Filosofia Africana
- Primeiros Negros
Katiúscia Ribeiro escreveu a primeira monografia de Filosofia da história da Universidade Federal do Rio de Janeiro que utilizou somente autores africanos. (Imagem: Reprodução de Karla Brights | CLAUDIA)
Transmitir conhecimentos sobre a Filosofia Africana requer descolonização do pensamento e do currículo escolar, rompendo com a ideia que limita a filosofia ao continente europeu.
Ao mesmo tempo que a Lei 10.639/2003 torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira na educação básica e enfatiza a importância do ensino de Filosofia Africana na escola, evidenciam-se as dificuldades de professoras e professores, especialmente do ensino médio, de acessar fundamentos e perspectivas filosóficas africanas.
O ensino da filosofia no Brasil, historicamente, nega ou invisibiliza os conhecimentos relacionados à intelectualidade africana.
Transmitir conhecimentos sobre a Filosofia Africana requer descolonização do pensamento e do currículo escolar, rompendo com a ideia que limita a filosofia ao continente europeu.
A reprodução, editada, de uma entrevista ao site Sul21, veículo de jornalismo eletrônico independente, com a doutora em Filosofia Africana Katiúscia Ribeiro, mulherista africana que comanda o programa “O Futuro é Ancestral”. do canal GNT – outra de nossas fontes para a construção deste material – é a nossa contribuição para nos apropriarmos desses saberes e deste caminho do pensar, que contempla o sentir ao lado da razão, como ensina a acadêmica, quando perguntada sobre a diferença entre a Filosofia Europeia e a Filosofia Africana.
“Se vamos alcançar a unidade, para além dos limites de gênero, unidade que reúna homens negros e mulheres negras e pessoas negras dissidentes de gênero, é importante reconhecer o papel da mulher negra. É importante que os homens negros utilizem metodologias feministas (…) E quando me refiro ao feminismo negro, não falo de algo para excluir homens negros, mas de uma luta abrangente, antirracista, anticapitalista, que se opõe à injustiça de gênero e que pode potencialmente salvar o mundo. (…) Éé importante que os homens negros reconheçam que as mulheres negras lutam há centenas de anos e sempre defenderam os homens negros e, agora, é a hora de os homens negros também defenderem as mulheres negras.”
Quilombola – nasce em um quilombo rural e é criada em um quilombo urbano no Rio Grande do Sul -, Katiúscia é professora e pesquisadora convidada da Universidade de Temple, na Filadélfia; e coordenadora do Laboratório de Africologia e Estudos Afroameríndios da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o primeiro e mais importante departamento de africologia do mundo, e fundadora do Instituto Ajejum Filosófico, com foco no ensino das filosofias africanas.
Qual é a origem do racismo?
Katiúscia Ribeiro responde:
“Uma das origens está no apagamento dos conhecimentos e saberes produzidos pelos povos africanos ao longo da história.
História é poder. E uma das bases que alicerçam o racismo é o epistemicídio.”
Vale esclarecer: “epistemicídio” é o processo que invisibiliza e oculta as contribuições culturais e sociais não assimiladas pelo ‘saber’ ocidental.
Ou seja, tudo que esconderam sobre nossa história negra africana.
“O epistemicídio – explica Katiúscia – chega antes da bala, chega antes da corrente, chega antes das violências e das desigualdades.
Porque, se não existe uma base que alicerça a história humana de um povo, que não seja uma história somente de açoite e chicotes, se cria um lugar de desumanização… Reintegrar a história é uma possibilidade de nos reconhecermos como humanos!”
Katiúscia Ribeiro escreveu a primeira monografia de Filosofia da história da Universidade Federal do Rio de Janeiro que utilizou somente autores africanos – processo que tem-se fortalecido com o aumento do número de estudantes negros nas universidades, fruto da Lei de Cotas que é, sem dúvida, um divisor der águas na luta negra por plena liberdade.
“A grande maioria das pessoas negras que entrou por cotas raciais nas universidades foi pesquisar a negritude, fazer investigações para tentar resolver os problemas que assolam as suas comunidades.”
É fundamental compreendermos que a história ocidental não é universal.
“O Ocidente pensa os povos africanos a partir da branquitude.
Quer dizer, a desumanidade já está posta. O reconhecimento das histórias africanas, o reconhecimento da Antropologia Africana, da História Africana, da Filosofia Africana, é um reconhecimento da contribuição dos povos africanos à história do mundo… Um povo sem história é um povo sem memória, um povo que está à margem.”
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A entrevista
Uma monografia exclusivamente com referências africanas!?
Katiúscia Ribeiro: A ideia não era simplesmente fazer uma pesquisa em torno de um conhecimento filosófico, só que a academia não reconhecia a África como produtora de filosofia. Tive de fazer uma investigação para reconhecimento da Filosofia Africana como legítima. A partir daí, a UFRJ nos ajuda a pensar outros horizontes das humanidades, não somente pelo Ocidente. E, até aquele momento, nenhuma outra monografia com esse viés tinha sido publicada pela instituição.
Como pensar a filosofia ancorada na ancestralidade?
Katiúscia Ribeiro: Quando falamos nas filosofias que estão ancoradas na ancestralidade, é para pensar um modo de organização política que existe desde antes da colonização e que reflete no modo de sobreviver do povo que chega escravizado no Brasil.
Filosofia Africana e Filosofia da Ancestralidade expressam a mesma filosofia?
