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Olimpíadas, questão de gênero e raça

Atletas combatem o racismo, o machismo e a homofobia no mundo através do esporte, com o peso de medalhas de ouro.

Venus e Serena Williams celebrando o ouro pelos EUA em Sydney, 2000. (Foto: Getty Images)
Venus e Serena Williams celebrando o ouro pelos EUA em Sydney, 2000. (Foto: Getty Images)

Se é difícil para o homem negro, multipliquem-se os desafios para as mulheres e negras. A resistência é enorme desde sempre e o equilíbrio no quesito gênero ainda está por se realizar. Quem sabe, neste século XXI…

Alice

Em Londres 1948 – mais de 50 anos depois do início dos Jogos Olímpicos da Era Moderna -, as mulheres eram apenas 9,5% dos 4.104 atletas inscritos. E foi exatamente nesta edição que Alice Coachman, aos 24 anos, fez história como a primeira mulher negra campeã olímpica, ao ganhar a prova do salto em altura.

Com a medalha de ouro, Alice conquistou o direito a voz num país em que sua cor de pele a silenciava. Americana da Georgia – região sul dos Estados Unidos onde, por muitos anos, se viveu a segregação racial -, impossibilitada, por isso, de frequentar as instalações esportivas por ser negra, a atleta improvisava os treinos descalça e usava equipamentos antigos para evoluir no salto em altura.

Seu talento foi identificado por um professor e, aos 16 anos, década de 1940, mudou-se para o Alabama, conseguiu uma bolsa de estudos e começou a quebrar recordes nacionais. A Segunda Guerra – que impôs o cancelamento das Olimpíadas de 1940 e 1944 – adiou sua estreia nos Jogos Olímpicos. Virou lenda.

Ou como ela disse em entrevista ao jornal The New York Times, em 1996:

“Fiz a diferença entre os negros, sendo líder. Se eu tivesse ido aos Jogos e falhado, não haveria ninguém para seguir meus passos. Incentivei o resto das mulheres a trabalhar mais e a lutar mais”.

Apesar das glórias, na Geórgia, sua cidade-natal, ao homenageá-la, o prefeito se recusou a apertar a sua mão e a atleta não pode usar a porta principal no evento.

Melânia e Aída

Na mesma Londres 1948, um ineditismo no Brasil: a seleção olímpica é integrada pela primeira mulher negra na equipe de Atletismo, Melânia Luz dos Santos. Ela correu os 200m em 26.6, sendo a quarta colocada na primeira série eliminatória. No 4×100 m quebrou o recorde sul-americano, com 49.0, também na primeira série eliminatória.

Do Brasil, também, a carioca de Niterói Aída dos Santos foi mais longe nas Olimpíadas de Tóquio 1964, sem apoio, sem treinador, sem sapatilhas de prego e sem médico. Única na delegação brasileira, é a primeira a chegar perto de uma medalha – conquistou a quarta posição no salto em altura, com 1,74m, mesmo com o pé torcido.

Aída teve a melhor colocação de uma mulher brasileira em uma prova individual da Olimpíada até o ouro de Maurren Magi em 2008. E a pioneira é mãe da atleta Valeskinha, que conquistou o ouro em Pequim 2008 com a seleção feminina de vôlei.

Mireya

Mas vôlei de quadra nota 1 milhão tem nome, sobrenome e pioneirismo negro cubano: Alejandrina Mireya Luis Hernández, conhecida como o terror das jogadoras brasileiras. Tricampeã olímpica, ela é considerada a melhor atleta da história da modalidade.

Mireya, como é mais conhecida, fez sucesso na seleção de seu país nos anos 1980 e 1990. Venceu a medalha de prata no Campeonato Mundial de Praga em 1986 e, três anos depois, conquistou a Copa do Mundo sendo eleita a melhor atacante e uma das seis melhores atletas do torneio e duas edições do Grand Prix, além de outras conquistas.

Wilma

Só nos Anos 1960 passou a ser mais “normal” ver negros destacando-se nos esportes. Em Roma foram três e entre eles, uma mulher: Wilma Rudolph.

Conhecida como Gazeta Negra, a atleta teve poliomelite na infância e subiu no alto do pódio nos 100 m, 200 m e revezamento 4 x 100 m.

Enith e Simone Manuel

Mas se a presença negra, hoje, é garantida nas pistas de Atletismo, não se pode dizer o mesmo na natação. Nos esportes elitistas, aliás, as conquistas demoraram um pouco ou bastante mais.

Se pensarmos que a natação – de novo – integra o programa olímpico desde a primeira edição dos Jogos da Era Moderna, em Atenas 1896, chega a ser absurdo que estejamos registrando pioneirismos em pleno século XXI.

A primeira medalha de um atleta negro no esporte só foi conquistada 80 anos depois, em Montreal 1976, com uma mulher caribenha, Enith Brigitha, que nasceu em 1955, em Curaçao, ilha que pertence à Holanda.

Depois dela, 40 anos se passaram até que outra atleta negra subisse ao pódio para pegar a sua medalha de ouro. O nome da protagonista é Simone Manuel, americana. E ela teve como palco a Olímpíada Rio 2016.

