Afro brasileiro brilhante transforma a geografia em ferramenta poderosa para compreender e transformar o mundo. E mais: no ano de 1994 se torna o primeiro intelectual de um país em desenvolvimento, que não tinha o inglês como língua nativa, a ser agraciado com o Prêmio Vautrin Lud, o “Nobel da Geografia”.
O que este artigo responde: Quem foi Milton Santos? Quem é o maior geógrafo do Brasil? Qual a formação acadêmica de Milton Santos? Qual foi o grande prêmio, equivalente ao Nobel, que Milton Santos recebeu? Qual a contribuição de Milton Santos à geografia mundial? Qual a nome do livro fundamental de Milton Santos para os estudos geográficos contemporâneos? Quais foram os reconhecimentos internacionais de Milton Santos? Como Milton Santos tratava a questão racial? Quais questões voltadas ao combate ao racismo faziam parte do trabalho de Milton Santos?

O professor-doutor Milton Santos, por conta de sua intensa produção, por mais de dez anos, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), é o primeiro intelectual de um país pobre, sem ter o inglês como língua pátria, e único brasileiro até 2012, pelo menos, a ser agraciado com o Prêmio Vautrin Lud, instituído pelo Festival Internacional de Geografia da França, considerado a maior distinção neste campo científico, uma espécie de Prêmio Nobel da Geografia.
O ano é 1994 e a conquista deste prêmio internacional – promove um redescobrimento de Milton Santos no Brasil, bem como o reconhecimento de sua produção como geógrafo e intelectual.
Depois da primeira vez, a excelência de Milton Santos, em 1995, lhe vale o Mérito Tecnológico, pelo Sindicato de Engenheiros do Estado de São Paulo; o título de Personalidade do Ano, do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Janeiro, e de Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – os dois em 1997; 11ª. Medalha Chico Mendes de Resistência , em 1999, do Grupo Tortura Nunca Mais.
No mesmo 1999, o geógrafo torna-se O Brasileiro do Século , de acordo com a revista Isto é, e Multicultural 2000, na classificação do jornal O Estado de S. Paulo, no ano seguinte.
Descoberta estrangeira
Fora do país, no entanto, nosso geógrafo negro pioneiro brilha desde 1980, quando recebe o título de Doutor Honoris Causa da Université de Toulouse. Honraria universitária que se repete na Universidad de Buenos Aires, 1992; na Universidad Complutense de Madrid, em 1994, e na Universidade de Barcelona, em 1996, entre outras.
No total, doze universidades brasileiras e sete universidades estrangeiras lhe outorgaram o título de Doutor Honoris Causa.
Em Cuba, em 1994, Milton Santos recebe a Medalha de Mérito da Universidad de La Habana, e, no ano 2000, o prêmio UNESCO, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, na categoria Ciência.
A jornada
A carreira de Milton Santos ultrapassa os 50 anos.
Nascido em Brotas de Macaúbas, no interior da Bahia, em 3 de maio de 1926, forma-se em Direito em 1948 e conquista o título doutor em Geografia, na Universidade de Strasbourg, na França.
No início, combina carreira acadêmica e jornalismo. É redator, por dez anos, do jornal A Tarde e professor de geografia humana na Universidade Católica de Salvador e na Universidade Federal da Bahia, onde cria o Laboratório de Geociências. Atua também como diretor da Imprensa Oficial da Bahia e presidente da Fundação Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia.