Katiúscia Ribeiro: Quando falamos da Filosofia Africana se trata dessa Filosofia da Ancestralidade, de olhar para os quilombos a partir de uma perspectiva política de organização. Abdias do Nascimento, ativista, político, no livro “O Quilombismo”, se refere a Palmares como a primeira república que se organiza a partir de seu reconhecimento como comunidade africana, com um senso comunitário, uma noção política, que não está ancorada nas singularidades, mas na coletividade. O que nós chamamos e conhecemos como Ubuntu – noção filosófica que reconhece o todo e todos os sujeitos -, nos ajuda na atualidade, por exemplo, a pensar uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais plural, que reconhece as especificidades do sujeito porque esse sujeito está inserido dentro da comunidade.
Espiritualidade e ancestralidade também se confundem?
Katiúscia Ribeiro: Ancestralidade, muitas vezes, é confundida com espiritualidade e com religiosidade, quando não. Ancestralidade é entender um modo de organização política da antiguidade, por exemplo. O que fez com que a população negra não sucumbisse às violências da colonização? Tem uma organização política. O que Zumbi pode nos dizer sobre isso? Zumbi nos ajuda a entender a coletividade presente dentro do Quilombo dos Palmares, que tinha um estatuto, um modelo de escola. Nós fomos socializados dentro de um contrato social e o quilombo nos ajuda a entender uma sociabilidade na pluralidade de todos os sujeitos que dialogam ali.
Leia mais no artigo Quilombo dos Palmares.
No que a Filosofia Africana se diferencia do modelo europeu?
Katiúscia Ribeiro: A primeira diferença é a noção da Filosofia Africana de que o sujeito não é estritamente racional. A Filosofia Africana entende o sentir como uma possibilidade. Não que a razão não exista, mas ela está atrelada também ao sentir. Na Filosofia Africana, para pensar o concreto, tem que se pensar o que não é real. Dentro das premissas das filosofias africanas, o mito compõe uma realidade e nos faz entender que a forma de percebê-lo não é necessariamente uma forma racional.
O que é o pensamento filosófico?
Katiúscia Ribeiro: O nascimento da filosofia é a passagem do pensamento mítico e religioso para o pensamento filosófico. Há uma percepção de que os mitos são fantasias, mentiras, subdesenvolvimento, falta de inteligência. Mas não é nada disso. Os ensinamentos africanos nos convidam a romper com verdades absolutas, o que nos lembra o filósofo camaronês Marcien Towa: “É preciso ter coragem para romper com o absoluto”. No pensamento africano, uma das funções do mito é descrever a realidade. Os mitos compõem os entendimentos que precisamos ter.
Explique os mitos.
Katiúscia Ribeiro: Mitos são relatos complexos que buscam explicitar a origem do mundo, servem como tradutores do nosso comportamento.
Existem mistérios e realidades tão complexos que só com a metáfora, a imagem, o símbolo, a sabedoria, conseguimos nos aproximar do entendimento.
O pensamento africano não separa razão e coração, vida espiritual de vida material. Pensamos com o coração e buscamos ter uma compreensão total da vida. Ao contrário da tradição ocidental, que compreende o tempo onde o amanhã supera o ontem, os mitos nos convidam a conversar com o tempo.
O não contato com a produção intelectual africana é que gera o racismo?
Katiúscia Ribeiro: História é poder. Muito se fala que Vidas Negras Importam. Mas, para isso, precisamos saber nossa história como humanidade. A população negra não é reconhecida em sua natureza plena, integral. O reconhecimento das histórias africanas, da Antropologia, da Filosofia Africana, é um reconhecimento da contribuição dos povos africanos à história do mundo. Pensamento é poder. Quando você valida essa história, você valida essa humanidade. É de fundamental importância reintegrar essa história. Não foi o Ocidente que inventou a Filosofia, a Matemática… Os ocidentais não são grandes heróis…
O ensino da História Africana nas escolas é uma forma de reparação?
Katiúscia Ribeiro: A Lei 10.639 era uma das bases da Frente Negra Brasileira em 1932. Desde essa época, reivindica-se o estudo da África nas escolas. Mas ela foi promulgada só em 2003, sem se prever sanções para o seu não cumprimento. Nós ainda estamos diante do racismo estrutural, apesar de a validação desses conhecimentos ser urgente, emergencial, não somente para as populações negras, mas também para que as crianças brancas sejam mais refratárias ao racismo.
Qual o caminho para aumentar o intercâmbio com o pensamento africano?
Katiúscia Ribeiro: Ações afirmativas não só nas universidades. Para que exista equidade racial no território brasileiro é preciso abrir espaço para todas as pessoas negras. Uma sociedade democrática de direito só será válida quando a população negra tiver direito de estar em todos os espaços. Todas as esferas estruturais e sociais desse País precisam estar em diálogo com as pautas raciais.
“Saber quem nós fomos os ajuda a entender quem queremos ser, porque até o modelo de humanidade que nós conhecemos é um modelo de humanidade do outro. A gente conhece a ideia de ética somente a partir e um modelo especíico, que é branco ocidental. ”
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Fontes: Sul21, Programa O Futuro é Ancestral, Podcast ManoaMano de 23/6/2022
setembro/2022
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expresso tudo que eu penso e sinto, quando conhecimento vai parti dos nossos ancestrais, da educação básica ate faculdade o ensinamento e sempre de outros povos europeus e oriente , menos da África… Eu quero aprender filosofia africana, sabemos que muitas civilizações antigas foram dos continente africano, que contribuiu com evolução no mundo.
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Sou Fernando silva, professor de filosofia,
Gostaria de agradecer o artigo e todo conteúdo sobre filsoofia africana, principalmente a nossa querida mestre Katiúcia Ribeiro pela sua tese e sua contruição para meu aprofundamento teórico e consequente ensino. Dessa forma, conseguiremos visibilizar essa filosofia que foi negada ao ondo da história.
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