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Os que vieram antes na política

O pioneirismo negro na política se registrando em pleno século XXI expõe nossa sub-representatividade nas esferas de poder e impõe uma maior responsabilidade em mudar esta história.

Olhar para trás nos dá, também, a medida da luta empreendida desde sempre e mostra o esforço da supremacia branca em roubar até a cor da nossa pele!

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Nilo Peçanha, o primeiro presidente negro da República do Brasil. Ocupou o cargo nos anos de 1909 e 1910. Durante seu governo, criou o Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e inaugurou o ensino técnico no Brasil, com a Escola de Aprendizes Artífices. É considerado “pai do ensino profissionalizante”. Seu lema de governo era “Paz e Amor”. 

Foto oficial de Nilo Peçanha, presidente do Brasil entre 1909 e 1910 (foto: Governo do Brasil/Galeria dos Presidentes)
Foto oficial de Nilo Peçanha, presidente do Brasil entre 1909 e 1910 (Galeria dos Presidentes)

Nilo Peçanha faz parte dos “vices que deram certo” no capítulo “Coisas do Brasil”. Nascido em Campos dos Goytacazes (RJ) em 2 de outubro de 1867, era frequentemente ridicularizado na imprensa em charges e anedotas que se referiam à cor da sua pele. Além disso, durante sua juventude, a elite social de Campos dos Goytacazes o chamava de “do Morro do Coco“.

Advogado, iniciou sua carreira política ao ser eleito para a Assembleia Constituinte em 1890. Depois, a partir de 1903, foi eleito sucessivamente senador e governador do estado do Rio de Janeiro, permanecendo no cargo até 1906, quando foi eleito.

Nilo Peçanha é também o primeiro negro candidato à  Presidência da República, pelo Movimento Reação Republicana, em contraposição ao liberalismo político e à  política das oligarquias estaduais, mas foi derrotado pelo candidato governista.

Na raça

Como Nilo, colega de profissão, o jurista pernambucano Manoel da Motta Monteiro Lopes, eleito o primeiro deputado federal do Brasil, pelo Distrito Federal, então Rio de Janeiro, na primeira década do século XX, também teve de enfrentar o racismo da imprensa em chistes que se referiam à cor da sua pele.

Monteiro Lopes
Monteiro Lopes

Mas, diferente de Nilo, enfrentou uma avalanche de protestos antes de tomar posse em 1º maio de 1909. Oportunidade que aproveitou para articular-se nacionalmente, entrando para a história como referência, símbolo da resistência negra.

O racismo à brasileira no período da Primeira República, como em pleno século XXI, em nada se diferencia: ofensas cotidianas, dificuldades de acesso à educação e ao  mercado de trabalho formal, negação de direitos sociais e políticos.

E as histórias se entrelaçam, antes de Monteiro Lopes, o vereador quilombola Quintino de Lacerda, chefe do segundo maior quilombo do Brasil, o Jabaquara, eleito o vereador mais votado de Santos, no litoral paulista, em 1895, precisou da Justiça de São Paulo para tomar posse e – por conta do racismo – tornou-se não só o primeiro vereador, mas também o primeiro presidente negro da Câmara Municipal da cidade.

Busto de Quintino de Lacerda (foto: Carlos Pimentel Mendes)
Busto de Quintino de Lacerda (foto: Carlos Pimentel Mendes)

Tintino, como era conhecido, nasceu escravo, na cidade de Itabaiana, em Sergipe, em 8 de junho de 1839. Alforriado pelo abolicionista Lacerda Franco, oito anos após ter sido comprado, trabalhou como inspetor de quarteirão, administrador da Limpeza Pública Municipal, cozinheiro e era figura central nos movimentos sociais e debates políticos.

Os dois, nordestinos, por estranha coincidência, não conseguiram concluir seus mandatos. Morreram.

A primeira mulher

A feminista e jornalista Antonieta de Barros é a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil  e – loucura – primeira deputada e única negra, até hoje, a participar do Legislativo Estadual de Santa Catarina até hoje!

