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A médica diplomada Rebecca Lee e o confronto com a branquitude

Única do seu tempo, se preocupava com a saúde da mulher e das crianças, tendia à homeopatia e ao olhar multidisciplinar para o corpo do ser humano.

Ilustração em preto e branco de casa de época com dois andares, pequena escada dá acesso à porta de entrada.
New England Female Medical College (Imagem: Harvard Countway Library)

Dos mais de 54 mil médicos americanos da segunda metade do século XIX, 300 eram mulheres e uma era negra, Rebecca Davis Lee Crumpler, contra tudo e contra todo racismo e sexismo de seu tempo.

Primeira negra a diplomar-se médica e, também, primeira afro-americana a publicar um livro de Medicina, o que aconteceu no ano de 1883, foi única em seu tempo, se preocupava com a saúde da mulher e das crianças, tendia à homeopatia e ao olhar multidisciplinar para o corpo do ser humano.

Aos 28 anos, em 1859, conseguiu ser admitida no New England Female Medical College, mas com guerra civil, em 1861, teve que adiar a conclusão de sua vida acadêmica.

Rebecca gradua-se e conquista o pioneirismo e o título de doutora, como a primeira mulher afro-americana a se tornar doutora em medicina nos Estados Unidos, em 1º de março de 1864 – dezesseis anos depois de Elizabeth Blackwell, a primeira mulher a se tornar médica no mundo.

A inspiração

Rebecca Davis nasce em 8 de fevereiro de 1831, em Christiana, Delaware, filha de Matilda Webber e Absolum Davis. E seu espírito cuidador aflora na infância, quando vivia com a tia que cuidava de outras seis crianças doentes. Sua tia era a “médica” da comunidade e exercia uma grande influência sobre a sobrinha.

Assim, Rebecca entendeu, sentiu, que também deveria recorrer as pessoas quando adoeciam.

Em 1852, aos 21 anos, ela se muda para Charlestown, Massachusetts, e trabalha como enfermeira antes de se inscrever e ser aceita no New England Female Medical College, onde foi a única estudante mulher afro-americana na época.

A própria Rebecca, em seu livro, descreve sua jornada de vida pela medicina:

“Pode ser bom afirmar aqui que, tendo sido criado por uma tia gentil na Pensilvânia, cuja utilidade com os enfermos era continuamente procurada, desde cedo concebi um gosto por e busquei todas as oportunidades para aliviar o sofrimento dos outros. Mais tarde na vida, dediquei meu tempo, quando melhor pude, à enfermagem, servindo sob diferentes médicos por um período de oito anos. Desses médicos recebi cartas recomendando-me ao corpo docente do New England Female Medical College, de onde, quatro anos depois, recebi o título de Doutora em Medicina.”

Carreira de doutora

Rebecca pratica a medicina pela primeira vez em Boston e cuida, principalmente, de mulheres e crianças afro-americanas pobres.

Após o fim da Guerra Civil Americana (1861–1865), ela se muda para Richmond, Virgínia, acreditando ser uma maneira ideal de prestar serviço missionário, bem como de adquirir mais experiência no aprendizado de doenças que afetavam mulheres e crianças.

Ela declarou na época:

“Durante minha estada lá quase todas as horas foram melhoradas nessa esfera de trabalho. No último trimestre do ano de 1866, eu estava habilitada … a ter acesso a cada dia a um grande número de indigentes, e outros de diferentes classes, em uma população de mais de 30.000 negros”.

Rebecca trabalhava para o Freedmen’s Bureau e cuidava de escravizados libertos – os quais os médicos brancos negavam atendimento.

Racismo e Sexismo

Rebecca se forma em um tempo no qual a faculdade de medicina não era lugar para mulheres e negros. Na verdade, uma época em que poucos afro-americanos tinham permissão para frequentar a faculdade de medicina ou publicar livros.

Os homens acreditavam que o cérebro de um homem era 10% maior do que o cérebro de uma mulher e que, por consequência (!?), a mulher deveria ser submissa, limitando-se também a cuidar da beleza.

