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Monteiro Lopes, o primeiro deputado federal negro do Brasil

O jurista pernambucano Manoel da Motta Monteiro Lopes é o primeiro deputado federal preto e com discurso racial afirmativo da República Federativa do Brasil, eleito duas décadas após a abolição, e empossado em 1º de Maio de 1909, depois de o povo elegê-lo nas urnas e ir às ruas lutar por sua diplomação.

Republicano, socialista não-revolucionário, defensor dos trabalhadores, revelou sua “têmpera de lutador” e se tornou um “acérrimo abolicionista” quando ainda estudava Ciências Jurídicas, conforme consta na carta de Registro de Bacharel, de  29 de novembro de 1889, da Faculdade de Direito do Recife.

Filho de Jeronymo da Motta Monteiro Lopes e  Maria Egiphicíaca de Paula Lopes, nasceu em Recife a 11 de janeiro de 1867, fez carreira como promotor e juiz em Manaus e mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1894, a fim de se dedicar à advocacia.

Na então capital do Brasil, enfrentou uma avalanche de protestos pela sua cor, apesar de ser apenas mais um entre os milhares de migrantes e imigrantes que, nesse período, buscavam um “lugar ao sol” na cidade mais pujante da jovem República.

Polo econômico, social e político, a cidade passava por uma emergente industrialização, reunia o que havia de mais desenvolvido no campo científico e tecnológico, sediava uma efervescente vida cultural e ditava comportamentos e tendências estéticas.

Não demorou, Monteiro Lopes conquistou clientela, reconhecimento profissional, mas percebeu também a cidade marcada pela heterogeneidade e, sobretudo, repleta de injustiças e contradições, sociais e raciais.

O Rio queria ser Paris e, para a elite carioca, práticas culturais populares, bem como crenças religiosas de matriz africana, representavam atraso. Assim, ele assistiu a população pobre perder suas casas no centro da cidade e ter pioradas suas condições de vida.

Sensível a essas questões, passou a posicionar-se no debate público, se envolveu com associações de trabalhadores e ingressou na Irmandade do Rosário dos Homens Pretos. “Discípulo” de José do Patrocínio, afiliou-se à maçonaria e iniciou militância político-partidária.

O político

Em 1896, pertencia ao Partido Republicano Nacional, que não teve vida longa.

Em 1903, lançou sua candidatura e foi eleito pelo voto popular para o cargo de intendente municipal – vereador, na atualidade -, com atuação em favor de operários e classes pouco favorecidas.

Depois, tentou uma vaga na Câmara Federal. Foi derrotado.

No final de 1908, abraçou o projeto do Partido Democrático, que defendia a “soberania popular” e insistia no voto secreto. Costurou barganhas políticas e  colocou uma nova candidatura na rua, surpreendendo a todos.

E mais ainda ao ser eleito no primeiro distrito com 2.337 votos, o terceiro mais votado – o primeiro, Irineu Machado, obteve 4.823 votos; o segundo, Bethencourt da Silva Filho, 3.039; o quarto, Pereira Braga 2.176, e o quinto, Barbosa Lima, 1.739.

A campanha

Durante a campanha, Monteiro Lopes não passou despercebido pela imprensa nem foi poupado. Ao contrário. Nos jornais, sobravam pilhérias, sátiras, troças e chacotas de cunho racista. Estratégia utilizada pelo ideário do racismo científico,que atestava nossa inferioridade racial, a propensão natural para o crime, a vinculação com epidemias, entre outros estigmas construídos em torno da identidade negra.

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Boa parte das elites intelectuais e políticas – juristas, engenheiros, médicos, jornalistas, professores e autoridades públicas – acreditavam que a presença de africanos e seus descendentes representava um obstáculo para a melhoria da raça, para a formação do povo e a prosperidade da nação!

Daí imagens, representações e narrativas associando os negros a coisas negativas (atraso, ignorância, vadiagem, anomia) serem a tônica nos jornais:

A coluna de galhofas “Agulhas e alfinetes“, de O Século, escreveu na edição de 27/01/1909:

– Há uma nuvem escura no horizonte…

– Já sei – é a candidatura do Monteiro Lopes.

O diário Correio da Manhã, em 16/01/1909, na coluna “Pingos e respingos“, Cyrano & Cia registrou:

Na Avenida, no momento em que apaga um lampião:

– Isto por enquanto ainda não é nada; no dia das eleições é que vai ficar tudo preto

– Já sei: o Irineu…

– Qual Irineu! Você está a ler! Este distrito é do Monteiro Lopes!

O “vai ficar tudo preto” era uma referência à  cor do candidato, jocosamente associada a coisa ruim, a escuridão, trevas, ausência de luz.

