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A maconha, as leis e o racismo

Pito do Pango, maconha leis e racismo (Imagem: Reprodução)

A erva ancestral, em território nacional, pode fazer bem à saúde, deter o processo de mudanças climáticas, tornar o agro mais pop, gerar emprego, renda e mais riquezas, servir ao bem estar, ao lazer e a um Brasil antirracista!

O que este artigo responde:
Maconha é droga?
Qual a origem da maconha? 
Por que o uso da maconha é caso de polícia? 
O que é pito do pango?
O que a proibição do uso da maconha tem a ver com o racismo?
Maconha causa dependência?
Quando o uso da maconha se tornou crime?

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A maconha, as leis e o racismo

Maconha é droga ou não é ?

A definição de droga é: alguma coisa que tem efeito farmacológico no organismo. Maconha é droga, sim, bem como café, coca-cola, açúcar, álcool… Na Rússia czarista, tomar café já foi punido até com pena de amputação de membro!

O cientista e biomédico Jack E. Henningfield, do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos, pesquisando a dependência relativa de seis substâncias diferentescannabis, cafeína, cocaína, álcool, heroína e nicotina -, considerou a maconha a menos viciante e a nicotina como a substância que causa maior dependência.

Diversas drogas e algumas de suas moléculas
Drogas utilizadas rotineiramente ao redor do mundo (Imagem: Reprodução | Primeiros Negros)

Relatório de 2006, elaborado pelo governo do Reino Unido, segue a mesma direção, ao apontar que o uso de cannabis é muito menos perigoso do que o uso de tabaco, medicamentos e álcool no que diz respeito a danos sociais, danos físicos e dependência psicológica. Lester Grinspoon, da Universidade de Harvard, em editorial do jornal Los Angeles Times escreve que “a erva de cannabis é extremamente não tóxica”.

“Legalizar a maconha pode auxiliar e muito na solução dos problemas do planeta, principalmente nas mudanças climáticas” – palavra de ativista.

Pito do Pango

O historiador negro, baiano, Edison Carneiro, no livro O Quilombo dos Palmares, se refere à harmônica relação dos quilombolas com a natureza e salienta o uso da maconha, trazida pelos negros da África, como parte da sua cultura:

“Da fauna e da flora dos Palmares, portanto, os negros retiravam grande parte de seu sustento: azeite, luz, a sua vestimenta, os materiais com que construíam as suas choças e as cercas de pau a pique com que se fizeram famosos na guerra.”

“E, nos momentos de tristeza, de banzo, de saudade da África, os negros tinham ali, à mão, a liamba, de cuja inflorescência retiravam a maconha, que pitavam por um cachimbo de barro montado sobre um longo canudo de taquari, atravessando uma cabaça de água onde o fumo esfriava. Era fumo de Angola, a planta que dava sonhos maravilhosos.”

A forma como era consumida pelos negros dos Palmares, em cachimbos de barro – os holandeses diziam que esses cachimbos eram feitos com os cocos das palmeiras – levou a maconha a ser chamada de “Pito do Pango”.

duas pessoas de pé e uma sentada, compartilhando um fumo enrolado.
Escravos enrolando fumo, representados por Debret (Imagem: Reprodução

O tecido mais forte e elástico, usado nas fibras das cordas e velas das caravelas, dando maior velocidade às embarcações, trazido pelos portugueses e chamado de cânhamo tem a “mesma fonte” que a maconha. Cânhamo, aliás, é sinônimo e anagrama da palavra maconha. Quer dizer, com as mesmas letras se escreve as duas palavras. 

O crime de racismo

A maior população escravizada do mundo vivia no Rio de Janeiro, o primeiro lugar do planeta a criminalizar a conduta de fumar maconha!!!

4 de outubro de 1830, Câmara Municipal do Rio de Janeiro – na Seção Primeira Saúde Pública, Título 2º, Sobre a Venda de Gêneros e Remédios, e sobre Boticário, entrou em vigor o seguinte § 7º:

“É proibida a venda e o uso do “pito do pango”, bem como a conservação dele em casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia.”

Em outras palavras: quem vende – o branco, livre, dono do boticário, paga multa; quem usa, o escravizado, é encarcerado.

