É a primeira vez que uma mulher trans conquista uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo em mais de 180 anos de existência da Casa. E ultrapassando os 54 mil votos.
Mulher, trans, negra, natural de Pernambuco, Erica Malunguinho da Silva, do PSOL – Partido Socialismo e Liberdade , é eleita deputada pelo estado de São Paulo num dia de domingo, 7 de outubro de 2018. Pioneiríssima, é mestra em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo, idealizadora e gestora do centro de cultura e resistência negra Aparelha Luzia.
Localizado na Barra Funda, região central da capital paulista, o Aparelha Luzia, reconhecido como quilombo urbano, faz referência aos “aparelhos” como eram chamados os espaços clandestinos na ditadura militar, e ao fóssil mais antigo já encontrado na América, datado em cerca de 13.000 anos, que tinha traços negros.
Erica também atua na área de educação, voltada à capacitação professoresdas redes pública e privada.
Alternância no Poder
Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia, Erica conta sua trajetória, desde sua vinda de Recife para São Paulo, “seus enfrentamentos constantes” e a candidatura à deputada estadual pelo PSOL: “São Paulo é uma cidade que, embora pareça muito diversa, é muito cruel com pessoas que estão fora de seu lugar de desejo da cidade”.
Como candidata, uma de suas hashtags era “alternância de poder”, devido à sub-representatividade da população negra no Brasil nos espaços da política institucional.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, dos atuais 94 parlamentares, somente quatro são negros, ou seja, o equivalente a 4,2% dos eleitos – dados da legislatura que se encerra em 2018.
Branquitude
Erica explica que o sistema capitalista e patriarcal foi gerido pela branquitude. “Inclusive ninguém está dando conta mais disso. É um projeto destrutivo, que corrói inclusive os próprios pertencentes à branquitude.”
A ativista explica que a branquitude não é o sujeito branco em si, mas um sistema de opressão: “Uma lógica, que garantiu que certos indivíduos e sujeitos tivessem privilégios, nesses lugares de sociabilidade. É um sistema que trabalha na lógica de exclusão e de morte de determinados corpos, que não pertencem a essa lógica”.
E esse sistema, segundo Erica, vai sendo difundido e praticado. “É o sistema que produz o indivíduo e o indivíduo que reproduz o sistema. Não sabemos onde começa um e onde começa outro. Isso vai fazendo com que as pessoas reproduzam inconscientemente, e às vezes conscientemente, a invisibilidade e a exclusão de certos corpos.”
Ideias
Entre as propostas do programa da deputada estadual eleita, o incentivo ao turismo social em quilombos e territórios indígenas como estratégia de combate ao racismo, proteção, visibilidade e economia sustentável; direitos estruturais à população trans, e aprimoramento de dispositivos de inclusão no mercado de trabalho.
Em sua plataforma, ainda, o apoio a iniciativas de amparo à população em situação de rua; revisão de programas habitacionais; acolhimento humanizado em hospitais e delegacias para mulheres vítimas de violência sexual, e luta pela garantia da humanização no atendimento de mulheres em situação de aborto.
Ao final de quatro anos, como deputada estadual, Érica Malunguinho destinou, por exemplo, R$ 1,5 milhão a instituições focadas no apoio e acolhimento LGBTQIA+ e ajudou a derrubar o projeto de lei PL 504, que proibiria alusão a orientações sexuais e movimentos sobre diversidade em campanhas publicitárias
Fora das Eleições 2022
“Bem-vindas e bem-vindos ao contragolpe black trans paranauê”, dizia Erica Malunguinho, no evento de lançamento de sua pré-candidatura a deputada federal, pelo Psol de São Paulo, em 31 de março de 2022.
“Está nascendo uma nova líder… No morro do Pau da Aparelha”, cantava a deputada estadual eleita em 2018, adaptando a letra do samba “Zé do Caroço”, de Leci Brandão, e se referindo ao Centro Cultural Aparelha Luzia, quilombo urbano no centro da capital paulista.
Não deu certo! Dia 8 de agosto, Erica Malunguinho anunciou que não é mais candidata a uma vaga no Congresso Nacional. Disse que seguiria “novos caminhos”, mas continuaria “na luta diária pelo meu povo e por todos que foram colocados em situação de exclusão”, sem especificar o que isso significa.
Entre os motivos, há uma questão de saúde familiar e outras questões políticas que só o tempo trará à luz.
O fato é que, sem ela, pelo menos nesta eleição, acontece uma perda significativa no campo da diversidade.
No seu Instagram, a carta aberta em que informa a decisão de sair da política institucional.
Fontes: G1 Globo, Revistq Forum, Tab.Uol
Atualizado em agosto de 2022
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