Suas pesquisas e publicações da época focam nas realidades locais, principalmente de Salvador e as cidades e a região do Recôncavo. Sua tese de doutorado, inclusive, tem como título “O Centro da Cidade de Salvador”.
Em 1961, aceita o convite para participar do governo federal e se torna representante da Casa Civil do presidente Jânio Quadros no seu estado. Em 1964, por ocasião do golpe militar, é preso. Ao sair da prisão, depois de três meses, decide sair do Brasil.
No mundo
Até 1977, Milton Santos fica pelo mundo, em uma carreira internacional imposta em função da situação política vivida no Brasil. Primeiro na França, como professor convidado nas universidades de Toulouse, Bordeaux e Paris-Sorbonne, e no Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social.
Depois, nos anos 1970, atua ao sabor dos convites, em carreira itinerante: no MIT – Massachusetts Institute of Technology, de Boston, como pesquisador; professor convidado nas universidades de Toronto (Canadá), Caracas (Venezuela), Dar-es-Salam (Tanzânia), Columbia University (New York).
A criação
Sua produção acadêmica caminha em direção à teorização em geografia, com o intenso aproveitamento das bibliotecas das grandes universidades. Primeiro, ele amplia o foco com o livro Les Villes Du Tiers Monde, de 1971, onde já se manifesta seu interesse em estudar as peculiaridades da economia urbana dos países então chamados subdesenvolvidos, caracterizada pelos seus dois circuitos, superior e inferior, e resultando no livro L’Espace Partagé: les deux circuits de l’économie des pays sous-développés publicado em francês em 1975, em inglês e português em 1979.
Milton Santos se refere à existência de dois circuitos da economia – o primeiro constituído pelas empresas, pelos bancos e seguradoras, ao qual chamava de rico; o segundo expressado pela economia informal, por meio do comércio ambulante e dos demais circuitos pobres da economia.
A bagagem
Seu retorno ao Brasil se dá quando da segunda gravidez de sua esposa – ele queria que seu filho nascesse baiano.
Na bagagem, uma obra que marca sobretudo os geógrafos marxistas do país: “Por uma Geografia Nova, da crítica da geografia a uma geografia crítica ”, de 1978, traduzida para vários idiomas em diversos países. Neste trabalho, ele defende uma geografia voltada para as questões sociais.

Mas, entre sua chegada ao Brasil e o retorno à vida universitária, passam-se dois anos. Ele recomeça na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de 1979 a 1983, e depois vai para a USP, onde ingressa por concurso, como professor titular de geografia humana.
Mesmo após sua aposentadoria compulsória, em 1997, Milton Santos continua a pesquisar, publicar e orientar estudantes. E é, também, oficialmente reintegrado à Universidade Federal da Bahia , em 1995, da qual tinha sido demitido por “ausência”.
Milton e a negritude
Apesar das contribuições de Milton Santos ao pensamento social brasileiro serem bem reconhecidas, a negritude do autor muitas vezes é uma questão excluída do debate acadêmico. Tal apagamento chamou a atenção de Tadeu Batista Alves durante sua graduação em Geografia, na USP entre os anos de 2007 e 2013, e transformou-se em tema de seu Mestrado.
O resultado está na dissertação Milton Santos: Narrativas em construção sobre ser negro no Brasil ao final do século XX , fruto de análise de entrevistas, depoimentos e trabalhos acadêmicos produzidos por Milton Santos entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, com foco nas questões da população negra e sua cidadania no Brasil; bem como fotografias e textos que ele identificava como leituras obrigatórias sobre a população negra no Brasil e sua integração na sociedade.
“Muitas vezes foi dito que Milton Santos não discutia a questão do negro no Brasil, mas quando ele está abordando a cidadania, ele está expondo exatamente como o negro deve ser inserido na sociedade brasileira. Nesse ponto – afirma o autor da dissertação -, eu destaco como seu pensamento é vivo, pois trata de questões como o pertencimento ao espaço e a situação dos corpos negros, ou os diferentes corpos na cidade”.
Como exemplo desse silenciamento, Tadeu Alves cita o discurso que Milton Santos fez quando foi homenageado pela USP, referindo-se à necessidade de ampliar o acesso da população negra à Universidade. Tal menção – destaca – aparece somente como nota de rodapé.
Mesmo assim, ele é um ícone de resistência e uma referência intelectual para brasileiros de todas as origens, reafirmando a importância do negro na formação do pensamento nacional. Sua trajetória destaca a persistência do racismo estrutural no Brasil e a sub-representação de corpos racializados na academia, mas também evidencia sua luta pela desconstrução do mito da democracia racial,. Para ele, a integração do negro no Brasil só ocorreria se houvesse, de fato, sua real cidadania.
…
Milton Santos morre em 24 de junho de 2001 em São Paulo.
Fonte: Milton Santos, Fundação Palmares, Teses USP
Escrito em 9 de agosto de 2013. Última atualização, 18 de fevereiro de 2025.
Que inspiração para todos os estudantes.
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