A marca da cor, aliás, foi várias vezes acionada para desqualificá-lo. Mas Monteiro Lopes aguentou firmeosescárnios e as calúnias, apostando na ampliação da cidadania, na retórica da universalização dos direitos no regime republicano.

Ele montou seu comitê eleitoral no centro da cidade, investiu alto em cabos eleitorais, na confecção e distribuição de “santinhos” e na divulgação da sua candidatura, percorrendo a redação dos principais jornais e procurando mobilizar sua base eleitoral: os trabalhadores, categorias do setor público e privado e a população negra.

No dia das eleições: 30 de janeiro, um sábado, em pleno verão fluminense, sobravam boatos de fraudes eleitorais e todo tipo de falcatruas. Para se precaver, Monteiro Lopes acionou o chefe de polícia e pediu “providências”. Nada foi feito e muitas irregularidades viraram notícia de jornal.

A batalha e a guerra

Na verdade, não bastava ser o terceiro mais votado. Na época, o candidato eleito precisava ter o total dos votos reconhecido em várias instâncias. E, no final, ainda, tinha a Comissão de Verificação de Poderes, que diplomava os eleitos. O problema é que esse órgão do Congresso Federal costumava referendar apenas os mandatos dos políticos pertencentes aos grupos que já dominavam o poder.

Monteiro Lopes não era um cacique político, como escreviam os jornais, não tinha o “amparo de caudilhos políticos” e erapreto e muito preto“. E a conversa para impedir sua diplomação, nos  bastidores do poder, se justificava pelo fato de ser “uma vergonha deixar entrar no Congresso um homem da cor do Sr. Monteiro Lopes”. Seria “uma afronta aos brios da raça superior“.

Para boa parte das elites intelectuais e políticas da época, a presença de africanos e seus descendentes era um obstáculo para a melhoria da raça, a formação do povo e a prosperidade da nação.

Segundo o Correio da Manhã, edição de 16/02/1909, quem estava à frente dos conchavos para impedir a diplomação do “político preto” era o Centro Industrial, associação de classe composta, em sua maioria, por antigos fazendeiros ex-negociantes de escravos.

Na imprensa, quem comandava a campanha contra Monteiro Lopes era Alcindo Guanabara, antigo jornalista dos senhores de escravos.

Virada de jogo

Monteiro não se intimidou. Ao contrário. Iniciou uma articulação para garantir seus direitos políticos, envolvendo não só setores políticos e da imprensa, mas também sindicatos, instituições de ensino, pessoas dos bairros, nos bondes, nas ruas e nas esquinas, a cor na política tornou-se a polêmica do momento – noticiou a Gazeta de Notícias, de 16/02/1909.

Na edição de 13 de fevereiro do mesmo ano, O Século estampa a manchete: “Está convocado para terça-feira um comício de protesto contra o esbulho de que dizem ameaçado o dr. Monteiro Lopes. Corre que a coisa ‘será preta’…”  Mobilização para fazer valer a cidadania da população negra.

Dois dias depois, uma “grande reunião de homens de cor”, no Centro Internacional Operário, decide pedir adesão a todas as classes e corporações da capital, bem como da imprensa e dos homens de cor de todos os Estados na defesa do mandato de Monteiro Lopes.

Parlamentares e governadores da Bahia, Minas Gerais e do Rio Grande do Sul são contatados para manifestar-se publicamente “para que não seja excluído da representação nacional um eleito do povo, pelo fato de ser negro”.

No dia 19 de fevereiro, a Gazeta de Notícias conta que “o prematuro grito de alarme” contra a hipótese de não reconhecimento de Monteiro Lopes como deputado pela capital da República, estava repercutindo “por todos os recantos do país”.

A mobilização racial cresceu em ritmo acelerado, com manifestações de apoio a ele por parte dos “homens de cor” do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e  várias outras cidades do território nacional, como Porto Alegre, Rio Grande, Bagé, Santa Maria e Pelotas, no Rio Grande do Sul,

Telegramas e cartas foram enviados às autoridades, uma ação judicial foi movida, atos públicos convocados e audiências agendadas com chefes políticos estaduais.

Enquanto isso, a revista O Malho, de 20/02/1909, trazia a charge intitulada “A cor dos casos“, fazendo chiste racista:

Em mixórdias eleitorais tudo é possível”. Mas esta, agora, “passa das marcas e… escurece tudo! Ah! Monteiro Lopes! A tua cor é que domina o horizonte: está ficando tudo preto… muito preto, Monteiro Lopes! Pretíssimo!…”

A caminho da posse

Em março, desconfiado, Monteiro acompanha de perto o trabalho da Junta Apuradora. Não sem confronto e debates acalorados. Sua votação é confirmada. Mas existe, ainda, um último obstáculo: ser reconhecido pela Comissão de Verificação de Poderes, para tomar posse.

