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Afronautas, o projeto espacial negro

O continente africano esteve presente na corrida espacial, a partir de um programa idealizado e administrado por um único homem, à frente de seu tempo, que pensava inclusive em enviar para Marte a primeira astronauta negra. E esta é uma história mais que afrofuturista! 

Afronautas em treinamento (Imagem: Geekness)
Afronautas em treinamento (Imagem: Geekness)

Os Estados Unidos e a Rússia, antiga União Soviética (URSS) foram as principais potências da corrida espacial nas décadas de 1950 e 1960. Na época, entretanto, havia um terceiro protagonista disposto a vencê-los, chegando à Lua primeiro, a Zâmbia – país localizado no sul da África, até então conhecido como Rodésia do Norte (nome em referência ao empresário Cecil Rhodes, que a tornara colônia britânica no final do século XIX.

À frente do sonho, o professor de Ciências Naturais Edward Festus Mukuka Nkoloso, ex-combatente de guerra e, diretor da Academia Nacional de Ciências, Pesquisa Espacial e Filosofia da Zâmbia, escola criada ilegalmente por ele mesmo.

Sua ideia era simples e tinha como foco superar os americanos e os russos, colocando o seu país como potência mundial e pioneiro na conquista do espaço sideral.

Em 20 de julho de 1969, às 20 horas e 17 minutos, aconteceu o primeiro pouso do homem na Lua, depois do lançamento do vôo espacial tripulado Apollo 11. Mas são os norte-americanos que assinam este feito.

Mesmo assim, Edward Festus Makuka Nkoloso e seu Programa Espacial da Zâmbia fizeram história. Sua ousadia foi reconhecida. Além de receber honras de presidente quando da sua morte em 1989, ele é um dos sete não soviéticos a receber a Medalha do Jubileu, “Quarenta Anos da Vitória na Grande Guerra Patriótica 1941-1945”. 

Sua história é realidade e é ficção e é ciência e é filosofia afrofuturista, do diálogo entre o passado e o futuro, bem como um convite para a leitura crítica dos fatos que, quando aconteceram, não foi permitido ao povo negro narrar.

Sonho espacial

O fim da Segunda Guerra Mundial – (1939 – 1945) marca o início da disputa para o posto de maior potência global. Era o ano de 1947 e sem armas ou bombardeios, os Estados Unidos e a então União Soviética instauram o que ficou conhecido como “Guerra Fria” – conflito político-ideológico responsável por polarizar o mundo em dois grandes blocos, um alinhado ao capitalismo e outro comunismo. Era também um ‘campeonato’ de superação em tecnologia, cultura, esportes, em tudo..

Edward Festus Mukuka Nkoloso (Imagem: Reprodução)

Passada uma década desta guerra que durou 44 anos, o planeta Terra se tornou pequeno para as duas potências que iniciaram a corrida espacial para pisar na Lua primeiro e tornar-se a principal potência econômica do mundo.

No mesmo ano, 1957, em outro continente, na África, Edward Festus Mukuka Nkoloso ganhava a liberdade, depois de ter sido preso várias vezes como – integrante do movimento de resistência pela independência da então Rodésia do Sul, colônia britânica.

O que a liberdade de Nkoloso tem a ver com a Guerra Fria de Estados Unidos e União Soviética?

O sonho de lançar um foguete para fora do planeta Terra, de conquistar o espaço sideral, um sonho cultivado na prisão a partir do desejo de andar nas nuvens, alimentado na infância. 

O projeto

Nkoloso era um amante das ciências – sua formação era para o sacerdócio, mas estudou física, matemática e operações de microscópio quando esteve no Exército. Por isso, abre sua própria escola, cria um centro de pesquisa espacial, em 1960, e anuncia para o mundo o seu ambicioso plano. 

Pelos seus cálculos, sete milhões em libras zambianas mais dois bilhões de dólares americanos seriam suficientes para financiar o programa. E ele busca apoio de seu governo, da ONU – Organização das Nações Unidas, da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, e da iniciativa privada… Os órgãos internacionais não respondem às suas solicitações

Na verdade, poucos lhe dão credibilidade a maioria caçoa da ideia. Mas Nkoloso segue firme em seu propósito de vencer a corrida espacial e colocar a Zâmbia no cenário econômico mundial.