Tal entendimento era extensivo aos acadêmicos e, a somar-se a cor da sua pele, estava sujeita a intenso racismo por parte da administração e de muitos médicos que não a respeitavam como profissional, não aprovando suas prescrições ou ouvindo suas opiniões sobre saúde integral, ignorando-a.

Um livro de discursos médicos

Mas a branquitude nunca pautou ou pautaria seu viver profissional. Em 1883, Rebecca Lee avança sobre o preconceito e publica A Book of Medical Discourses – o primeiro livro médico assinado por uma negra – a partir das anotações que manteve ao longo de sua carreira. Um livro dedicado a enfermeiras e mães, com foco no atendimento médico de mulheres e crianças.

E faz mais: não pede a nenhum profissional branco apresentar o livro nas primeiras páginas, como era praxe, para dar credibilidade à publicação. Ela mesma se apresenta e justifica a oportunidade da publicação. Seu principal desejo, com a publicação, é enfatizar as “possibilidades de prevenção“.

Página frontal de livro com marcas de envelhecimento.
Página de rosto do “A Book of Medical Discourses.” (Imagem: Domínio Público | cortesia do U.S. National Library of Medicine)

Ela recomenda que as mulheres estudem os mecanismos da estrutura humana antes de se tornarem enfermeiras, a fim de melhor capacitar-se para proteger a vida. Pontos de vista que a médica sabia não era unanimidade entre os profissionais de saúde. A maioria não contemplava o fato de que para cada doença havia uma causa e estava em seu poder removê-la. Rebecca parecia ser influenciada pela homeopatia, recomendava cursos nesta direção, a necessidade de ponderar mais sobre os efeitos colaterais dos medicamentos.

A Book of Medical Discourses se dividia em duas seções. Na primeira parte, se concentra na prevenção e mitigação de problemas intestinais que podem ocorrer por volta do período da dentição até a criança atingir os cinco anos de idade. Na segunda, a abordagem é sobre “vida e crescimento dos seres”, o início da feminilidade, prevenção e cura da maioria das “queixas angustiantes” de ambos os sexos.

Amores

Rebecca Davis se casou duas vezes. Com Wyatt Lee, um nativo da Virgínia e ex-escravizado, em 19 de abril de 1852. E com Arthur Crumpler em 24 de maio de 1865, ex-escravizado fugitivo do condado de Southampton, na Virgínia.

Rebecca ainda era estudante de medicina quando seu primeiro marido morreu de tuberculose em 18 de abril de 1863.

Sobre casamento, ela dizia que o segredo para um casamento bem-sucedido era “continuar na rotina cuidadosa dos dias de namoro”. Rebecca morreu em 9 de março de 1895. Arthur morreu em maio de 1910.

Os dois foram enterrados em sepulturas não marcadas por 125 anos, até 16 de julho de 2020. Em 16 de julho de 2020, uma cerimônia foi realizada no Cemitério Fairview para dedicar uma lápide em memória de Rebecca Lee Crumpler e seu marido Arthur – o casal era membro ativo da Décima Segunda Igreja Batista.

Embora nenhuma fotografia ou outra imagem dela tenha sobrevivido, um artigo do Boston Globe a descreve como “uma mulher muito agradável e intelectual e uma trabalhadora infatigável da igreja. A Dra. Crumpler tem 59 ou 60 anos de idade, é alta e reta, com pele morena e cabelos grisalhos”.

Legado

A Rebecca Lee Society é uma das primeiras sociedades médicas para mulheres afro-americanas.

Em 2019, o governador da Virgínia Ralph Northam declarou 30 de março, Dia Nacional dos Médicos, o Dia da Dra. Rebecca Lee Crumpler.

Na Syracuse University, há um clube de pré-saúde chamado The Rebecca Lee Pre-Health Society. Este clube incentiva pessoas de diversas origens a buscar profissões na área da saúde e oferecem mentores, workshops e recursos para ajudar os membros a ter sucesso.


Fonte:
National Park Service
Wikipedia English
Fake History Hunter

1 comentário em “A médica diplomada Rebecca Lee e o confronto com a branquitude”

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