A campanha de pressão pública permanecia. No dia 28 de abril, novas ameaças vieram à tona. A imprensa divulgou que, nos “corredores da Câmara”, espraiou-se o “boato” de que fora elaborada por dois representantes do Distrito Federal uma emenda que mandava “rasgar o diploma do Sr. Monteiro Lopes, para fazer presente da sua cadeira ao Sr. Serzedello Correa”.

Fim de abril: a Comissão de Verificação conclui seu trabalho. Monteiro telegrafa e avisa os governadores. À Comissão Verificadora não é apresentada nenhuma emenda. E, finalmente, em 1º de maio de 1909, Monteiro Lopes é proclamado e reconhecido deputado federal pelo Distrito Federal.

A festa

Após a posse, O Século noticiaque, nas ruas, o deputado se deparou com  “uma aglomeração da arraia-miúda” que o esperava e “fez-lhe ruidosa manifestação”.

Isso, depois de terem caído sobre sua cabeça “milhares de pétalas de rosas” e de  “dois pombos, um preto e outro branco, simbolizando o partido pelo qual foi eleito” terem dado voltas no recinto, conforme publicado em O Paiz, no dia seguinte. 

Algo de novo acontecera no cenário político nacional.

Símbolo de resistência

O deputado, Monteiro Lopes peregrinou pelos estados que o apoiaram, confirmou sua disposição de luta por direitos universais, cidadania e igualdade racial. Tornou-se referência para a militância e símbolo de resistência da luta negra no pós-abolição.

Seu mandato foi colocado, também, a serviço das questões sociais e dos direitos dos trabalhadores. Mas pouco pode fazer: faleceu às 12h40 do dia 13 de dezembro de 1910, na cidade do Rio de Janeiro, aos 43 anos. Na causa da morte, complicações decorrentes do diabetes.

Para a história, as marcas que ficaram deste político negro pioneiro – apesar de todo o racismo científico e da discriminação racial que sofreu – podem ser resumidas em expressões registradas nos jornais da época e em coroas de flores no seu enterro: “advogado dos oprimidos”, “amigo das classes trabalhadoras”, “paladino do operariado”, “egrégio parlamentar”,  “negro retinto”, “homem de cor”, “homem público”, “afamado pela inteligência e filho de africanos”, “líder dos negros”, “bem falante, trajando com esmero e desfrutando certo prestigio político”, “líder da raça negra, suando reivindicações, a falar sempre, muito alto”, “bom negro”, “histórico republicano, que tinha trovoada na voz e perdigotos nas palavras”, “de estatura regular, gordo e de cor preta desbotada, beirando a mulato, brincalhão e simpático”…

Monteiro Lopes foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier no Rio de Janeiro.  Deixou viúva Zulmira Monteiro Lopes e um filho, Aristides Lopes, então aluno do Colégio Militar – informa o jornal O século.

Outras paixões

Paralelamente à sua atuação na área do direito e da política, Monteiro Lopes se dedicava à literatura e ao jornalismo. Escreveu, entre outras obras, Dama de sangue, O crime de Vanderbilt, poesias e artigos publicados em jornais de Recife, Belém, Manaus e Rio. 

Fundou e foi o principal colaborador do Diário Ilustrado, publicado no Rio de Janeiro entre 1904 e 1905.

Fontes: 

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002013000100004

https://www.ufpe.br/arquivoccj/curiosidades/-/asset_publisher/x1R6vFfGRYss/content/primeiro-deputado-federal-negro-do-brasil-monteiro-lopes/590249

https://www.bn.gov.br/producao-intelectual/documentos/manoel-motta-monteiro-lopes-um-deputado-negro-i

7 comentários em “Monteiro Lopes, o primeiro deputado federal negro do Brasil”

  1. Rute Aparecida Pinto Lucio

    É incrível os que fizeram questão de buscar negros africanos, serem contra a cor negra nas ruas e cidades. Deveriam assumir seu erro e tentar resolver o “problema” ajudando os menos favorecidos com escolas, moradia descentes. Hoje com certeza não teríamos tantos problemas de racismos, preconceitos, não teríamos tanta história de luta com uma porção de tristeza na vitória!

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  5. Procurei sobre Monteiro e achei seu artigo, o canal da BBC falou sobre o Brasil e citou ele, poderia confirmar, entre 1904 e 1905 ele sofreu degola política nos cargos de conselho municipal e câmara federal ? Pois li sobre a candidatura de deputado federal, mas no vídeo não fica claro a vida dele então procurei pesquisar mas há pouco sobre na Net.
    https://youtu.be/GXUq5b8-HwM

  6. Pingback: Candidaturas e Mandatos Coletivos

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