No improviso

Ele recruta doze voluntários, os chama de afronautas e cria um programa de treinamento alternativo, sem profissionais qualificados e tecnologia de ponta, como cápsulas giratórias, salas térmicas, câmara de oxigênio ou assentos vibratórios:

Astronauta zambiana usando uma corda de balanço para treinamento. Ela é identificada no artigo como Martha Chingwaugh. (Imagem: publicação de Sydney Morning Herald)
  • para simular gravidade zero, uma balança com pneu que roda em volta de uma árvore;
  • com o objetivo de refletir a sensação de queda livre sob a gravidade do universo,os afronautas são morro abaixo dentro de um tambor de óleo de 200 litros;
  • pensando na adaptação para a falta de oxigênio no espaço, exercícios de submersão prolongada na água;
  • para locomoção no espaço, treino de caminhada com as mãos… 

Lua ou Marte!?

Os treinos – em uma fazenda abandonada a quilômetros da capital – aconteciam ao mesmo tempo em que a nave, o ônibus espacial, era construído. Batizado D-Kalu 1 – em homenagem a Kenneth David Kaunda, primeiro presidente da Zâmbia -, tinha o formato de tambor, com cerca de 3 metros de altura e 2 metros de comprimento, todo em alumínio e cobre.

A tecnologia pensada para o seu lançamento era a mesma utilizada nas guerras desde o início do século IV antes de Cristo, a catapulta – uma das mais revolucionárias armas inventadas pela humanidade -, tipo um espécie de estilingue gigante, móvel, para lançar pedras, dardos ou outros projéteis de grande tamanho..

Afronauta rolando colina abaixo durante o treinamento. (Imagem: publicação de Sydney Morning Herald)

O dia do lançamento da nave para o espaço: 24 de outubro de 1965, no aniversário de um ano da independência do país, avisou Nkoloso, um ano antes, em entrevista à agência estadunidense Associated Press, quando dos festejos da libertação da coroa britânica: “Tem gente que pensa que sou louco, mas estarei rindo no dia em que plantar a bandeira da Zâmbia na Lua (…) Nosso pensamento está cinco ou seis anos à frente deles”.

O primeiro presidente da Zâmbia, Kenneth David Kaunda, também, poucos meses depois da independência, em entrevista ao New Yorker, foi enfático ao afirmar que os “neocolonialistas imperialistas” estavam realmente assustados com o conhecimento espacial do seu país.

Sem limites para sonhar, ele decidiu, ainda, que seu foguete depois da Lua, iria até Marte, , com a primeira mulher negra a bordo, a jovem Matha Mwambwa, de 16 anos, junto com dois gatos treinados e um missionário cristão para evangelizar os marcianos.

O cachorro de Nkoloso, Ciclope, também seria levado ao espaço, como resposta da Zâmbia à Laika – cadela espacial soviética que, em 3 de novembro de 1957, se tornou um dos primeiros animais a ser lançado no espaço e o primeiro deles a orbitar a Terra.

Terra chamando…

Num tempo em que a maioria temia as duas superpotências, um zambiano ousou desafiá-las. Nascido em 1919 em uma família de camponeses do norte do país, Edward Festus Mukuka Nkoloso teve educação missionária, aprendeu teologia, latim e francês

Após concluir os estudos, quis seguir no sacerdócio, mas acabou sendo convocado pelo império britânico para lutar na Segunda Guerra Mundial.

Como soldado, foi enviado à Etiópia e à Birmânia. Neste período, estudou ciências, tornando-se um dos mais letrados do exército

Exercícios de treinamento dos Afronautas. (Imagem: Reprodução)

Terminada a guerra, de volta à sua cidade natal, LuKasa, a cidade mais povoada do país e sua capital do país, atuou como professor do ensino fundamental e tradutor do governo.

Mais tarde, em uma organização política , luta contra o domínio colonial britânico. 