Antonieta de Barros (foto: Museu da Escola Catarinense/Saleta Antonieta de Barros)
Antonieta de Barros (foto: Museu da Escola Catarinense/Saleta Antonieta de Barros)

 

Eleita em 1934 pelo Partido Liberal Catarinense, na primeira eleição em que as mulheres brasileiras puderam votar e serem votadas, filiou-se ao Partido Liberal e foi constituinte em 1935, cabendo-lhe relatar os capítulos Educação e Cultura e Funcionalismo. Atuou na Assembleia Legislativa catarinense até 1937, quando teve início a ditadura do Estado Novo.

Depois da redemocratização do país com a queda do Estado Novo, concorreu a deputada estadual nas eleições de 1945, obteve a primeira suplência pela legenda do Partido Social Democrático (PSD) e assumiu a vaga na Assembleia em 1947, cumpriu seu mandato até 1951.

Antonieta nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, em 11 de julho de 1901. De família muito pobre, ainda criança ficou órfã de pai. Ingressou com 17 anos na Escola Normal Catarinense, concluiu o curso em 1921. No ano seguinte, a normalista fundou o Curso Particular Antonieta de Barros, voltado para alfabetização da população carente.

Ativista

Um salto no tempo e saindo do sul do país leva ao encontro de outra ativista no sudeste: Érica Malunguinho, a primeira mulher trans e negra a conquistar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo em 180 anos. Ela conquistou mais de 54 mil votos votos pelo PSOL – Partido Socialismo e Liberdade, nas eleições de 2018. Entre as suas bandeiras, a alternância no poder, exatamente por a população negra no Brasil estar subrepresentada nos espaços da política institucional.

Érica Malunguinho (foto:  Inês Campelo/MZ Conteúdo)
Érica Malunguinho (foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Quarenta e quatro anos antes de Érica, em 1974, foi eleita primeira deputada negra da Assembléia Legislativa de São Paulo, Theodosina Rosário Ribeiro, mantendo-se no cargo por três mandatos, chegando inclusive a ocupar a vice-presidência da Casa, pelo então Movimento Democrático Brasileiro – MDB, na época o único partido de oposição existente.

Theodosina Rosário Ribeiro (foto: Divulgação/Alesp)
Theodosina Rosário Ribeiro (foto: Divulgação/Alesp)

Mas ocupar uma cadeira na Assembleia foi o segundo pioneirismo da professora, filósofa e advogada Theodosina. Ela iniciou sua carreira política como a segunda vereadora mais votada nas eleições de 1970 e a primeira vereadora negra da capital paulista.

Negros no poder

Theodosina fazia parte de um projeto político revolucionário, desafiador, implantado em plena ditadura militar pelo deputado federal Adalberto Camargo, eleito pela primeira vez em 1966.

Adalberto Camargo e Theodosina Ribeiro (foto: Divulgação/Alesp)
Adalberto Camargo e Theodosina Ribeiro (foto: Divulgação/Alesp)

Ele queria negros em todas as esferas de poder e foi o mentor da primeira candidatura de Theodosina e do vereador Paulo Rui de Oliveira, primeiro negro a presidir a Câmara Municipal de São Paulo.

Durante 16 anos, Adalberto Camargo permaneceu como único deputado federal em Brasília a viver a política sob a ótica negra, com apoio da direita e da esquerda, haja vista que foi eleito pelo antigo MDB e, também, pela Arena, partido da situação. Suas votações mais expressivas, entretanto, aconteceram nas três vezes em que estava com a oposição paulista: 18 mil votos em 1966; 43mil votos em 1970 e 90 mil votos em 1974.

Lapsos históricos

São muitos os pioneiros a ocupar a cadeira de governador. O desafio é identificá-los na nossa história.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, o advogado Alceu Collares ostenta o título de primeiro governador negro eleito democraticamente pelo estado do Rio Grande do Sul, de 1991 a 1994. E é exatamente isso, mas o deputado Carlos Santos, em 1967, presidiu a Assembleia Legislativa e assumiu, por duas vezes, o governo do Estado na ausência do titular, se tornando o primeiro negro a exercer as funções, além de primeiro deputado do estado.

Carlos Santos (foto: CP Memória)
Carlos Santos (foto: CP Memória)

O pioneirismo de Alceu Collares fica por conta de ter sido o primeiro a ocupar da cadeira de prefeito de Porto Alegre (RS), de 1986 a 1988.