“Criminalizar a maconha tem a ver com punição. O uso do pito do pango pelos escravizados incomodava os senhores de engenho. Eles não aceitavam ver o negro relaxar, depois do uso da substância… Incomodava… o negro relaxar…”, denuncia Juliana Borges, autora do livro Encarceramento em Massa, de 2019, da coleção Femininos Plurais.

A legalização da maconha faz parte da luta contra o racismo no Brasil.

“No Brasil, por muito tempo se criminaliza o usuário. Criminalizar o comércio é do Código Penal de 1940”, compara a advogada. Cem anos separam a proibição do “pito do pango” do encarceramento do usuário do Código Penal. 

Da perspectiva de Juliana Borges, o intuito, desde sempre, é a punição:

 “A criminalização da cultura negra é histórica, faz parte da estratégia de subalternizar, violentar e marginalizar o povo… O Brasil nasce da violência, de uma invasão que acontece nesse território e tem uma sociedade altamente punitiva. Isso vem desse período colonial. E pessoas negras sempre foram vistas como mercadorias Não cabe momento de bem-estar para mercadorias. Os negros tinham de estar prontos para o trabalho, para a exploração… Daí se criam mecanismos para impedir a recreação, mecanismos de controle da desigualdade socio-racial”.

Onda negra, medo branco

O político e médico sergipano José Rodrigues da Costa Dória (1857-1938) assina uma série de artigos nos jornais em defesa da proibição da maconha no Brasil, classificando-a como “veneno africano”, “ferramenta do mal”, que causa loucura e leva as pessoas à criminalidade.

Em sua pesquisa, Rodrigo Dória, que atua na política a serviço da classe dominante, afirma que com o uso da erva por pessoas brancas, não se nota comportamentos violentos e agressivos como os registrados quando os usuários são pessoas negras. E é dele também o argumento de que a maconha foi trazida para o Brasil pelos negros como “uma espécie de vingança”

O peso da lei

Não é por acaso que, no momento da abolição da escravatura, o direito penal foi utilizado para criminalizar todo tipo de conduta identificada como prática cultural africana. Assim, criminaliza-se o samba, a capoeira, o candomblé, o trabalho sem carteira assinada, a maconha…

“Uma pessoa batucando, fazendo samba, era encarcerada pelo crime de vadiagem. A criminalização da capoeira, arte marcial negra, aconteceu em 1891, bem como das benzedeiras. E é dentro desta política que, no começo do século XX, o Brasil se destaca como o primeiro país a criminalizar a maconha, identificada como prática cultural de pessoas negras”, historia Ana Carolina de Paula Silva, doutoranda em Ciência Política.

“O modo de existir negro foi criminalizado em uma tentativa deliberada de banir a nossa população do espaço público…”, afirma Ana Carolina, chamando atenção para a necessidade de entendermos as leis a partir de uma perspectiva mais ampla, histórica, criminológica, política. “É preciso saber dos impactos que a sua aplicação causa e as reais motivações que as inspiraram”.

Papiro antigo sobre uma mesa
O Papiro Ebers (c. 1 500 a.C.), do Antigo Egito, com uma prescrição de cannabis medicinal aplicada diretamente para casos de inflamação. (Imagem: Wikimedia Commons)

Revisitando o passado, torna-se evidente que nossas práticas culturais, musicais, nossa resistência, foram e são todas criminalizadas até serem apropriadas pela branquitude – está aí o Carnaval, a música negra da Bahia

Do ‘pito de pango” à cannabis”, a linha do tempo com a história da maconha, o seu uso pela humanidade e as estratégias legais, políticas e econômicas para a dominação dos povos.

Leia também: Você pode fumar baseado? e Cannabis ou maconha?

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Fontes: podpensarpreto podcast – entrevista com Ana Carolina de Paula – 10/10/2023; A história da Maconha – UFba, Zero Hora – Rita Lee, podcast mano a mano -cannabis – entrevista com a médica Jackeline Barbosa, o advogado Emílio Figueiredo, e Juliana Borges, autora do livro “Encarceramento em Massa”; Midia Ninja; Scielo; O Globo, Wikipédia

Escrito em abril 2024

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