Em 1972, candidata-se à prefeitura de Lukasa, No seu programa, investir em em educação e cultura, com a construção de escolas, bibliotecas e centros de pesquisa. Ele perde as eleições, volta a estudar e, em 1983.

 Forma-se em Direito pela Universidade da Zâmbia. 

Morre aos s 70 anos, de morte natural, mas sua história não termina aí. 

Uma outra narrativa

A história oficial diz que a missão espacial da Zâmbia naufragou por conta da gravidez da jovem Matha Mwamba, que seria a primeira mulher negra a pousar em Marte. Ou, ainda, porque nenhum órgão oficial – acreditou no projeto. O fato é que, ao fim do programa espacial, Nkoloso ficou em silêncio. E, diz-se que foi o seu silêncio absoluto que permitiu que vivesse até os 70 anos de idade e fosse homenageado pelo governo do seu país e da União Soviética nos pós morte.

Nkoloso jamais falou sobre o fim do Programa Espacial da Zâmbia. A abertura dos arquivos de Moscou, entretanto, contam uma história de quase sucesso da missão, uma história controversa, sem muitas fontes, de difícil comprovação, mas que dialoga muito com a filosofia afrofuturista, de entender o ontem para olhar o futuro

A revista cultural espanhola JotDown, de ciência, filosofia e ficção científica, no artigo A incrível e triste história da Zâmbia livre e seus heróicos Afronautas, de Antonio Calvo Roy, conta que o foguete de Nkoloso foi lançado e abatido por três mísseis, quando estava a 35 km de altura, após 10 minutos de vôo, em uma operação conjunta da CIA e KGB, agências de espionagem dos Estados Unidos e da União Soviética. 

Os papéis russos informam ainda que, se não tivesse sido abatido, teria arrebentado no solo e que ninguém percebeu o impacto. Era dia 24 de outubro de 1965 e a bordo – escreve o autor – estava o afronauta Chisamba Nkausu Lungu e dois gatos. 

Curiosidade: uma simples pesquisa no Google com o nome ‘Chisamba Nkausu Lungu’, leva a um jogador de futebol zambiano, nascido em 31 de janeiro de 1991. Será homenagem?

Matéria sobre os Afronautas (Imagem: Technoblog)
Matéria sobre os Afronautas (Imagem: Technoblog)

A revista faz outras ponderações e perguntas:

“Se estudarmos detalhadamente os relatos da época, tudo é artificial demais, pelo menos, se nos limitarmos aos jornais oficiais, aos conhecidos, aos que se tornaram públicos. Houve até entrevistas na televisão com Nkoloso nas quais impressiona como tudo parecia pouco profissional. Foi realmente assim? Não havia mais nada? Nkoloso falava de derivados de catapultas, de homenzinhos em Marte que tinha visto com seu telescópio, de gatos subindo em uma corda e caindo para se sentirem leves… Não havia realmente mais nada, era apenas um sonho? Por que tantas honras, nacionais e internacionais, devidas a alguém que, aparentemente, se desacreditou?” 

De acordo com o apurado nos arquivos desclassificados da KGB, um físico e engenheiro russo se convenceram de que o foguete D-Kalu 1 foi lançado como a alma, dentro, do construtor do Integral D-503. 

A tese defendida no artigo é que “a Academia de Ciências e sua louca presença pública, aquelas entrevistas sobre a vida das populações primitivas em Marte, o missionário que as acompanharia… tudo foi calculado pela mente fria” dos russos para tornar a missão “um absurdo monumental no qual ninguém iria acreditar”

Seja como for, a história é incrível e tem inspirado diversos curta-metragens, como os que sugerimos abaixo:

AFRONAUTS | short film, The Time When Zambia Tried To Go To Mars

Faces Of Africa – Mukuka Nkoloso: The Afronaut


Fontes: Africa CQTN, Tecnoblog, Space Legal Issues, Inf News, Uol, RMG Stories, Hypeness, Campo Grande News, Jotdown Magazine

2 comentários em “Afronautas, o projeto espacial negro”

  1. Pingback: Afrofuturismo, a ideia genial • Primeiros Negros

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