

Mas Atlanta foi a verdadeira Olimpíada Negra, o troco.

As medalhas

A África do Sul teve o seu primeiro medalhista negro, Hezekiel Sepeng, prata nos 800 m. O país, que ficou afastado dos Jogos por 32 anos por causa do apartheid, regime de segregação racial imposto pelos brancos, comemorou a vitória de Josia Thugwane, um segurança de minas de carvão, na maratona.

França, Itália e Grã-Bretanha, países europeus, subiram ao pódio no atletismo graças a atletas negros.

Dominique Margaux Dawes, uma ginasta negra americana, conquista, pela primeira vez, uma medalha individual em uma olimpíada – o bronze na prova do solo.

Uma policial etíope foi a primeira negra a vencer uma maratona.

A Nigéria entra para a história ao ganhar a medalha de ouro no futebol.

Michael Johnson, que venceu os 200 m, quebrando recorde mundial que durava 17 anos, e os 400 m com 10 m de vantagem, a maior margem em um século.

O canadense Donovan Bailey, que quebrou o recorde mundial dos 100 m, derrubando a hegemonia dos Estados Unidos.

A primeira negra

Alice Coachman (1923 -2014) se  destaca não apenas pela performance esportiva, mas também pelo papel simbólico que teve e tem como a primeira negra campeã olímpica ao ganhar a prova do salto em altura, em Londres 1948 – mais de 50 anos depois do início dos Jogos Olímpicos da Era Moderna.

Alice Marie Coachman vencendo campeonato de salto em altura em 1939.
Alice Marie Coachman vencendo campeonato de salto em altura em 1939.

Aos 24 anos, Alice Coachman fez história. Com a medalha de ouro, conquistou o direito a voz num país em que sua cor de pele a silenciava edeclarou em entrevista ao jornal The New York Times, em 1996:

 “Fiz a diferença entre os negros, sendo líder. Se eu tivesse ido aos Jogos e falhado, não haveria ninguém para seguir meus passos. Incentivei o resto das mulheres a trabalhar mais e a lutar mais.”

Após aposentadoria, Coachman seguiu sendo porta-voz e foi a primeira afro-americana a fechar um patrocínio com uma grande marca na época. Até 2014, quando faleceu aos 90 anos, trabalhava para ajudar atletas com a fundação que leva seu nome.

Ditadura no esporte

Enquanto Tommie Smith e John Carlos erguiam seus punhos cerrados e eram eternizados no pódio dos 200m, na luta contra o racismo, a mineira Irenice Rodrigues a melhor sul-americana de sua geração na prova dos 800m voltava ao Brasil, impedida de participar dos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, auge da  ditadura militar no Brasil.

Com voz ativa, sempre enfrentou as lideranças por melhores condições para os atletas negros, que tinham tratamento diferente nos clubes particulares. Além do orgulho de ser negra, lutava pelo empoderamento das mulheres no espaço esportivo até ser calada e ‘apagada’ da história.

Em reportagens encontradas no “Jornal dos Sports” de 1967, a atleta deixava claro que não se conformava com a indiferença masculina, os empecilhos e as discriminações impostas no dia a dia dos treinamentos e competições como forma de inferiorizar as mulheres.

Revoltada com o tratamento e as péssimas condições de treinamento, liderou uma greve contra o Comitê Olímpico Brasileiro, o extinto Conselho Nacional de Desportos, sob controle do regime militar, que encarava com desconfiança qualquer forma de resistência e manifestação individual ou coletiva.

Na época de Irenice, mulheres eram proibidas de praticar diversas modalidades ditas “masculinas”!

Um ano antes da Olimpíadas da Cidade do México, às vésperas dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, ela precisou ser ‘validada’ pelos dirigentes por praticar uma modalidade de “reserva masculina” e “desgastante para o corpo feminino”. Venceu.

Em 1968, na Olimpíada, um ‘incidente’ levou ao seu desligamento da delegação do atletismo brasileiro, sendo forçada a retornar ao Brasil sem poder competir. A justificativa? Indisciplina. Ela teve os documentos eliminados, foi desligada do atletismo brasileiro, dos esportes no Brasil, da vida, até que morreu em suspeito acidente de moto em 1981.

Nos bastidores

Do Brasil, ainda, temos Miraildes Maciel Mota, talvez você não conheça… Mas, com certeza, já ouviu falar da Formiga. Incluindo homens e mulheres, é a única pessoa a ter participado, como atleta, de sete Copas do Mundo, duas vezes vice-campeã olímpica e uma vez vice-campeã mundial de futebol.

Miraildes Maciel Mota, a jogadora Formiga (imagem: Agência Reuters)
Miraildes Maciel Mota, a jogadora Formiga (imagem: Agência Reuters)

Atualmente atleta do PSG, na França, Formiga deu uma entrevista ao Portal Notícia Preta, em 2019, quando afirmou: “Sempre, quando posso, tenho conversas com as meninas, principalmente no Brasil, em relação ao racismo. Só o fato de ser negra e nordestina  – ela nasceu na Bahia – já se sofre um preconceito muito grande. E, sem dúvida, tratando-se de mulher e negra em qualquer área de trabalho há olhares tortos. Vejo poucas mulheres e poucos técnicos negros no comando. É um absurdo”.

O maior cestinha respira, indignado

LeBron James, o nome da NBA, o jogador mais valioso da principal liga de basquetebol profissional da América do Norte – considerado por muitos o sucessor de Michael Jordan – é influente na liga de basquete desde a sua estreia em 2003. Dono de quatro anéis de campeão da NBA e dois ouros Olímpicos, James coleciona feitos dentro e fora das quadras.

LeBron foi o primeiro negro, e terceiro homem na história, a ser capa da revista Vogue. O atleta possui uma fundação chamada LeBron James Family Foundation, sediada em Akron, Cleveland. Em 2015 firmou uma parceria com a Universidade de Akron para prover bolsas de estudos para até 2.300 jovens a partir de 2021.

Em 2018, a fundação, junto com a prefeitura de Akron criou a I Promise School, uma escola que além de ensinar, ajuda a combater a evasão escolar.

Lebron James Family Foundation (Imagem: Aaron Davidson/Getty Images)
Lebron James Family Foundation (Imagem: Aaron Davidson/Getty Images)

De acordo com Lebron, a criação da escola foi a maior conquista de sua vida. O jogador já afirmou em diversas ocasiões que acredita ser necessário usar de seu status para se posicionar e atrair olhares para as causas raciais e humanitárias.

O jogador vestiu uma camisa com a mensagem “não consigo respirar”, frase repetida por George Floyd enquanto era assassinado pelo policial nos Estados Unidos, em maio de 2020.

Em 7 de fevereiro de 2023, LeBron James tornou-se o maior cestinha de todos os tempos da NBA, superando a marca de Abdul-Jabbar com uma cesta em cima do Oklahoma City Thunder, com 38.390 pontos na carreira.

“The Greatest”

Este era o seu apelido, “O Melhor”, “O Maior”. E ele é mesmo, ainda hoje, considerado por muitos o maior boxeador de todos os tempos: 61 lutas, 56 vitórias, 37 nocautes, 5 derrotas. Seu nome? Muhammad Ali, nascido Cassius Marcellus Clay Jr, ser campeão olímpico na categoria meio-pesado, medalha de ouro nos Jogos de Roma 1960 é apenas uma de suas muitas conquistas. 

Muhammad Ali (foto: las vegas news boureau)
Muhammad Ali (foto: las vegas news boureau)

Cassius se tornou Muhammad ao se converter ao islamismo na luta pelos direitos dos negros norte-americanos. E ele fez mais, se tornando uma lenda também fora dos ringues. 

Em 28 de abril de 1967, dono do título mundial nos pesos pesados e com nove defesas de cinturão bem-sucedidas, “The Greatestse recusou a entrar no Exército dos Estados Unidos para lutar na Guerra do Vietnã (1955-1975). Ele chegou a se apresentar a uma unidade do Exército em Houston, mas se recusou três vezes a dar um passo à frente quando seu nome foi chamado e justificou:


“Eu não tenho problema nenhum com os vietcongues.” 

Conhecido por sua língua afiada, o boxeador não deixou dúvidas sobre quem era como atleta, homem negro e sobre o racismo nos Estados Unidos:

Eu não sou o melhor. Eu sou o dobro do melhor. Eu não só os nocauteio,

 eu escolho o round. Eu sou o mais ousado, o mais bonito, o mais superior,

o mais científico, o lutador mais habilidoso no ringue hoje.”

Cassius Clay é um nome de escravo. Eu não o escolhi e não o quero.

Eu sou Muhammad Ali, um nome livre – significa amado por deus, e

eu insisto que as pessoas o usem quando falarem comigo e sobre mim.”

Mesmo condenado pela Justiça norte-americana por negar-se a servir seu país, o boxeador não se intimidou:

Eu sou a América. Eu sou a parte que você não vai reconhecer.

Mas pode ir-se acostumando comigo. Negro, confiante, arrogante, meu nome, não o seu. Minha religião, não a sua. Meus objetivos, somente meus: vai se acostumando comigo.


Leia também Tóquio 2020, balanço final

Atualizado em fevereiro de 2023

Fontes: Olimpíada Todo Dia, Globo Esporte – Irenice, Globo Esporte – Natação, Folha.Uol, Sport Tv, Geledés, Operamundi, Wikipédia – Ali, Wikipedia-Dominique, Jumper Brasil,

Crypto

Atualizado em fevereiro de 2023

1 comentário em “Olimpíadas: Palco para o Combate ao Racismo”

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