Pular para o conteúdo
InícioPioneirismo NegroTeatro Experimental do Negro: do sonho à realidade

Teatro Experimental do Negro: do sonho à realidade

Olá! Hoje, vamos explorar uma das iniciativas mais transformadoras na história cultural do Brasil: o Teatro Experimental do Negro (TEN). Fundado em plena Segunda Guerra Mundial, em 1944, pelo visionário Abdias do Nascimento, o TEN não foi apenas um grupo teatral, mas um movimento revolucionário que lutou pela valorização social do negro e pela inclusão de sua cultura e história nas artes brasileiras. Vamos mergulhar na jornada inspiradora deste projeto vanguardista que, décadas depois, ainda é referência em educação das relações étnico-raciais.

Projeto vanguardista de 1944 ainda é referência em educação das relações étnico-raciais.

Teatro Experimental do Negro ensaiando Sortilégio, com Abdias do Nascimento e Léa Garcia, 1957. (Imagem: Domínio público / Acervo Arquivo Nacional)

Em um momento improvável para criação de iniciativas transformadoras, no qual o Brasil envia um efetivo de 25 mil homens à Segunda Guerra Mundial e amarga a baixa de 454 soldados, nasce, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro (TEN), em 13 de outubro de 1944, com a proposta de resgatar a cultura afro-brasileira e trabalhar a valorização social do negro no Brasil, por meio de educação, cultura e arte.

Idealizado, fundado e dirigido pelo economista, ator, ativista e político Abdias do Nascimento (1914-2011), o projeto é referência em educação das relações étnico-raciais. E, passados 76 anos, seus resultados e abrangência ratificam a genuinidade e complexidade de seu  propósito:  definir um novo estilo dramatúrgico e promover o protagonismo negro em oposição às representações caricaturais e estereotipadas que figuravam, até então, nos palcos brasileiros.  

O Começo

A ideia de criação do Teatro Experimental do Negro surge quando Abdias assiste à peça O Imperador Jones, do dramaturgo norte-americano Eugene O´Neil, no Teatro Municipal de Lima, no Peru, em 1941.  

Recorte de jornal referente a peça realizada pelo Teatro Experimental do Negro (Imagem: Instituto Augusto Boal)

No espetáculo, o protagonista é interpretado por um ator branco, com a pele pintada de preto – prática conhecida, hoje, como “blackface” –, o que intriga Abdias e o faz se questionar e criar o TEN.

No início,  o corpo de atores é formado por operários, empregados domésticos, moradores de favelas sem profissão definida e modestos funcionários públicos. O TEN os habilita a enxergar criticamente os espaços destinados aos negros no contexto nacional,  disponibiliza cursos de alfabetização e de iniciação à cultura geral, noções de teatro e interpretação, mesclando as aulas com  debates e exercícios práticos. 

“Quando fundamos o Teatro Experimental do Negro, ficou desde logo estabelecido que o espetáculo, a pura representação, seria coisa secundária. O principal, para nós, era a educação e esclarecimento do povo”, disse Abdias, em entrevista ao jornal Diário de Notícias, em 1946.

Após seis meses de debates, aulas e exercícios práticos de atuação em cena, os primeiros artistas do TEN estavam prontos. 

A estreia

Dada à inexistência de peças dramáticas que refletissem a situação existencial do negro no Brasil, o grupo decide interpretar o texto O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, cuja referência é o contexto racial nos Estados Unidos, de segregação racial. O autor concede, gratuitamente, a permissão do uso de seu texto para produção. A estreia da peça acontece  em 8 de maio de 1945, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde nunca antes havia pisado um negro, fosse como intérprete, fosse como público.

Após o sucesso de crítica, o grupo interpreta, em 1946, outro texto de O’Neill: Todos os Filhos de Deus têm Asas.  Em seguida,  cria e encena peças dramáticas nacionais com foco  nas questões mais específicas da vida negra brasileira.  

O primeiro texto escrito especialmente para o TEN é Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso, inspirado na parábola bíblica e considerado pela crítica a maior peça do ano. Outras produções do TEN foram Aruanda, Filhos de Santo, Rapsódia Negra, Orfeu da Conceição e Sortilégio.

Ensaio para “O Colar de Coral”, em 12 de setembro de 1958. (Imagem: Domínio público / Acervo Arquivo Nacional)

Aguinaldo de Oliveira Camargo, Wilson Tibério, Léa Garcia, Teodorico dos Santos e José Herbel estiveram ao lado de Abdias do Nascimento na primeira fase desta jornada. Depois, juntaram-se ao grupo Arinda Serafim,  Marina Gonçalves, Ruth de Souza e muitos outros. O grupo, aliás, revelou Ruth e Léa como símbolos do teatro e da televisão brasileira.

A crítica

O êxito do TEN,  em destacar o negro como sujeito e herói de histórias, no entanto, veio acompanhado da acusação de  “racismo às avessas”. E a atriz Lea Garcia,  no livro Damas Negras: Sucesso, Lutas, Discriminação, de Sandra Almada,  comenta a questão:

“O Rio de Janeiro está cheio de peças em que só atuam brancos e eles não têm sentimento de culpa. Então, por que, ao montarmos uma peça só com negros, estamos fazendo racismo às avessas?”.