Alceu Collares (foto: André Ávila/CP Memória)
Alceu Collares (foto: André Ávila/CP Memória)

Outro caso envolve Paulo Lauro e Celso Pitta, que ostentam o pioneirismo como os primeiros negros a ocupar a cadeira de prefeito da cidade mais importante do País. O primeiro, por nomeação; o segundo, por eleições diretas. Um advogado e outro economista.

Paulo Lauro, à direita da imagem
Paulo Lauro, primeiro prefeito negro (nomeado) da cidade de São Paulo, à direita da imagem. (foto: Fundação Palmares)

 

O ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, em 2000 (foto: Arquivo/Agência Estado)
O ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, em 2000 (foto: Arquivo/Agência Estado)

Paulo foi prefeito de São Paulo de 29 de agosto de 1947 a 25 de agosto de 1948, nomeado por Ademar de Barros.  Celso, com seu pioneirismo conquistado com 57,37% dos votos do povo de São Paulo, administrou a cidade de 1º de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2000.

Paulo Lauro é responsável pela expansão das feiras livres. Já as propostas de Celso Pitta, envolviam principalmente projetos na área de transporte.

Este apagamento dos pioneiros da história negra sempre acontece e precisamos estar atentos.

Muita gente diz que a carioca Benedita da Silva é a primeira senadora negra do Brasil. Mas a primeira negra a ocupar uma cadeira de senadora da República no Congresso Nacional foi a baiana Laélia de Alcântara, representando o estado do Acre pelo PMDB, onde praticava medicina.

Laélia de Alcântara (foto: Célio Azevedo/Senado Federal)
Laélia de Alcântara (foto: Célio Azevedo/Senado Federal)

E, detalhe, Izabel Oliveira, leitora do então primeirosnegros.blogspot.com.br, conta que quando Laélia Alcântara assumiu o mandato de senadora por 120 dias, uma comissão de negros, formada por diplomatas africanos, americanos e brasileiros, foi recebê-la no aeroporto de Brasília.

Esta é a história: ela se elegeu suplente do senador Adalberto Sena em 1974, e se tornou senadora em dois tempos – primeiro por 120 dias, de 3 de abril a 29 de julho de 1981 e, depois, definitivamente, em janeiro de 1982, com a morte do senador titular.

Eleições 2020

Mas Benedita da Silva tem história de pioneira e mantém-se na ativa aos 77 anos: a deputada federal é candidata nestas eleições à prefeita da capital carioca, pelo Partido dos Trabalhadores – PT.

Vereadora da cidade do Rio de Janeiro, deputada federal constituinte, primeira senadora eleita pelo voto popular, renunciou para assumir o cargo de vice-governadora do Rio de Janeiro, tornando-se também a primeira mulher negra a governar um estado brasileiro, com a renúncia do então governador Anthony Garotinho para concorrer à Presidência da República.

Deputada Benedita da Silva em novembro de 2015
Benedita da Silva em novembro de 2015 (foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Outra deputada federal, pioneira, que quer ocupar a cadeira de prefeita é Áurea Carolina: negra, feminista, cientista política e a mais votada na Câmara Municipal de Belo Horizonte – 17.420 eleitores votaram nela, um apoio histórico, a maior votação na Câmara Municipal da capital mineira das últimas três eleições.

Áurea Carolina
Áurea Carolina (foto: Patrick Arley/Divulgação)

E tem, ainda, a pioneira, Olívia Santana, firme e forte nas eleições 2020 na disputa pela cadeira do Executivo – ela quer ser prefeita de Salvador.

Deputada Benedita da Silva em novembro de 2015
Olívia Santana, Vereadora (foto: Mateus Pereira/AGECOM)

Primeira deputada estadual negra da história da Bahia – eleita pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) com mais de 55 mil votos nas eleições de 2018, Olívia, conhecida como  “a negona da cidade”, é reconhecida como militante histórica das causas negras. Integra o Fórum das Mulheres Negras e o Conselho de Promoção da Igualdade Racial.


Estas são rápidas pinceladas dos que vieram primeiro na política. E tem mais sobre cada um deles e cada uma delas no nosso site. 

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