Detalhe: Simone Manuel não subiu ao pódio uma, mas duas vezes, duas medalhas de ouro e se tornou a primeira negra a ser duplamente campeã olímpica na natação nos Jogos.

E pensar que, no Brasil, até 1950, apenas brancos podiam frequentar piscinas em clubes sociais, quanto mais participar de Olimpíadas.

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Irmãs Williams e Simone Biles

Em 2012, os norte-americanos colocaram negras sob holofotes em esportes tradicionalmente ocupados por brancos ou asiáticos.

E eles, os esportes e seus atletas pouco amigáveis com negros e negras também, tiveram de render-se a mulheres excepcionais, como as irmãs Serena e Vênus Williams, consideradas as duas das maiores tenistas da história – Serena com quatro ouros no tênis.

Destaque também para Gabby Douglas, da ginástica artística, que em Londres 2012, é alçada à condição de primeira afrodescendente campeã do individual geral nos Jogos Olímpicos.

E da América do Norte, ainda, a ginasta Simone Biles que, por duas vezes, fez o Yurchenko Double Pike, movimento nunca antes feito em competição oficial por uma ginasta mulher, um dos mais complexos e arriscados da mesa.

Simone está entre as principais estrelas das Olimpíadas de Tóquio 2021 e, segundo a crítica especializada, tinha tudo para se consolidar como uma das melhores da história. Tanta expectativa não era à toa: embora jovem, 24 anos, Simone já tem bastante experiência e soma mais de 30 medalhas em Mundiais e Olimpíadas, incluindo quatro ouros na Rio 2016.

No Japão, não era esperado que ela errasse movimentos nem que ela ocupasse outro lugar além do mais alto do pódio, muito menos que desistisse de provas. Mas na terça-feira, 27 de julho de 2021, a estrela da seleção americana pediu para sair da competição por equipes após encaixar um salto com erro na aterrissagem e tirar uma nota baixa para seus padrões.

A princípio, a comissão técnica deu uma explicação abrangente, que era “questões de saúde”, mas a atleta o jogo: não se tratava de uma lesão, mas de sua saúde mental.

“Acho que a saúde mental é mais importante nos esportes nesse momento. Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos, e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”, declarou à imprensa. Antes, em seu Instagram, ela já havia dito que às vezes sente “o peso do mundo” em seus ombros.

Embora ainda possa ser um choque ver um atleta de alto rendimento desistir porque a mente não está 100%, a conversa sobre saúde mental já vem ganhando força há algum tempo na sociedade. Outro episódio semelhante aconteceu com a tenista negra japonesa Naomi Osaka, que em maio de 2021 decidiu abandonar a disputa de Roland Garros, importante campeonato de tênis, alegando que precisava priorizar sua saúde mental, fazendo mesmo nas Olimpíadas de Tóquio.

Daiane

Na nossa América, temos a brasileiríssima Daiane dos Santos, nossa ginasta nº 1, um dos principais nomes da modalidade no início do século 21. Embora sem medalhas olímpicas, a gaúcha criou, em parceria com o treinador ucraniano Oleg Ostapenko, dois movimentos que foram eternizados pela Federação Internacional de Ginástica, que levam o seu nome: o duplo twist carpado (Dos Santos I) e o duplo twist esticado (Dos Santos II).

Daiane é a primeira campeã mundial da ginástica artística brasileira, em Anaheim 2003. Participou de Jogos Olímpicos em 2004 – 5º lugar no solo, 2008 – 6º lugar no solo, e 2012 – 12º lugar com a equipe feminina.

Beth e Wanda

As Olimpíadas de Sydney 2000, na Austrália, marcam a estreia de atletas negras em diferentes modalidades, algumas das participantes foram classificadas para os jogos de Atenas. Destacamos Maria Elizabeth Jorge.

Chamada de Beth dos Pesos, a mineira de Viçosa descobriu sua vocação carregando pesadas trouxas de roupas para lavar. Enfrentou preconceito de raça e gênero – no seu tempo, levantamento de peso era esporte de macho! Se tornou halterofilista profissional aos 34 anos, uma idade considerada “tardia” para começar a vida esportiva, e em 2000, aos 43 anos, conquistou o pioneirismo como a primeira brasileira a disputar as Olimpíadas no levantamento de peso. 

Ketleyn, Sarah e Adriana

Olhando para o Brasil, Beth, Melânia, Wanda e Aída são as que vieram antes. Ao lado delas – apesar da distância temporal, as principais negras judocas: a brasiliense Ketleyn Quadros, em Pequim 2008, a primeira brasileira a chegar ao pódio olímpico em uma competição individual, conquistando a medalha de bronze na categoria leve (57 kg), e a piauiense Sarah Gabrielle Cabral de Menezes, a primeira mulher do país a conquistar o ouro da modalidade em 2012.

Aplausos também para a baiana Adriana Araújo, no boxe, que subiu ao pódio nas Olimpíadas de Londres 2012 contra todas as adversidades.

Aplausos a todas que vieram antes e virão depois, inclusive as não citadas neste texto.

Leia também a história da jovem ativista, tenista, negra, japonesa Naomi Osaka, que acendeu a pira olímpica nos Jogos de Tóquio 2021.

Fontes: Olimpíada Todo Dia, Globo Esporte, Uol

3 comentários em “Olimpíadas, questão de gênero e raça”

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