Mesmo com a crítica, o TEN ganha espaço e segue realizando palestras, congressos, concursos de artes plásticas e de beleza e ainda cria o jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro (1948-1950).

Ruth de Souza com Aguinaldo Camargo e José Maria Monteiro (fundo) em “O Filho Pródigo”, de Lúcio Cardoso. Teatro Ginástico, Rio de Janeiro, 1947. (Imagem: IPEAFRO)

De lá, também surgem duas organizações de mulheres negras: a Associação de Empregadas Domésticas e o Conselho Nacional das Mulheres Negras.

As aspirações do grupo incluem a melhoria da qualidade de vida da população afrodescendente e, para isso, Abdias busca o engajamento político de artistas, autores, diretores e demais formadores de opinião.  

Assim, o TEN organiza o Comitê Democrático Afro-Brasileiro e, em seguida, a Convenção Nacional do Negro, que apresenta à Constituinte de 1946, entre outras propostas, a inserção da discriminação racial como crime de lesa-pátria. A realização, em 1950, do 1º Congresso do Negro Brasileiro, e a edição, entre os anos de 1948 e 1951, do jornal Quilombo também integram a causa.

O fim e o legado

O TEN, iniciativa pioneira, mobiliza a produção de novos textos, propicia o surgimento de novos atores e semeia uma discussão que permaneceria em aberto: a questão da ausência do negro na dramaturgia e nos palcos de um país mestiço, de maioria negra.    Dificuldades financeiras, no entanto, interrompem o projeto em  em 1961, mas não a ideia. O pensamento de Abdias Nascimento continua a ecoar.

Mais de sete décadas após aquele marco do teatro negro no Brasil, os inúmeros conflitos sociais de reivindicação por direitos e igualdade seguem reverberando nas artes cênicas nacionais, com críticas ao racismo e na luta por representatividade.  

Internacionalmente, sua história permanece vibrante. No meio da pandemia de Covid-19 no mundo, a exposição coletiva “Escrito no Corpo”, em Nova York, por mais de um mês – entre 25 de junho e 30 de julho deste 2021 – se propôs discutir questões ligadas à raça, identidade e corpo, a partir do  acervo fotográfico do Teatro Experimental do Negro.  

Na mostra, um diálogo entre as histórias de raça e representação no Brasil e nos Estados Unidos, enfatizando as especificidades e circunstâncias que tanto nos aproximam como nos diferenciam, a partir do legado multidisciplinar de Abdias do Nascimento.


Inspire-se também com a história de Ruth de Souza, atriz negra pioneira do Brasil

Fontes: 

Ipeafro, MultiRio, Uol

Teatro Experimental do Negro: Uma Revolução Cultural e Social no Brasil

O Teatro Experimental do Negro (TEN), criado por Abdias do Nascimento, marcou o cenário cultural brasileiro ao desafiar as representações estereotipadas e caricaturais dos negros nos palcos do país. Com o objetivo de definir um novo estilo dramatúrgico e promover o protagonismo negro, o TEN oferecia cursos de alfabetização, cultura geral, teatro e interpretação, além de organizar debates e exercícios práticos. Sua estreia com a peça “O Imperador Jones” de Eugene O’Neill, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, foi histórica, marcando a primeira vez que negros pisaram no palco como intérpretes principais. Ao longo dos anos, o TEN produziu peças que refletiam a realidade e as questões existenciais dos negros no Brasil, contribuindo significativamente para a discussão sobre a representatividade negra nas artes e na sociedade.

Quem fundou o Teatro Experimental do Negro e quando? Abdias do Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro em 13 de outubro de 1944.

Qual era o objetivo principal do Teatro Experimental do Negro? O objetivo principal era resgatar a cultura afro-brasileira, trabalhar pela valorização social do negro no Brasil e promover o protagonismo negro nas artes, opondo-se às representações negativas e estereotipadas.

Quais atividades o Teatro Experimental do Negro oferecia? O TEN oferecia cursos de alfabetização, cultura geral, noções de teatro e interpretação, mesclando as aulas com debates e exercícios práticos para formar atores críticos à realidade social dos negros no Brasil.

Qual foi a primeira peça encenada pelo Teatro Experimental do Negro? A primeira peça encenada foi “O Imperador Jones” de Eugene O’Neill, estreando no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 8 de maio de 1945.

Qual é o legado do Teatro Experimental do Negro? O legado do TEN inclui a mobilização para a produção de novos textos dramáticos, o surgimento de novos atores negros, a promoção de discussões sobre a representatividade negra nas artes e a luta contínua por direitos e igualdade racial.

4 comentários em “Teatro Experimental do Negro: do sonho à realidade”

  1. Pingback: Abdias do Nascimento, um revolucionário

  2. Pingback: O que significa ser pardo no Brasil?

  3. Pingback: Solano Trindade, pioneiro da Literatura Negra

  4. Pingback: Grandes Celebrações

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *